MÓDULO 3 — Harmonia funcional na prática: rearmonização simples e análise de músicas
Aula 7 — Substituições por função:
trocando sem estragar
Chega um momento no estudo de
harmonia em que você começa a sentir duas vontades ao mesmo tempo. A primeira é
boa: você quer sair do básico, quer variar, quer deixar a sequência mais
interessante. A segunda é um pouco insegura: você tem medo de trocar um acorde
e “estragar” tudo, como se a música desmontasse na sua frente. Essa aula nasce
exatamente desse ponto. A ideia é te mostrar que existe um jeito muito seguro
de variar progressões sem perder o sentido musical: substituir acordes por
função.
Quando a gente fala em substituição por função, estamos falando de uma troca que respeita o “papel” do acorde na história. Lembra da lógica do curso? A harmonia tonal costuma se mover entre repouso (tônica), preparação/movimento (subdominante) e tensão com direção (dominante). Então, se um acorde estava cumprindo um papel de repouso, a troca mais segura é escolher outro acorde que também soe como repouso. Se estava preparando, troque por outro que prepare. Se estava tensionando, troque por outro que tensione. É simples assim — e, ao mesmo tempo, poderoso, porque te dá liberdade com consciência.
Vamos trabalhar com um exemplo bem
comum: a progressão C – Am – F – G (em Dó maior). Ela aparece em um
monte de canções e é ótima para estudar, porque tem um caminho claro. O C
é tônica (casa), o Am costuma ter um ar de repouso também (uma “tônica
com outra cor”), o F é subdominante (abre, prepara), e o G é
dominante (puxa para voltar). Agora observe a sacada: se você entende isso,
você não precisa ficar preso a esses quatro acordes. Você pode variar sem
perder o caminho, porque você sabe o que cada um está fazendo.
Em Dó maior, uma forma prática de pensar nas famílias funcionais é assim: na família da tônica, além do C (I), costumam funcionar bem o Am (vi) e o Em (iii). Não significa que eles são “iguais”, mas que eles compartilham um ar de estabilidade e conversam bem com o centro tonal. Na família da subdominante, os queridinhos são F (IV) e Dm (ii). Eles dão aquela sensação de movimento e preparação, como quem sai do repouso e caminha. Já na família da dominante, o mais comum é G (V) ou G7, e em alguns contextos aparece o Bdim (vii°), que é mais tenso e mais delicado para iniciantes, mas ajuda a
entender que existe mais de um jeito de criar direção.
Com esse mapa em mãos, vamos fazer o primeiro tipo de substituição, o mais seguro: trocar dentro da mesma família. Se você tem C – Am – F – G, pode trocar o Am (que está funcionando como repouso) por Em, e obter C – Em – F – G. O caminho geral continua: casa, repouso com variação, preparação, tensão. A música ainda “faz sentido”, mas a cor muda. Em vez daquele clima mais melancólico que o Am pode trazer, o Em pode soar um pouco mais “puxado para frente”, mais leve ou mais brilhante, dependendo do contexto. A sensação é de variação sem ruptura.
Depois, você pode variar a
subdominante. Em vez de F, experimente Dm: fica C – Am – Dm –
G. De novo, você não está inventando moda. Você está trocando “um acorde
que prepara” por “outro acorde que prepara”. É como mudar o caminho dentro do
mesmo bairro: você ainda está indo para o mesmo destino, só escolheu uma rua
diferente. Em muitos estilos, essa troca é tão natural que parece que sempre
foi assim.
O que essa aula quer te ensinar,
acima de tudo, é a diferença entre “trocar por gosto” e “trocar com intenção”.
Trocar por gosto pode até funcionar, mas às vezes você muda a função sem
perceber. Aí a música perde o rumo e você fica com aquela sensação: “não sei
por que ficou estranho”. Por exemplo, se você troca F (subdominante) por
Em (tônica), você pode reduzir a sensação de preparação. A progressão
pode ficar estável demais, como se ela parasse de caminhar. Não é que seja
proibido; é que muda a narrativa. E, se a sua intenção era preparar o refrão,
por exemplo, talvez não seja a melhor hora de tirar a subdominante do lugar.
Outro ponto muito importante: substituição por função não é só um truque para “enfeitar”. Ela é uma ferramenta de arranjo e de acompanhamento. Imagine que você está tocando com alguém que canta e a pessoa repete o refrão três vezes. Se você tocar sempre a mesma sequência do mesmo jeito, pode ficar monótono. Mas se você variar por função — sem alterar a harmonia de forma agressiva — você mantém a canção reconhecível e, ao mesmo tempo, cria movimento interno. Na prática, você pode tocar o refrão na primeira vez com C – Am – F – G, na segunda com C – Em – Dm – G7, e na terceira voltar ao original com uma dominante mais forte. O público não sente que “mudou a música”; sente que “cresceu”.
