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Racismo

RACISMO


Marcos Legais e Direitos Humanos

Legislação Brasileira

1. Introdução

O ordenamento jurídico brasileiro dispõe de um conjunto de normas destinadas a combater o racismo e promover a igualdade racial. Essas normas refletem compromissos assumidos pelo Brasil em nível interno e internacional, com base na Constituição Federal de 1988 e em legislações específicas, como a Lei 7.716/1989 (Lei do Crime de Racismo) e a Lei 12.288/2010 (Estatuto da Igualdade Racial). A consolidação desses instrumentos jurídicos representa um avanço no reconhecimento da gravidade do racismo e na busca por mecanismos efetivos para sua prevenção e repressão.

2. Constituição Federal e Direitos Fundamentais

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, conhecida como “Constituição Cidadã”, consagra a igualdade como um dos fundamentos da República e dedica diversos dispositivos à proteção contra a discriminação racial.

O artigo 5º, caput, estabelece que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, e garante a inviolabilidade de direitos fundamentais como vida, liberdade, igualdade e dignidade. O inciso XLII do mesmo artigo dispõe que “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão”.

Além disso, o artigo 3º, inciso IV, define como objetivo fundamental da República “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. O artigo 4º, inciso VIII, orienta as relações internacionais do Brasil pela “repulsa ao racismo”.

Essas disposições colocam o combate ao racismo no núcleo da ordem constitucional, reconhecendo-o como violação grave à dignidade humana e aos princípios democráticos.

3. Lei 7.716/1989 – Lei do Crime de Racismo

A Lei 7.716, de 5 de janeiro de 1989, regulamenta o disposto na Constituição e tipifica os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. Ao longo dos anos, essa lei foi ampliada para abranger também discriminação por etnia, religião e procedência nacional.

Entre as condutas criminalizadas pela lei, destacam-se:

       Impedir ou dificultar acesso a cargos públicos ou atividades profissionais.

       Negar emprego ou demitir por motivos raciais.

       Impedir acesso a estabelecimentos comerciais, industriais ou recreativos.

       Recusar matrícula em instituições de ensino.

       Impedir acesso a transportes públicos ou a estabelecimentos de hospedagem.

As penas variam, em

regra, de 1 a 5 anos de reclusão, além de multa. A lei reforça a natureza inafiançável e imprescritível do crime de racismo, de acordo com a Constituição.

Importante diferenciar o crime de racismo da injúria racial, prevista no artigo 140, §3º, do Código Penal. Embora por muito tempo tratada como crime de menor potencial ofensivo, a injúria racial foi equiparada ao crime de racismo pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2023, tornando-se também imprescritível e inafiançável.

4. Lei 12.288/2010 – Estatuto da Igualdade Racial

O Estatuto da Igualdade Racial, instituído pela Lei 12.288, de 20 de julho de 2010, estabelece um conjunto de diretrizes para garantir a igualdade de oportunidades e combater a discriminação racial, promovendo a inclusão da população negra na vida econômica, social, política e cultural.

Entre seus principais eixos, destacam-se:

       Educação: Implementação obrigatória do ensino da história e cultura afro-brasileira e africana (Lei 10.639/2003 incorporada ao estatuto).

       Saúde: Desenvolvimento de políticas específicas voltadas à saúde da população negra, com atenção às doenças mais prevalentes nesse grupo e à capacitação de profissionais para lidar com o racismo institucional.

       Trabalho e renda: Adoção de políticas afirmativas para ampliar a participação de pessoas negras no mercado de trabalho, incluindo cotas em concursos públicos.

       Cultura e esportes: Valorização das manifestações culturais de matriz africana e combate à intolerância religiosa contra religiões afro-brasileiras.

       Acesso à justiça: Garantia de mecanismos eficazes para denúncia e reparação de violações de direitos por discriminação racial.

O estatuto funciona como uma política de Estado, definindo obrigações para os entes federativos e diretrizes para a sociedade civil no combate ao racismo.

