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Direito Penal

 DIREITO PENAL

 


Fontes Formais do Direito Penal: Lei, Costume e Jurisprudência


O Direito Penal, como ramo do Direito Público, baseia-se em um conjunto de normas que regulam as condutas consideradas lesivas à sociedade, impondo sanções a seus autores. Essas normas não surgem de forma aleatória: elas têm origem em fontes específicas, que conferem validade, autoridade e obrigatoriedade às regras jurídicas. Dentre essas, destacam-se as fontes formais, que são os meios através dos quais o Direito Penal se expressa e adquire forma normativa.

As fontes formais são aquelas reconhecidas oficialmente pelo ordenamento jurídico como aptas a produzir normas obrigatórias. No Direito Penal brasileiro, as principais fontes formais são: a lei, o costume e a jurisprudência. Cada uma desempenha papel próprio e possui limites específicos de atuação, especialmente diante do princípio da legalidade penal.

 

1. A lei como fonte primária e exclusiva

No Direito Penal, a lei é considerada a única fonte formal imediata e direta para a criação de tipos penais e sanções. Trata-se da fonte principal, pois o sistema jurídico brasileiro, fundado no princípio da legalidade, exige que somente a lei em sentido estrito pode definir crimes e cominar penas.

Esse entendimento está expressamente consagrado no artigo 5º, inciso

XXXIX,           da           Constituição           Federal           de           1988:

“não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.”

O           artigo                     do           Código           Penal           reforça:

“Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.”

Assim, apenas normas elaboradas pelo Poder Legislativo, mediante o devido processo legislativo, podem criar tipos penais. Leis complementares e ordinárias são instrumentos legítimos, desde que respeitem os princípios constitucionais e os limites materiais da legalidade penal.

Além disso, a lei penal deve ser clara, certa e prévia. Não se admite norma penal vaga, imprecisa ou retroativa, exceto se for mais benéfica ao réu, hipótese em que a retroatividade é permitida (art. 5º, XL, CF/88).

 

Lei em sentido estrito

Refere-se às normas oriundas do Poder Legislativo, aprovadas conforme o processo legal, sancionadas (ou promulgadas) e publicadas oficialmente. No Brasil, compete privativamente à União legislar sobre Direito Penal (art. 22, I, CF).

Não são consideradas fontes de incriminação penal os regulamentos, portarias, decretos ou outras normas infralegais. Eventuais complementações a normas penais em branco devem também se referir a fontes normativas válidas e previamente estabelecidas.

 

2. Costume: papel secundário e restrito

O costume jurídico é uma prática social reiterada, aceita como obrigatória por uma coletividade. Em alguns ramos do Direito, como o Direito Civil ou Comercial, o costume pode ter papel relevante como fonte formal. No entanto, no Direito Penal, o costume possui valor extremamente limitado.

Diante do princípio da legalidade, que veda a criação de crimes e penas sem lei anterior que os estabeleça, não se admite a criação de tipos penais por meio do costume. Ou seja, não há crime nem pena com base apenas em práticas reiteradas, por mais que sejam amplamente aceitas ou desaprovadas pela sociedade.

Contudo, o costume pode ter função integrativa ou interpretativa em situações específicas:

       Costume contra legem (contra a lei): inadmissível no Direito Penal.

       Costume secundum legem (conforme a lei): aceito como reforço de interpretação da norma legal.

       Costume praeter legem (na ausência de lei): pode ser considerado para suprir lacunas, mas nunca para criar infrações penais ou agravar penas.

Assim, o costume pode influenciar aspectos acessórios da aplicação penal, como elementos de tipo penal abertos (ex: costumes locais para definir "decoro", "bons costumes", "tradição"), mas jamais substituir a lei como fonte primária.

 

3. Jurisprudência: fonte indireta e orientadora

A jurisprudência é o conjunto de decisões reiteradas dos tribunais sobre uma mesma matéria jurídica. No Direito Penal, sua função é interpretativa e integradora, não podendo inovar no ordenamento jurídico penal, mas orientando sua aplicação.

A jurisprudência tem papel relevante na uniformização do entendimento das normas penais, especialmente diante da existência de tipos penais abertos, lacunas ou omissões legislativas. No entanto, não se admite que a jurisprudência crie crimes ou agrave penas, o que seria inconstitucional.

A jurisprudência pode ganhar força vinculante em certos casos, como nos recursos repetitivos, súmulas vinculantes do STF e teses fixadas em repercussão geral, devendo ser observada por todos os órgãos do Judiciário. Ainda assim, sua força é de vinculação interpretativa, e não de inovação normativa.


Súmulas e precedentes

       Súmulas: São

enunciados que resumem o entendimento consolidado dos tribunais. A súmula vinculante, prevista no art. 103-A da CF, tem força obrigatória para o Poder Judiciário e a Administração Pública.