Para treinar isso de modo bem musical, escolha uma progressão de quatro acordes no tom de C (ou no
tom de C (ou no tom que
você estiver confortável) e faça um desafio simples: crie três versões,
trocando apenas um acorde por vez e mantendo a função. Depois, toque as três
versões em sequência e perceba o efeito. A pergunta aqui não é “qual está
certa?”, e sim: o que mudou na sensação? Você está treinando o ouvido
para perceber cor, direção e estabilidade — que é exatamente o que um músico
precisa para acompanhar bem e criar com segurança.
E um aviso carinhoso para fechar: não se cobre “perfeição” nesse processo. No começo, seu ouvido pode não distinguir com clareza o que é tônica, subdominante e dominante em todo contexto. Isso é normal. A habilidade vai se formando com repetição e escuta atenta. O mais importante é ter um método para não ficar no escuro: se você troca um acorde e a música “quebra”, volte e pergunte: eu mudei a função sem querer? Muitas vezes, só essa pergunta já resolve. E, quando você aprende a variar respeitando função, você ganha algo precioso: liberdade musical sem ansiedade.
Referências
bibliográficas
Aula 8 do Módulo 3 — Rearmonização
simples: dar uma “cara nova” sem perder a música de vista
Rearmonizar, para muita gente, parece
uma palavra grande demais, quase como se fosse algo reservado para músicos
“avançados”. Mas a verdade é que rearmonização, no começo, pode (e deve) ser
algo bem pé no chão: pegar uma progressão simples e encontrar maneiras
seguras de deixá-la mais interessante, sem transformar a música em outra
coisa e sem perder o senso de direção. Rearmonização simples é isso: uma forma
de variar com consciência, como quem muda a roupa de uma canção — ela continua
sendo ela mesma, só aparece com outra cor.
Antes de qualquer técnica, vale uma ideia que evita dor de cabeça: rearmonizar não é sair trocando acordes aleatoriamente. É manter a intenção harmônica (repouso, preparo, tensão e resolução) e mexer no caminho, na duração ou nas “peças intermediárias” que conectam tudo. Se você
respeita a função, você tem uma margem enorme para criar
variações sem quebrar a música. E é exatamente isso que a gente vai praticar
aqui.
Vamos começar com um exemplo bem conhecido, em Dó maior: C – Am – F – G. Você já viu essa sequência várias vezes no curso porque ela é perfeita para treino: é simples, soa musical e tem um fluxo claro. A rearmonização mais “barata” (no melhor sentido!) e eficaz para iniciantes é o primeiro truque desta aula: trocar o V por V7. Ou seja, em vez de G, você faz G7. A progressão vira C – Am – F – G7. Parece uma mudança pequena, mas ela faz a chegada no C ficar mais convincente. É como colocar uma vírgula bem colocada numa frase: de repente, tudo se encaixa melhor.
Por que isso funciona? Porque o V7
cria uma tensão mais definida, e o ouvido reconhece com mais clareza o pedido
de resolução. Você não precisa entender todos os detalhes técnicos agora; basta
sentir o efeito: G7 “puxa” mais do que G. Então, sempre que você quiser
que a volta para a tônica fique mais forte (especialmente no final de um verso,
refrão ou música), essa troca costuma funcionar muito bem.
O segundo truque é quase tão clássico
quanto o primeiro: inserir o ii antes do V. Em Dó maior, o ii é Dm.
Então, em vez de ir direto para o G7, você cria uma “escadinha” de preparação: Dm
– G7 – C. Se você colocar isso na progressão, pode ficar assim: C – Am –
F – Dm – G7 – C. Perceba o que aconteceu: você não destruiu a música; você
apenas deu mais “história” para a chegada. Antes, a música parecia dizer “vamos
voltar”. Agora ela diz: “vamos voltar… preparando… tensionando… chegando”. Essa
sensação de construção é um dos segredos de arranjos mais emocionantes, mesmo
quando os acordes são simples.
Esse truque também tem uma utilidade
prática gigante: ele ajuda a resolver aquele problema comum de iniciantes em
que a música parece “não fechar direito”. Muitas vezes, não é falta de talento;
é só falta de preparação harmônica. Inserir o ii antes do V7 é uma maneira
segura de dar essa preparação. É por isso que você encontra ii–V–I em tantos
estilos — ele organiza o caminho de forma muito natural para o ouvido.