5. Considerações Finais

A Constituição Federal, a Lei do Crime de Racismo e o Estatuto da Igualdade Racial compõem o núcleo da legislação brasileira voltada ao combate à discriminação racial. Esses instrumentos não apenas reconhecem a gravidade do racismo, mas também estabelecem mecanismos de repressão e promoção de igualdade.

No entanto, a efetividade dessas normas depende da sua aplicação prática, da capacitação de agentes públicos, do fortalecimento de mecanismos de denúncia e do engajamento da sociedade civil. O avanço no combate ao racismo exige, portanto, não apenas leis robustas, mas também ações concretas e contínuas para

transformar a igualdade formal em igualdade real.

Referências Bibliográficas

       Brasil. (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal.

       Brasil. (1989). Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989. Define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor.

       Brasil. (2010). Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010. Institui o Estatuto da Igualdade Racial.

       Gomes, N. L. (2017). O Movimento Negro Educador: Saberes construídos na luta por emancipação. Petrópolis: Vozes.

       Silva, P. V. (2020). Racismo e legislação no Brasil: avanços e desafios. Revista Direito e Sociedade, 5(2), 45–62.

       STF – Supremo Tribunal Federal. (2023). Decisão na ADPF 635.

Equiparação da injúria racial ao crime de racismo.

Leis e Tratados Internacionais de Combate ao Racismo

1. Introdução

O combate ao racismo e à discriminação racial é tema central do direito internacional dos direitos humanos desde a segunda metade do século XX. Após a Segunda Guerra Mundial, o cenário global presenciou um movimento de consolidação de instrumentos normativos para garantir a igualdade e proteger minorias raciais e étnicas. Documentos como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), de 1948, e a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (ICERD), de 1965, são marcos fundamentais. Além disso, organismos internacionais, como a Corte Internacional de Justiça e o Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial, têm analisado e julgado casos que reforçam a aplicação desses instrumentos.

2. Declaração Universal dos Direitos Humanos

A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, como resposta às atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial. Trata-se de um documento de caráter não vinculante juridicamente, mas com forte valor normativo e simbólico, servindo de base para a elaboração de tratados e constituições em todo o mundo.

Entre seus artigos mais relevantes para o combate ao racismo, destacam-se:

Artigo 1º: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos.”

       Artigo 2º: Estabelece que todos têm direito a todos os direitos e liberdades da declaração “sem distinção de qualquer espécie, como raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou outra, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição.”

       Artigo 7º:

Reafirma que “todos são iguais perante a lei” e têm direito à proteção igual contra qualquer discriminação.

A DUDH influenciou diretamente a elaboração da Constituição Brasileira de 1988 e outros tratados internacionais que o Brasil ratificou.

3. Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (ICERD)

A ICERD foi adotada pela Assembleia Geral da ONU em 21 de dezembro de 1965 e entrou em vigor em 4 de janeiro de 1969. O Brasil aderiu à convenção em 1968 e a promulgou por meio do Decreto nº 65.810, de 8 de dezembro de 1969.

A ICERD define discriminação racial como “toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, ascendência ou origem nacional ou étnica, que tenha por objetivo ou efeito anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições, dos direitos humanos e liberdades fundamentais”.

Principais obrigações assumidas pelos Estados-partes:

Condenar e eliminar todas as formas de discriminação racial.

       Não apoiar ou defender qualquer forma de racismo.

       Adotar medidas legislativas e políticas públicas para combater a discriminação.

       Proibir organizações e atividades racistas.

       Promover a educação e conscientização contra o racismo.

A convenção também criou o Comitê para a Eliminação da

Discriminação Racial (CERD), responsável por monitorar o cumprimento da ICERD e examinar relatórios periódicos enviados pelos Estados.

4. Casos Julgados em Organismos Internacionais

O sistema internacional conta com diferentes mecanismos de responsabilização e análise de violações relacionadas ao racismo. O Comitê da ICERD, a Corte Internacional de Justiça (CIJ) e tribunais regionais de direitos humanos (como a Corte Interamericana de Direitos Humanos) têm analisado casos relevantes.