       Precedentes obrigatórios: Em certos casos, os tribunais devem seguir decisões já firmadas, conforme o Código de Processo Civil (aplicado subsidiariamente ao processo penal). Ainda assim, tais decisões não criam normas penais, mas interpretam as já existentes.

Portanto, a jurisprudência é fonte formal secundária e indireta, cuja função é esclarecer, complementar e padronizar a aplicação da lei penal, sempre dentro dos limites constitucionais.

 

4. Hierarquia e interação entre as fontes

No sistema penal brasileiro, há uma hierarquia entre as fontes formais:

1.     Lei – é a única fonte formal primária, exclusiva para definição de crimes e penas.

2.     Costume – tem papel meramente interpretativo ou integrativo, nunca normativo.

3.     Jurisprudência – atua na interpretação da lei penal, com força persuasiva ou vinculante, sem poder para inovar no ordenamento.

Essa hierarquia visa preservar o princípio da legalidade, a segurança jurídica e a previsibilidade da norma penal. Qualquer violação dessa estrutura, como a criação de tipos penais por decisões judiciais ou costumes, compromete a legitimidade do sistema punitivo.

 

5. Considerações finais

As fontes formais do Direito Penal desempenham papel essencial na estruturação, aplicação e interpretação das normas penais. A lei é a fonte por excelência, exclusiva para criar crimes e penas. Já o costume e a jurisprudência exercem funções complementares e limitadas, auxiliando na interpretação e concretização das normas legais.

O respeito à legalidade e à separação de funções entre as fontes formais é condição indispensável para a preservação do Estado Democrático de Direito, evitando abusos e garantindo a previsibilidade das sanções penais. Ao compreender corretamente o papel e os limites de cada fonte, assegurase maior coerência, segurança e justiça no sistema penal brasileiro.

 

Referências Bibliográficas

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. 23.

ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2020.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 23. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2020.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 33. ed. São Paulo: Atlas, 2022.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de

Direito Penal Brasileiro. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019.


Fontes Materiais do Direito Penal

 

O estudo das fontes do Direito Penal é fundamental para a compreensão de como as normas penais são produzidas, legitimadas e aplicadas no ordenamento jurídico. Dentre essas fontes, destaca-se a fonte material, que, ao lado da fonte formal, contribui para a estruturação do sistema penal.

Enquanto as fontes formais dizem respeito ao modo de exteriorização da norma penal, ou seja, os instrumentos jurídicos que tornam as normas válidas e aplicáveis (como a lei, a jurisprudência e, de forma limitada, o costume), as fontes materiais dizem respeito aos elementos de conteúdo e origem política, social e institucional da norma penal. São, portanto, fontes substanciais ou geradoras do Direito Penal.

 

1. Conceito de fonte material

As fontes materiais do Direito Penal referem-se ao ente ou órgão que detém legitimidade para criar normas penais e também às condições sociais, históricas, econômicas e políticas que influenciam a produção dessas normas. Elas respondem à pergunta: quem ou o que impulsiona a criação da norma penal?

Em termos objetivos, no ordenamento jurídico brasileiro, a fonte material institucional do Direito Penal é o Estado, que detém o monopólio do jus puniendi — ou seja, o poder de definir crimes e aplicar sanções. Nenhum outro ente, coletivo ou indivíduo, pode criar normas penais válidas nem exercer punição com caráter jurídico.

No entanto, para além do Estado como sujeito ativo da produção normativa, o conteúdo das normas penais é frequentemente influenciado por diversos fatores sociais, como:

       Fatores culturais e morais;

       Demandas de segurança pública;

       Pressões de grupos econômicos ou políticos;

       Transformações sociais;

       Valores éticos predominantes em determinada sociedade.

Esses fatores representam os aspectos sociológicos e axiológicos das fontes materiais.

 

2. O Estado como fonte material institucional

No plano jurídico-positivo, apenas o Estado possui competência legítima para criar normas penais e para aplicá-las, por meio dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Essa competência é exercida por meio da elaboração de leis (Poder Legislativo), de sua aplicação (Judiciário) e de sua

execução (Executivo).

No caso brasileiro, a competência para legislar sobre Direito Penal é privativa da União, conforme o artigo 22, inciso I, da Constituição Federal de 1988. Assim, os estados, municípios e o Distrito Federal não podem criar normas penais autônomas, ainda que possam atuar em aspectos periféricos ou complementares à legislação penal federal.

O Estado, portanto, é a fonte material originária da norma penal, sendo o único legitimado a transformar os anseios e valores sociais em comandos jurídicos obrigatórios com efeito punitivo.