Agora vamos ao terceiro truque, que dá uma sensação de “acabamento” bonito e acolhedor: cadência plagal no fim, ou seja, IV – I. Em Dó maior: F – C. Esse tipo de resolução é menos tensa do que a autêntica (V–I), e por isso tem um clima mais “descansado”, mais “fechamento de abraço”. Você pode usar isso como
Esse tipo de resolução é
menos tensa do que a autêntica (V–I), e por isso tem um clima mais
“descansado”, mais “fechamento de abraço”. Você pode usar isso como final de
música, ou como um segundo tipo de final depois de um grande clímax. Por
exemplo: você pode fechar forte com G7 – C e, em seguida, fazer um
pequeno eco: F – C.
Fica
com cara de conclusão completa, como se você tivesse colocado um ponto final e
depois assinado embaixo.
Até aqui, repare que a rearmonização
simples não está pedindo que você aprenda centenas de acordes novos. Ela está
pedindo que você aprenda a mexer na estrutura. E existe uma maneira
muito prática de fazer isso sem se perder: pensar em rearmonização como uma
mistura de três ações básicas: fortalecer, preparar e prolongar.
Fortalecer é o que você faz quando
transforma V em V7, por exemplo. Preparar é o que você faz quando coloca o ii
antes do V. Prolongar é quando você aumenta a duração de um acorde, repete um
acorde importante, ou cria um pequeno caminho extra sem mudar o destino. Muitas
rearmonizações simples são, no fundo, combinações dessas três ações.
Um exercício muito bom é pegar uma
progressão curta e transformá-la em uma versão mais longa, como se você
estivesse fazendo uma “edição estendida” da música. Por exemplo, pegue C –
Am – F – G e tente criar uma versão de 8 compassos usando as ferramentas da
aula. Uma proposta possível seria: C – Am – F – F | Dm – G7 – C – C.
Aqui, você prolongou o F (para criar mais espaço), preparou com Dm, fortaleceu
com G7 e resolveu no C com calma. E tudo isso mantendo a harmonia dentro do
tom, sem exigir nenhum salto perigoso.
Outra prática excelente é rearmonizar
mantendo a melodia na cabeça. Mesmo que você não esteja cantando, tente
imaginar a linha melódica. Isso é importante porque rearmonização não é só
“harmonia bonita sozinha”. A harmonia precisa continuar servindo a canção. Às
vezes, um acorde que é lindo no papel atrapalha a melodia naquele ponto
específico. Então o treino ideal é: toque a progressão original, cante ou
imagine a melodia, e depois toque a rearmonização e perceba se a melodia
continua confortável. Se sim, ótimo. Se não, volte um passo e faça uma
rearmonização mais suave.
Isso
é maturidade musical: não é “encher de acorde”, é escolher o que funciona para
aquela música.
Para fechar, vamos com uma mentalidade que te ajuda muito a continuar evoluindo: rearmonização simples não é “um degrau menor” — ela é
fechar, vamos com uma mentalidade que te ajuda muito a continuar evoluindo: rearmonização simples não é “um degrau menor” — ela é o coração do tocar bem. Porque tocar bem, na prática, é saber fazer escolhas pequenas que mudam o resultado. Às vezes, a diferença entre um acompanhamento “ok” e um acompanhamento “emocionante” está em colocar um G7 no lugar certo, em preparar com um Dm antes do refrão, ou em finalizar com um F–C que abraça o ouvinte. Quando você domina essas ferramentas, você não depende mais de decorar cifras prontas: você passa a entender como construir caminhos.
Referências
bibliográficas
Aula 9 do Módulo 3 — Como analisar a
harmonia de uma música sem se perder (um método em 5 passos)
Chegar na última aula do curso é um
momento especial, porque é aqui que as peças começam a se juntar de um jeito
bem concreto. Até agora você aprendeu a sentir o “lugar de casa” da música, a
entender campo harmônico, funções, cadências, dominante forte, progressões
clássicas e substituições. Só que, na realidade, quando você abre uma cifra ou
ouve uma música nova, não aparece uma placa dizendo: “isso aqui é
subdominante”, “aqui é uma cadência autêntica”. Você precisa ter um jeito de
olhar para a música e organizar as informações, como quem acende a luz num
quarto bagunçado. É isso que esta aula te entrega: um método simples, humano e
prático para analisar harmonia funcional sem entrar em pânico.