Exemplos:

       Caso Jewish Community of Oslo v. Norway (CERD, 2005): O Comitê concluiu que declarações antissemitas feitas por políticos noruegueses configuravam discriminação racial e violavam a ICERD, exigindo ações estatais para coibir discursos de ódio.

Caso D.H. and Others v. The Czech Republic (Corte Europeia de Direitos Humanos, 2007): Embora não julgado pelo CERD, foi relevante para a interpretação da discriminação racial, pois determinou que a segregação de crianças romani em escolas especiais violava a Convenção Europeia de Direitos Humanos.

       Caso Afrodescendentes e Moradores da Comunidade do Quilombo Rio dos Macacos v. Brasil

(CIDH, 2021): A Corte Interamericana analisou denúncias de violações de direitos territoriais e discriminação racial contra comunidade quilombola, reforçando a necessidade de proteção diferenciada a grupos vulnerabilizados.

Esses casos demonstram que a aplicação prática das normas internacionais exige atuação contínua dos Estados e acompanhamento da sociedade civil.

5. Considerações Finais

A Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Convenção

Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial são marcos fundamentais na luta contra o racismo. Embora a DUDH tenha caráter declaratório, influenciou a criação de tratados vinculantes, como a ICERD, que impõem obrigações jurídicas aos Estados.

O Brasil, como signatário desses instrumentos, assumiu compromissos formais de combater todas as formas de discriminação racial, o que implica não apenas aprovar leis internas, mas também garantir sua aplicação efetiva. Os casos julgados por organismos internacionais mostram que a responsabilização internacional pode ser um caminho para reforçar a proteção de direitos, especialmente quando os mecanismos internos falham ou se mostram insuficientes.

Referências Bibliográficas

       Brasil. (1969). Decreto nº 65.810, de 8 de dezembro de 1969. Promulga a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial.

       Nações Unidas. (1948). Declaração Universal dos Direitos Humanos. Assembleia Geral da ONU.

       Nações Unidas. (1965). International Convention on the Elimination of All Forms of Racial Discrimination.

       CERD.        (2005).        Jewish         Community of       Oslo v.       Norway.

Communication No. 30/2003.

       Corte Europeia de Direitos Humanos. (2007). D.H. and Others v. The Czech Republic. Application no. 57325/00.

       Corte Interamericana de Direitos Humanos. (2021). Comunidade Quilombo Rio dos Macacos vs. Brasil.

Mecanismos de Denúncia e Acesso à Justiça no Combate ao Racismo

1. Introdução

O enfrentamento efetivo ao racismo depende não apenas da existência de leis, mas também da garantia de mecanismos acessíveis para denúncia, investigação e responsabilização dos agressores. No Brasil, o crime de racismo é considerado inafiançável e imprescritível, conforme o artigo 5º, inciso XLII, da Constituição Federal, e pode ser denunciado tanto em órgãos policiais quanto por canais especializados. Para além da repressão, é fundamental assegurar a proteção das

vítimas e testemunhas, evitando revitimização e garantindo o exercício pleno do direito à justiça.

2. Como Denunciar Crimes de Racismo

A denúncia é o primeiro passo para que casos de racismo sejam apurados e punidos. No Brasil, a prática de racismo está prevista na Lei nº 7.716/1989, e a injúria racial, prevista no artigo 140, §3º, do Código Penal, foi equiparada pelo Supremo Tribunal Federal (2023) ao crime de racismo, tornando-se igualmente imprescritível e inafiançável.

Passos básicos para denunciar:

1.     Registro     do      Boletim      de      Ocorrência          (B.O.):

Pode ser feito presencialmente em qualquer delegacia ou em delegacias especializadas, como as Delegacias de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (DECRADI), disponíveis em alguns estados.

2.     Coleta         de      Provas:

É fundamental reunir evidências, como mensagens, gravações, fotos, vídeos, testemunhas e documentos, que auxiliem na comprovação do ato discriminatório.