 

3. Aspectos sociológicos das fontes materiais

Apesar de ser o Estado o ente responsável pela produção normativa, ele não age isoladamente. O conteúdo das leis penais frequentemente reflete as demandas sociais e culturais de determinado momento histórico, sendo, portanto, condicionado por fatores externos ao processo legislativo formal.

Entre os principais elementos sociológicos que influenciam a formação das normas penais, destacam-se:

       Moralidade coletiva: Normas penais refletem valores morais predominantes, como a criminalização de condutas consideradas socialmente repulsivas (ex: estupro, homicídio, corrupção).

       Conjunturas políticas: Mudanças de governo, regimes autoritários ou democráticos influenciam diretamente o conteúdo das leis penais. Muitos regimes políticos utilizam o Direito Penal como instrumento de repressão ou de proteção institucional.

       Movimentos sociais e mídia: Demandas populares por punição, influenciadas por casos emblemáticos ou comoção pública, muitas vezes impulsionam alterações legislativas penais, fenômeno conhecido como “direito penal de emergência”.

       Estrutura econômica: O perfil das condutas criminalizadas muitas vezes revela seletividade, com foco em crimes patrimoniais ou de pobreza, enquanto crimes econômicos ou ambientais são, por vezes, tratados com menor rigor.

Dessa forma, embora juridicamente a lei penal tenha origem no Estado, sociologicamente ela nasce de interações complexas entre interesses diversos, podendo refletir tanto necessidades legítimas quanto distorções políticas e sociais.

 

4. Importância da distinção entre fontes materiais e formais

A distinção entre fontes materiais e formais é relevante para entender não apenas quem produz a norma penal, mas por que e em quais circunstâncias ela é criada. Essa diferenciação permite uma análise crítica da legislação penal, revelando as possíveis motivações políticas e

ideológicas por trás da criminalização de determinadas condutas.

Por exemplo, ao identificar que determinada lei penal surgiu em resposta a clamor popular ou campanha midiática, o jurista pode questionar sua racionalidade, proporcionalidade e efetividade, à luz de princípios como a intervenção mínima, a legalidade e a dignidade da pessoa humana.

Além disso, o estudo das fontes materiais possibilita o reconhecimento de desvios na função do Direito Penal, como o uso abusivo da norma penal para fins de controle social de populações vulneráveis, criminalização da pobreza ou perseguição política.

 

5. Considerações finais

As fontes materiais do Direito Penal representam a origem substancial das normas penais, sendo compostas tanto pelo Estado, que possui competência legislativa exclusiva para editar tais normas, quanto pelos fatores sociais, culturais e políticos que influenciam sua produção.

Compreender as fontes materiais é essencial para uma análise crítica do sistema penal, pois permite identificar as reais motivações que impulsionam a criminalização de determinadas condutas e os interesses que estão em jogo na formulação das leis penais. Isso contribui para o aprimoramento da legislação, para o fortalecimento de um Direito Penal racional e democrático, e para a prevenção de abusos do poder punitivo estatal.

Em última instância, o estudo das fontes materiais auxilia na construção de um sistema penal mais justo, legítimo e coerente com os valores constitucionais e os direitos fundamentais.

 

Referências Bibliográficas

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. 23.

ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2020.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 23. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2020.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 33. ed. São Paulo: Atlas, 2022.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de

Direito Penal Brasileiro. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021.

 

Norma Penal em Branco e Norma Penal em Sentido Estrito

 

No âmbito do Direito Penal, a forma como os tipos penais são redigidos possui importância crucial para garantir a segurança jurídica, o respeito ao princípio da legalidade e a clareza na definição das condutas ilícitas. Nesse contexto,

âmbito do Direito Penal, a forma como os tipos penais são redigidos possui importância crucial para garantir a segurança jurídica, o respeito ao princípio da legalidade e a clareza na definição das condutas ilícitas. Nesse contexto, a doutrina penal distingue entre dois tipos fundamentais de norma penal: a norma penal em branco e a norma penal em sentido estrito.

Essa distinção diz respeito ao grau de completude da norma penal, ou seja, à forma como a descrição da infração e da sanção está estruturada no texto legal. Compreender essas categorias é essencial para a correta interpretação e aplicação da lei penal.

 

1. Norma penal em sentido estrito

A norma penal em sentido estrito é aquela completa em si mesma, ou seja, contém todos os elementos necessários para a identificação do crime e da sanção diretamente em seu próprio texto. Nela, tanto a descrição da conduta criminosa (preceito primário) quanto a sanção correspondente (preceito secundário) estão claramente previstos na mesma norma, dispensando qualquer complementação externa.

Um exemplo clássico é o artigo 121 do Código Penal brasileiro: “Matar alguém: pena – reclusão, de seis a vinte anos.”