A primeira coisa que vale dizer é que análise harmônica não é um concurso de inteligência. É uma ferramenta para você tocar melhor, acompanhar melhor, compor melhor e, principalmente, entender o que está ouvindo. E entender música não significa ter certeza de tudo o tempo todo. Às vezes existe mais de uma leitura possível, especialmente em estilos populares onde a harmonia pode ser simplificada na cifra, onde o arranjo muda ao vivo, ou onde a melodia puxa o ouvido para um lado. Então, se você tirar daqui uma postura, que seja esta: análise é
uma leitura possível, especialmente em
estilos populares onde a harmonia pode ser simplificada na cifra, onde o
arranjo muda ao vivo, ou onde a melodia puxa o ouvido para um lado. Então, se
você tirar daqui uma postura, que seja esta: análise é um processo de
aproximação. Você vai testando hipóteses, ouvindo, confirmando, ajustando. É
assim que músicos fazem.
O método que vamos usar tem cinco
passos. Eles funcionam como uma sequência de perguntas que te levam do geral
para o específico. E, conforme você pratica, ele vira quase automático.
Passo
1: descobrir o tom (onde está a “casa”).
Isso aqui já resolve metade do problema. Para achar o tom, você pode observar o
acorde que aparece como ponto de descanso, especialmente no final de frases, no
final do refrão ou no final da música. Mas atenção: nem sempre a música termina
no acorde que parece “casa” (principalmente em músicas que terminam em
suspensão), então não é só isso. Um teste bem prático é: toque ou imagine um
acorde e veja se o ouvido relaxa. Quando relaxa, você provavelmente encontrou a
tônica. Outro caminho é observar a melodia: muitas melodias “encostam” na nota
da tônica em momentos de repouso. Em músicas simples, isso costuma ficar bem
evidente.
Passo
2: escrever a progressão com calma (sem querer interpretar ainda).
Antes de colocar nomes, apenas registre o que está acontecendo. Quais acordes
aparecem? Em que ordem? Quantos compassos cada um dura? Se você estiver
trabalhando com cifra, escreva a sequência por partes: verso, pré-refrão,
refrão, ponte. Se estiver ouvindo de ouvido, tente primeiro capturar a harmonia
“macro”, os acordes mais claros, e só depois refine detalhes. Esse passo parece
óbvio, mas ele evita um erro comum: tentar analisar enquanto ainda está tudo
nebuloso. Primeiro, organize o material.
Passo
3: transformar os acordes em graus (I, ii, V…).
Esse é o momento em que o campo harmônico vira ferramenta. Depois que você sabe
o tom, você olha para cada acorde e pergunta: “ele é o quê dentro desse tom?”.
Em Dó maior, por exemplo, C é I, Dm é ii, Em é iii, F é IV, G é V, Am é vi,
Bdim é vii°. Essa troca da cifra por grau é libertadora porque ela permite
enxergar padrões que se repetem em qualquer tonalidade. Você deixa de ficar
preso a “C, F, G” e passa a reconhecer “I, IV, V”. Isso faz você entender
música em linguagem, não em memorização.
Passo
4: identificar as funções (T, SD, D).
Agora você volta para a ideia central da harmonia funcional: o papel de cada
acorde.
você volta para a ideia central da harmonia funcional: o papel de cada
acorde. Em geral, no começo, você pode usar um mapa bem prático: em tons
maiores, I, vi e iii tendem a soar como tônica; ii e IV tendem a
soar como subdominante; V (e V7) tendem a soar como dominante. Isso não
é uma lei absoluta, mas é um guia excelente para iniciantes. E aqui acontece
uma coisa bonita: você começa a perceber que uma música não é só uma sequência
de acordes; ela é uma alternância de regiões emocionais. Em algum momento ela
descansa, em outro ela prepara, em outro ela tensiona, e em outro ela resolve.
Função é uma forma de organizar essas sensações.
Passo
5: localizar cadências (os pontos de “pontuação”).
Depois de marcar funções, você começa a procurar onde a música está dizendo
“ponto final”, “vírgula”, “reticências” ou “plot twist”. Em termos práticos,
procure movimentos como V–I (cadência autêntica, fechamento forte), IV–I
(plagal, fechamento suave), terminações em V (meia cadência, sensação de
continuação) e V–vi (deceptiva, engana e prolonga). Identificar
cadências é como entender onde estão as frases do discurso musical. E isso muda
completamente a forma como você acompanha, porque você passa a respirar junto
com a música.