3.     Acompanhamento        Jurídico:

A vítima pode buscar assistência junto à Defensoria Pública ou contratar advogado particular para acompanhar o processo e garantir seus direitos.

4.     Canais        Digitais:

Alguns estados permitem o registro de ocorrências online por meio das plataformas das polícias civis. O canal Disque 100 também recebe denúncias de violações de direitos humanos, incluindo racismo.

3. Órgãos Públicos e Canais de Atendimento

Diversos órgãos e instituições atuam no combate ao racismo e no atendimento às vítimas:

       Polícia Civil: Responsável pela investigação e instauração de inquéritos policiais.

       Ministério Público: Atua na promoção da ação penal, na defesa dos direitos humanos e no acompanhamento de investigações.

       Defensoria Pública: Presta assistência jurídica gratuita às vítimas, inclusive com acompanhamento processual.

       Ouvidorias de Polícias: Recebem denúncias contra abusos cometidos por agentes de segurança.

       Secretarias de Igualdade Racial (federal, estaduais e municipais): Desenvolvem políticas públicas e recebem denúncias.

       Disque 100 (Disque Direitos Humanos): Serviço nacional e gratuito que funciona 24h, incluindo finais de semana e feriados, para receber denúncias de discriminação racial.

       Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos: Recebe e encaminha denúncias por telefone, e-mail e aplicativo.

       Comissões de Igualdade Racial da OAB: Prestam orientações jurídicas e auxiliam no

orientações jurídicas e auxiliam no encaminhamento das demandas.

A articulação entre esses órgãos é essencial para garantir que as denúncias não se percam no sistema e que a vítima tenha acompanhamento adequado.

4. Proteção de Vítimas e Testemunhas

O medo de retaliações ou de revitimização é um dos principais fatores que impedem a denúncia de crimes de racismo. Para enfrentar esse problema, existem medidas de proteção previstas em lei:

                         Programa Federal de Assistência a Vítimas e Testemunhas

                Ameaçadas                   (Lei                                    9.807/1999):

Oferece medidas como proteção policial, mudança de residência, preservação da identidade e apoio para reinserção social.

       Medidas        Protetivas   Urgentes:

Dependendo do caso, a vítima pode solicitar medidas cautelares ao juiz, como proibição de contato do agressor ou afastamento de determinados locais.

       Atendimento          Psicossocial:

Alguns estados oferecem acompanhamento psicológico e social às vítimas por meio de centros de referência de direitos humanos.

Além da proteção física e legal, é necessário garantir suporte emocional e social, evitando que a vítima seja exposta novamente a situações de discriminação ou hostilidade durante o processo judicial.

5. Considerações Finais

O acesso à justiça no combate ao racismo exige um conjunto articulado de medidas que vão desde canais de denúncia acessíveis até mecanismos de proteção efetivos para vítimas e testemunhas. O Brasil dispõe de um arcabouço legal robusto, mas sua eficácia depende da capacitação das autoridades, da ampla divulgação dos direitos e do fortalecimento da confiança nas instituições.

A denúncia é um ato de cidadania e resistência, mas só se torna efetiva quando acompanhada de ações rápidas, investigação rigorosa, julgamento justo e medidas de reparação. Fortalecer esses mecanismos é essencial para combater a impunidade e construir uma sociedade verdadeiramente antirracista.

Referências Bibliográficas

       Brasil. (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal.

       Brasil. (1989). Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989. Define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor.

       Brasil. (1999). Lei nº 9.807, de 13 de julho de 1999. Estabelece normas para a organização e manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e testemunhas ameaçadas.

       STF – Supremo

Tribunal Federal. (2023). Decisão na ADPF 635. Equiparação da injúria racial ao crime de racismo.

       Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania. (2023). Manual de enfrentamento ao racismo. Brasília: MDHC.

       Souza, C. (2020). Denúncia e combate ao racismo no Brasil: desafios e avanços. Revista Direitos Humanos em Perspectiva, 6(2), 55–72.

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