Neste caso, a conduta típica está expressa com clareza (“matar alguém”) e a pena está diretamente prevista (“reclusão, de seis a vinte anos”), permitindo ao intérprete conhecer, de forma imediata, a infração e sua consequência jurídica.

As normas penais em sentido estrito são compatíveis com o princípio da legalidade, pois respeitam a exigência de previsão legal clara, prévia e certa da conduta e da pena. São de aplicação direta pelos órgãos jurisdicionais e não dependem de complementações normativas.


2. Norma penal em branco: conceito e natureza

A norma penal em branco, ao contrário, é aquela em que o preceito primário (a descrição da conduta criminosa) está incompleto ou indeterminado, necessitando de complementação por outra norma jurídica para que a infração penal seja completamente compreendida.

Esse tipo de norma apresenta remanescente abertura textual, remetendo o intérprete a outro dispositivo normativo que contenha os elementos complementares necessários à sua aplicação. A pena, via de regra, está determinada no próprio dispositivo, mas a conduta depende de complementação externa.

Um exemplo é o artigo 273 do Código Penal, que criminaliza a falsificação de produtos terapêuticos, cuja definição e especificação dependem de normas técnicas da Anvisa ou da legislação sanitária.

A existência

existência de normas penais em branco é aceita pela doutrina e jurisprudência, desde que sua complementação seja previsível e determinada por fonte normativa válida. Isso permite conciliar esse tipo normativo com o princípio da legalidade penal, desde que a remissão seja clara e respeite os parâmetros da segurança jurídica.

 

3. Classificação das normas penais em branco

A doutrina subdivide as normas penais em branco em dois tipos principais:

 

3.1. Norma penal em branco homogênea (ou vertical)

A complementação da norma em branco provém do mesmo ramo do Direito e do mesmo órgão legislativo. Em geral, trata-se de normas penais complementadas por outra norma penal ou por lei da mesma hierarquia legislativa.

Exemplo:

O artigo 312 do Código Penal define o crime de peculato: “Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo...”

Neste caso, a definição de “funcionário público” exige consulta ao artigo 327 do próprio Código Penal, sendo, portanto, uma complementação homogênea e interna ao mesmo corpo normativo.

3.2. Norma penal em branco heterogênea (ou heterônoma)

A complementação provém de outro ramo do Direito ou de outro órgão legislativo, ou ainda de normas administrativas como regulamentos, portarias ou resoluções. Exemplo:

O artigo 33 da Lei nº 11.343/2006 (Lei de Drogas) incrimina o tráfico de entorpecentes, mas a definição do que é “droga” depende de ato infralegal da Anvisa, como previsto em portarias específicas.

Este é o tipo mais sensível à crítica, pois a definição da conduta criminosa pode depender de norma infralegal, o que, em tese, comprometeria o princípio da reserva legal. Ainda assim, a jurisprudência do STF e do STJ tem admitido sua validade, desde que o conteúdo da norma complementadora seja acessível, determinado e publicado oficialmente.

 

4. Compatibilidade com o princípio da legalidade

A aceitação das normas penais em branco depende de sua compatibilidade com o princípio da legalidade, que exige que não haja crime nem pena sem lei anterior que os defina. Isso significa que a complementação da norma deve:

       Estar prevista em ato normativo válido e vigente

          Ser determinável e acessível ao cidadão comum;

       Ser anterior ao fato praticado (respeito à anterioridade).

A jurisprudência tem admitido as normas penais em branco desde que a parte complementar seja suficientemente determinada e

esteja formalmente prevista em lei ou regulamento oficial.

Portanto, não se admite que uma norma penal seja aplicada com base em atos administrativos genéricos, obscuros ou não publicados oficialmente, pois isso violaria a exigência de previsibilidade da norma penal.

 

5. Considerações finais

A distinção entre norma penal em sentido estrito e norma penal em branco é relevante para a interpretação correta do Direito Penal e para a garantia dos direitos fundamentais do acusado. Enquanto a norma penal em sentido estrito contém todos os elementos típicos no próprio texto legal, a norma penal em branco exige complementação normativa para alcançar plena eficácia.

Apesar das críticas, as normas penais em branco têm sido amplamente aceitas pelo ordenamento jurídico brasileiro, especialmente em áreas que demandam constante atualização técnica, como o Direito Sanitário, o Direito Ambiental e o Direito Econômico.

No entanto, sua aplicação deve ser cautelosa e rigorosa, respeitando sempre os princípios da legalidade, da anterioridade, da taxatividade e da acessibilidade da norma. Quando bem utilizadas, as normas penais em branco permitem flexibilidade ao legislador sem comprometer as garantias do acusado; quando mal aplicadas, podem representar risco de insegurança jurídica e arbítrio.