Para
ver esse método funcionando, vamos pegar um exemplo bem comum: C – G – Am –
F. Esse ciclo aparece em muitas canções e é ótimo para análise inicial.
Primeiro, você testa o tom. Na maioria dos contextos, o ouvido descansa bem em C,
então faz sentido pensar em Dó maior. Segundo, você escreve a
progressão: C, depois G, depois Am, depois F. Terceiro, você transforma em
graus: I – V – vi – IV. Quarto, você marca funções aproximadas: I
(tônica), V (dominante), vi (tônica relativa), IV (subdominante). Quinto, você
observa a cadência: muitas vezes, esse ciclo não “fecha” de forma tradicional a
cada quatro acordes; ele fica girando.
O
fechamento real aparece quando, em algum ponto do arranjo, entra um G7 – C
(autêntica) ou quando o cantor segura uma nota e a harmonia faz um preparo. Ou
seja: a cadência nem sempre está explícita na primeira sequência que você vê;
às vezes ela está no jeito como a música organiza as partes.
E é aqui que entra uma dica muito prática para análise de música popular: olhe para o fim das seções, não apenas para o loop principal. Muitas músicas têm um loop que roda (como I–V–vi–IV), mas pontuam as transições com um gesto mais cadencial, como ii–V–I ou V7–I. Se você só analisa o loop, parece que a música
nunca resolve.
Quando você observa o fim do verso e a entrada do refrão, de repente a lógica
aparece. A análise fica clara e o acompanhamento melhora instantaneamente.
Outra dica importante: quando você
encontrar um acorde “estranho” que não parece do tom, não entre em desespero.
Em vez de pensar “não sei teoria suficiente”, pense assim: “o que esse acorde
está tentando fazer?”. Muitas vezes ele está funcionando como uma dominante
secundária, ou como uma cor emprestada, ou como um caminho de aproximação.
Mesmo que você não dê o nome técnico, você pode perceber a função: ele está
aumentando tensão? Está preparando um acorde específico? Está desviando para
outra sensação por alguns instantes? A análise funcional tem essa vantagem: ela
te dá uma forma de entender o papel mesmo quando os detalhes ainda não estão
100% claros.
No fim das contas, analisar harmonia
é aprender a enxergar o esqueleto da música, aquilo que sustenta o corpo. E
quando você enxerga o esqueleto, você ganha autonomia: consegue transpor,
consegue rearmonizar com mais segurança, consegue acompanhar improvisando
variações sem se perder, e consegue compor sabendo onde quer que o ouvinte
chegue. A melhor parte é que esse método não depende de “talento especial”.
Ele
depende de prática consistente e de um ouvido que vai ficando mais atento com o
tempo.
Para encerrar esta última aula, fica um convite prático: escolha uma música simples que você já toque e aplique os cinco passos. Não precisa ser perfeito. Faça como um treino de leitura: hoje você gagueja um pouco, amanhã você lê melhor. O importante é criar o hábito de perguntar ao som: “onde é a casa?”, “qual é o caminho?”, “onde está a tensão?” e “onde a frase termina?”. Quando você consegue responder isso, você não está apenas tocando acordes — você está entendendo música.
Referências
bibliográficas
Estudo de caso do Módulo 3
“A
mesma música, três versões… e um monte de armadilhas no caminho”
A Júlia tocava violão para acompanhar
a própria voz em eventos pequenos. Ela tinha um repertório bom, mas vivia com
uma sensação incômoda: “parece que eu toco tudo do mesmo jeito”. Quando
tentava variar, acontecia o pior: ou a música ficava esquisita, ou ela se
perdia, ou o cantor convidado (quando aparecia) reclamava que “mudou demais”.
Num workshop, ela recebeu uma tarefa simples: pegar uma canção que ela já
tocava de olhos fechados e criar três versões — a original, uma versão
um pouco mais rica e uma versão “mais adulta”, mas ainda segura. Foi aí que o
Módulo 3 entrou como mapa e, ao mesmo tempo, como teste de maturidade.
A música escolhida era bem comum e perfeita para estudo: a progressão do refrão era C – Am – F – G (tom de Dó maior). A melodia era simples, com notas que encaixavam bem no campo harmônico. Parecia fácil. Mas, conforme ela foi mexendo, apareceram erros clássicos de quem está começando a substituir e rearmonizar.