 

Referências Bibliográficas

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. 23.

ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2020.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 23. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2020.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 33. ed.

São Paulo: Atlas, 2022.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de

Direito Penal Brasileiro. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019.

  

Irretroatividade e Retroatividade da Lei Penal

 

O Direito Penal brasileiro está estruturado sobre uma série de garantias constitucionais destinadas a proteger a liberdade individual e a impedir o arbítrio estatal. Entre essas garantias, uma das mais relevantes é a regra da irretroatividade da lei penal mais gravosa, combinada com a possibilidade de retroatividade da norma penal mais benéfica. Esses princípios têm fundamento constitucional e refletem o compromisso do ordenamento jurídico com a

segurança jurídica e a proteção dos direitos fundamentais.

 

1. Fundamento constitucional

A irretroatividade da lei penal encontra amparo direto no artigo 5º, inciso

XXXIX,           da           Constituição           Federal           de           1988:

“não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.”

Esse dispositivo reforça o princípio da legalidade penal, ao exigir a préexistência da norma penal para que haja responsabilização criminal. Já a retroatividade da lei penal mais benéfica está prevista no inciso XL do mesmo        artigo:

“a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.”

Com base nesses dispositivos, constrói-se a regra de que a lei penal mais severa só pode ser aplicada a fatos futuros, enquanto a mais benéfica pode ser aplicada retroativamente, inclusive a processos em andamento ou penas já em execução.

 

2. Conceito de irretroatividade da lei penal

A irretroatividade da lei penal é uma regra de proteção ao indivíduo contra mudanças legislativas que recrudesçam o tratamento penal de determinadas condutas. Em outras palavras, ninguém pode ser punido com base em uma lei penal que entrou em vigor após o cometimento do fato.

Esse princípio visa assegurar a previsibilidade normativa e a segurança jurídica, permitindo que os cidadãos conheçam previamente as condutas proibidas e as penas aplicáveis. A lei penal nova, portanto, não pode agravar a situação do agente em relação ao fato praticado anteriormente à sua vigência.

Exemplos práticos de irretroatividade

       Se uma nova lei aumenta a pena mínima de um determinado crime, essa nova pena só poderá ser aplicada aos fatos cometidos após a entrada em vigor da lei.

       Se uma conduta deixa de ser punida com multa e passa a ser punida com prisão, a nova pena não poderá ser aplicada aos fatos anteriores.

 

3. Conceito de retroatividade da lei penal mais benéfica

A retroatividade da norma penal mais benéfica é uma exceção expressamente prevista no texto constitucional e está fundamentada no princípio da humanização do Direito Penal. De acordo com essa regra, se uma nova lei penal for mais favorável ao réu, ela deverá ser aplicada mesmo aos fatos praticados antes de sua entrada em vigor.

Essa retroatividade pode ocorrer em diversos contextos, como:

       Redução da pena mínima ou máxima;

       Exclusão de qualificadoras ou agravantes;

       Transformação de um crime em contravenção;

       Abolição do tipo

tipo penal (abolitio criminis);

       Criação de causas de extinção de punibilidade ou atenuantes.

Essa possibilidade estende-se aos processos ainda em curso e aos já julgados com trânsito em julgado, sendo possível, inclusive, a revisão da execução da pena em caso de lei mais benéfica superveniente.

Aplicação pelo juiz

O juiz, ao constatar que entrou em vigor uma nova norma penal mais favorável ao acusado, deve aplicá-la de ofício, independentemente de provocação da defesa. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça têm reiteradamente afirmado esse dever, em respeito ao princípio da legalidade e ao princípio da individualização da pena.

 

4. Abolitio criminis e novatio legis in mellius

Dentro da retroatividade penal, destacam-se duas figuras principais:

4.1. Abolitio criminis

É a supressão da tipificação penal de determinada conduta. A nova lei revoga o tipo penal incriminador, tornando lícito o comportamento que antes era considerado crime. Como consequência, extingue-se a punibilidade, mesmo nos casos em que a sentença já tenha transitado em julgado. Exemplo:

A revogação do artigo que criminalizava o adultério. Após a revogação, não só cessaram os novos processos por esse fato, como também os já em curso foram arquivados e as penas, anuladas.

 

4.2. Novatio legis in mellius

Ocorre quando a nova lei penal mantém a incriminação da conduta, mas traz benefícios ao réu, como a redução da pena, a supressão de agravantes ou a inclusão de causas de extinção da punibilidade. Nesse caso, a nova lei retroage para beneficiar o réu, mesmo que ele já tenha sido condenado.

 

5. Limites e exceções

O princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa não admite exceções no ordenamento jurídico brasileiro. Nenhuma lei penal mais severa pode ser aplicada a fatos pretéritos, sob pena de inconstitucionalidade.

No entanto, há situações específicas envolvendo leis temporárias e excepcionais (art. 3º do Código Penal) que, mesmo depois de revogadas, continuam a regular os fatos ocorridos durante sua vigência. Isso se justifica pelo caráter transitório e pré-determinado dessas leis, que avisam previamente sobre seu prazo de validade.

Por outro lado, a retroatividade da norma penal benéfica é obrigatória, e seu alcance deve ser integral, aplicando-se inclusive à execução penal e a situações de condenações definitivas.

 

6. Considerações finais

A regra da irretroatividade da lei penal mais severa, combinada com a

retroatividade da norma penal mais benéfica, constitui um dos pilares do Direito Penal garantista e democrático. Esses princípios protegem os indivíduos contra o arbítrio legislativo e asseguram a previsibilidade e a estabilidade das relações jurídicas penais.

Ao respeitar esses princípios, o sistema penal reafirma seu compromisso com a legalidade, a dignidade da pessoa humana e a justiça, evitando punições arbitrárias e assegurando tratamento mais favorável quando o próprio legislador reconhece a desnecessidade de maior rigor.

 

Referências Bibliográficas

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. 23. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 23. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2020.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2020.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 33. ed. São Paulo: Atlas, 2022.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de

Direito Penal Brasileiro. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021.

  

Territorialidade e Extraterritorialidade no Direito Penal

 

O Direito Penal brasileiro está fundamentado em princípios que delimitam o alcance espacial da norma penal, ou seja, definem onde as leis penais brasileiras podem ser aplicadas. Esses princípios são essenciais para garantir a soberania do Estado, a eficácia da jurisdição penal e a segurança jurídica nas relações internacionais. Os principais critérios adotados são os da territorialidade e da extraterritorialidade da lei penal, previstos no Código Penal Brasileiro.

 

1. Princípio da territorialidade: conceito e fundamento

O princípio da territorialidade estabelece que a lei penal brasileira se aplica aos crimes cometidos dentro do território nacional, independentemente da nacionalidade do agente ou da vítima. Trata-se da regra geral, prevista no artigo 5º, caput, do Código Penal:

“Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional.”

Esse princípio decorre diretamente da soberania nacional, que confere ao Estado o poder de legislar e aplicar o direito dentro de seu território, mantendo a ordem jurídica interna.

Abrangência do território nacional

De acordo com a Constituição Federal (art. 20) e o próprio

Código Penal (§1º do art. 5º), o território brasileiro compreende:

       O espaço terrestre (todo o território geográfico do Brasil);

       O espaço aéreo correspondente;

       As águas interiores e mar territorial (até 12 milhas náuticas da costa);

       O espaço flutuante e aéreo de aeronaves e embarcações brasileiras, quando em alto-mar ou em espaço aéreo internacional, salvo quando sujeitas à lei estrangeira (exceção da convenção internacional).

Portanto, o Brasil tem competência para aplicar sua lei penal a qualquer crime cometido dentro desses limites territoriais.

 

2. Princípio da extraterritorialidade: conceito e exceção à regra

O princípio da extraterritorialidade é a exceção à territorialidade. Ele permite que a lei penal brasileira seja aplicada a crimes cometidos fora do território nacional, em determinadas circunstâncias excepcionais, previstas no artigo 7º do Código Penal.

A extraterritorialidade se justifica quando há interesse relevante da soberania nacional, da proteção de bens jurídicos essenciais ou da aplicação de compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro.

O artigo 7º do Código Penal distingue dois tipos de extraterritorialidade: 2.1. Extraterritorialidade incondicionada

Aplica-se automaticamente, independentemente de qualquer condição adicional, aos seguintes casos (art. 7º, I):

           Crimes contra a vida ou liberdade do Presidente da República;

Crimes contra o patrimônio ou fé pública da União, dos Estados, do DF ou de Municípios;

       Crimes contra a administração pública por quem está a seu serviço;

       Crimes de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil.

Nesses casos, a lei penal brasileira será aplicada mesmo que o crime tenha ocorrido fora do país, e não há necessidade de que o fato seja punível no país onde foi cometido, nem de que o agente esteja no Brasil.

 

 

2.2. Extraterritorialidade condicionada

Aplica-se desde que preenchidos certos requisitos, quando (art. 7º, II):

       O crime for cometido por brasileiro;

       O crime for cometido contra brasileiro.