Cena
1 — O primeiro erro comum: “substituir por estética e mudar a função sem
perceber”
A
Júlia quis “dar uma sofisticada” e decidiu trocar o F por Em,
porque achou o Em mais bonito no violão. Ela tocou:
C
– Am – Em – G
Soou…,
mas o refrão perdeu a sensação de abertura. Ficou como se a música tivesse
encolhido. Ela não entendia por que, até olhar com calma para as funções:
Erro
1: trocar um acorde e mudar o papel da frase (subdominante virou tônica).
Como
evitar
Antes
de substituir, faça a pergunta:
“Qual
função esse acorde está cumprindo aqui? Eu quero manter essa função ou mudar a
história?”
Se
a intenção é variar sem quebrar, troque por acordes da mesma família
funcional.
Correção
segura:
Trocar F (SD) por Dm (SD), por exemplo:
C – Am – Dm – G
Cena
2 — O segundo erro comum: “rearmonizar e esquecer a melodia”
Animada, ela decidiu colocar acordes “mais chiques” e enfiou um D7 no meio (sem saber exatamente por que). Em alguns momentos, a melodia batia numa nota que virava choque com o acorde. A sensação era de “nota errada”, e ela começou a duvidar da própria voz.
Erro
2: rearmonizar olhando só para os acordes e ignorar a melodia.
Como
evitar
Rearmonização
precisa passar em dois testes:
1. Função
(o caminho harmônico faz sentido?)
2. Compatibilidade
com a melodia (as notas cantadas não brigam feio com o
acorde?)
Um
jeito prático:
Correção
segura (sem sair do tom):
Em vez de inventar um acorde fora, ela aplicou o truque clássico:
Ficou:
C – Am – F – Dm – G7 – C
Musical, coerente e amigável para a melodia.
Cena
3 — O terceiro erro comum: “achar que rearmonizar é colocar mais acordes”
Na
tentativa de deixar “mais profissional”, Júlia encheu a progressão de trocas
rápidas: um acorde por batida, sem respirar. O resultado foi um acompanhamento
nervoso, que tirou espaço do canto. Parecia que o violão estava competindo com
a música, não ajudando.
Erro
3: confundir riqueza harmônica com excesso de informação.
Como
evitar
Rearmonização
simples costuma funcionar melhor com a ideia de:
Três
estratégias seguras:
Correção
prática:
Ela manteve a progressão base, mas só mexeu no final da frase:
Versão
original:
C – Am – F – G
Versão
“mais forte”:
C – Am – F – G7
Versão
“mais narrativa” (só no final):
C – Am – F – Dm – G7 – C
Cena
4 — O quarto erro comum: “analisar errado o tom e rearmonizar em cima de uma
hipótese ruim”
Em
um segundo dia, ela tentou aplicar o mesmo processo em outra música e se
confundiu: achou que o tom era G, mas na verdade a música descansava em Em
(era uma sensação de centro menor). Tudo que ela tentou colocar como
“resolução” soava estranho.
Erro
4: rearmonizar sem confirmar a ‘casa’ (tônica real).
Como
evitar
Use
um método curto antes de mexer em qualquer coisa:
1. Onde
a música descansa no fim das frases?
2. Qual
acorde parece “casa” quando você para nele?
3. A
melodia repousa em qual nota?
Se
a resposta não estiver clara, não rearmonize ainda. Primeiro estabilize o
centro tonal.
Correção
prática:
Ela aplicou o método da Aula 9:
Só depois mexeu.
Cena
5 — O quinto erro comum: “variar sem plano e perder a identidade da música”
A Júlia criou uma versão tão diferente que o cantor convidado disse: “tá bonito,
mas não parece mais a música”. Ela percebeu que tinha ultrapassado a linha.
Rearmonização serve para vestir a canção, não para trocar a canção.
Erro
5: mudar demais de uma vez e perder a referência do original.
Como
evitar
Trabalhe
em “camadas”, como no Módulo 3:
Correção
prática:
A regra que salvou a Júlia foi:
“uma mudança por vez, e sempre mantendo o caminho funcional.”
Resultado:
três versões, uma mesma canção, sem ansiedade
No
final, ela chegou em três versões que funcionavam ao vivo:
1. Versão
base (segura):
C – Am – F – G
2. Versão
com mais impacto (sem mudar a identidade):
C – Am – F – G7
3. Versão
com mais narrativa (perfeita para preparar refrão/final):
C – Am – F – Dm – G7 – C
E o melhor: ela sabia explicar o porquê. Não era sorte. Era função, cadência e método.
Checklist
— Erros comuns do Módulo 3 e antídotos
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