Nesses casos, a aplicação da lei brasileira depende do cumprimento de três condições cumulativas (art. 7º, §2º):

1.     O agente entrar no território nacional;

2.     O fato ser punível também no país onde foi praticado (dupla tipicidade);

3.     O crime estar sujeito à ação penal pública (não ser de iniciativa exclusiva da vítima).

Esse modelo visa

equilibrar o interesse do Brasil em proteger seus cidadãos com a soberania de outros Estados e a cooperação jurídica internacional.

 

2.3. Casos de extraterritorialidade por convenções internacionais

A lei penal brasileira também se aplica a crimes cometidos fora do Brasil que o país se obrigou a reprimir por tratados internacionais, como:

       Tráfico de drogas;

       Terrorismo;

       Tortura;

       Lavagem de dinheiro;

       Crimes contra os direitos humanos.

Essa forma de extraterritorialidade está prevista no art. 7º, §3º, e reforça o compromisso internacional do Brasil com a repressão de crimes de relevância global.

 

3. Nacionalidade e jurisdição penal

A nacionalidade do agente pode influenciar a aplicação da lei penal extraterritorial. Quando o autor do fato for brasileiro nato, não poderá ser extraditado, nos termos do artigo 5º, inciso LI, da Constituição Federal, razão pela qual o Estado brasileiro assume a responsabilidade de processá-lo e julgá-lo, mesmo que o crime tenha ocorrido no exterior.

Além disso, a jurisprudência e a doutrina admitem que, mesmo no caso de brasileiros naturalizados, a extradição só será admitida quando houver crime comum praticado antes da naturalização, ou comprovado envolvimento com tráfico ilícito de entorpecentes, nos termos do mesmo dispositivo constitucional.

Essa proteção jurídica reforça o princípio da personalidade e a responsabilidade internacional do Estado pelos atos de seus nacionais.

 

4. Implicações práticas e cooperação internacional

A aplicação da extraterritorialidade exige, muitas vezes, a cooperação internacional entre Estados, por meio de instrumentos como:

       Cartas rogatórias;

       Acordos de extradição;

           Convenções internacionais de assistência jurídica mútua;

            Organismos como a Interpol.

Essas ferramentas possibilitam a coleta de provas, a prisão de acusados e a execução de penas além das fronteiras nacionais, respeitando os princípios da soberania, reciprocidade e devido processo legal.

No entanto, a extraterritorialidade enfrenta desafios práticos, como diferenças legislativas entre os países, resistência à entrega de nacionais e dificuldades logísticas. Por isso, sua aplicação exige cautela, rigor técnico e respeito aos direitos fundamentais.

 

5. Considerações finais

Os princípios da territorialidade e da extraterritorialidade delimitam o alcance espacial da norma penal brasileira, equilibrando a

soberania nacional com a cooperação internacional. A regra geral é a aplicação da lei penal aos    crimes         cometidos   dentro         do território    nacional (territorialidade), mas em situações específicas e legalmente previstas, admite-se sua aplicação a crimes praticados no exterior (extraterritorialidade).

Esses princípios são instrumentos de concretização da justiça penal e de proteção dos interesses fundamentais do Estado e da sociedade, desde que aplicados com observância às normas constitucionais, aos direitos humanos e aos compromissos internacionais firmados pelo Brasil.

 

Referências Bibliográficas

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. 23.

ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2020.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 23. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2020.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 33. ed. São Paulo: Atlas, 2022.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de

Direito Penal Brasileiro. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 18. ed. São Paulo: Forense, 2022.


Leis Excepcionais e Temporárias no Direito Penal

 

O ordenamento jurídico penal brasileiro contempla, em sua estrutura normativa, categorias especiais de leis que possuem vigência limitada no tempo ou condicionada a situações extraordinárias. Tais normas são denominadas leis excepcionais e leis temporárias, e apresentam características peculiares quanto à sua aplicação e à relação com os princípios da legalidade e da irretroatividade. Ambas encontram previsão no artigo 3º do Código Penal, que assegura sua eficácia mesmo após cessado seu período de vigência, desde que o fato criminoso tenha ocorrido enquanto estavam em vigor.

A compreensão dessas leis é essencial para o operador do Direito, especialmente diante de contextos de crise, como guerras, pandemias, catástrofes naturais ou situações de comoção social, nos quais o legislador pode lançar mão de mecanismos penais mais severos ou específicos.

 

1. Conceito de leis temporárias

As leis temporárias são aquelas que já nascem com um prazo determinado de vigência, estabelecido pelo próprio legislador. Ou seja, são normas criadas para ter validade por um período previamente definido, após o qual perdem automaticamente sua eficácia, sem necessidade de revogação

expressa.

O caráter temporário dessas leis está vinculado à finalidade específica para a qual foram elaboradas, como por exemplo regular um evento de grande porte, um processo eleitoral ou uma emergência pública de prazo previsível.

Exemplo hipotético: uma lei que estabelece sanções penais específicas durante a realização de uma eleição nacional, válida apenas entre determinadas datas.

 

2. Conceito de leis excepcionais

Já as leis excepcionais são editadas para vigorar enquanto durar uma situação anormal, cuja duração é incerta e imprevisível. Essas leis não têm prazo previamente fixado, mas permanecem em vigor enquanto persistirem os motivos que justificaram sua edição, como guerra, estado de sítio, calamidade pública, comoções internas ou outras situações extraordinárias.

Exemplo histórico: normas penais criadas durante o Estado Novo ou durante regimes de exceção que visavam manter a ordem pública em contextos de crise institucional.

Tais leis são consideradas "excepcionais" justamente por derrogarem momentaneamente a legislação ordinária, criando regras específicas para uma realidade transitória.

 

3. Previsão legal e efeitos

O artigo 3º do Código Penal dispõe:

“A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência.”

Esse dispositivo estabelece uma regra de ultratividade da norma penal excepcional ou temporária, ou seja, mesmo depois de cessada sua vigência, ela continua a ser aplicada aos fatos ocorridos enquanto estava em vigor. Essa ultratividade é uma exceção ao princípio geral da legalidade e da irretroatividade, mas é aceita pelo ordenamento jurídico por tratar-se de norma que já existia e era válida no momento da conduta.

Assim, um indivíduo que cometeu uma infração prevista exclusivamente em uma lei temporária ou excepcional, enquanto esta estava vigente, poderá ser processado e punido por ela mesmo após sua revogação.

 

4. Compatibilidade com o princípio da legalidade

A ultratividade das leis temporárias e excepcionais não fere o princípio da legalidade penal. Isso porque a conduta praticada durante sua vigência já era considerada criminosa por uma lei pré-existente e válida no tempo, ainda que essa lei tenha posteriormente perdido sua vigência.

O princípio da legalidade exige que a conduta seja tipificada como crime por lei anterior ao fato, e isso se cumpre integralmente no caso das leis excepcionais

e isso se cumpre integralmente no caso das leis excepcionais e temporárias. O que se aplica, portanto, é uma exceção à regra da abolitio criminis: mesmo que a lei tenha desaparecido do ordenamento, ela se mantém viva para os fatos ocorridos em seu período de vigência.

A jurisprudência brasileira tem reiterado esse entendimento, reforçando que a revogação da lei excepcional ou temporária não implica extinção da punibilidade, desde que o fato tenha ocorrido enquanto a norma estava em vigor.

 

5. Críticas e implicações práticas

A aplicação das leis excepcionais e temporárias, apesar de constitucionalmente admitida, é objeto de críticas doutrinárias, especialmente no que diz respeito ao seu potencial de flexibilizar garantias individuais.

Entre os principais pontos críticos, destacam-se:

       Risco de arbitrariedade legislativa, com criação de normas penais mais severas sob o pretexto de excepcionalidade;

       Insegurança jurídica quanto à interpretação da duração e dos efeitos dessas normas;

       Uso político de leis penais temporárias para fins de controle social em momentos de instabilidade.

Por isso, a doutrina penal moderna recomenda que o uso dessas leis seja restrito, transparente e fundamentado, sempre com controle judicial rigoroso quanto à sua necessidade, proporcionalidade e razoabilidade.

Na prática, cabe ao Judiciário verificar se a norma efetivamente se enquadra nas categorias de exceção ou temporariedade, e se sua aplicação retroativa ou ultrativa não viola outras garantias fundamentais do réu, como a dignidade da pessoa humana ou a vedação de penas cruéis e desproporcionais.

 

6. Considerações finais

As leis excepcionais e temporárias são instrumentos legítimos do Direito Penal, criados para responder a situações extraordinárias ou temporais específicas, respeitando a lógica do sistema penal e os princípios constitucionais.

Sua principal característica é a ultratividade, ou seja, continuam a produzir efeitos após sua revogação formal, desde que o fato punível tenha ocorrido durante sua vigência. Essa regra, prevista no artigo 3º do Código Penal, busca evitar a impunidade e garantir a coerência do sistema penal frente a situações emergenciais ou transitórias.

No entanto, sua aplicação deve sempre observar os limites do Estado de Direito, sendo vedado seu uso arbitrário, abusivo ou contrário às garantias fundamentais. O controle judicial e a interpretação conforme a Constituição são mecanismos indispensáveis para

que tais normas cumpram sua finalidade legítima sem comprometer os valores democráticos.

 

Referências Bibliográficas

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. 23.

ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2020.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 23. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2020.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 33. ed.

São Paulo: Atlas, 2022.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de

Direito Penal Brasileiro. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 18. ed. São Paulo: Forense, 2022.

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