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Direitos dos Cidadãos em Situação de Rua

 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana (CF/88) 

O princípio da dignidade da pessoa humana é um dos pilares centrais do ordenamento jurídico brasileiro e constitui fundamento essencial da Constituição Federal de 1988. Previsto expressamente no artigo 1º, inciso III, da Carta Magna, esse princípio orienta a interpretação de todas as normas jurídicas e configura-se como base para a consolidação de um Estado Democrático de Direito comprometido com a promoção da justiça social, da liberdade e da igualdade. Sua importância transcende o campo jurídico, influenciando diretamente as políticas públicas, os direitos fundamentais e a própria noção de cidadania.

A dignidade da pessoa humana, enquanto princípio, consagra o valor intrínseco de todo ser humano, independentemente de sua origem, classe social, etnia, gênero, condição física, orientação sexual ou qualquer outro critério de diferenciação. Trata-se de um valor universal, reconhecido não apenas pelo direito brasileiro, mas também por tratados internacionais de direitos humanos, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Nesse contexto, a dignidade não é um direito que se conquista, mas uma qualidade inerente à condição humana, cuja violação constitui agressão não apenas ao indivíduo, mas à ordem constitucional como um todo (SARLET, 2021).

A Constituição de 1988 elevou a dignidade humana à condição de fundamento da República, atribuindo-lhe status normativo de princípio estruturante. Isso significa que todas as normas constitucionais e infraconstitucionais devem ser interpretadas à luz desse valor. Além disso, a dignidade da pessoa humana atua como critério de validade das leis e das decisões judiciais e administrativas. Nenhuma política pública, norma jurídica ou ato estatal pode ser considerado legítimo se atentar contra a dignidade dos indivíduos.

A dignidade da pessoa humana relaciona-se diretamente com os direitos fundamentais, que estão dispostos especialmente no artigo 5º da Constituição. Direitos como a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade são expressões concretas do respeito à dignidade. No entanto, o princípio vai além desses direitos clássicos, alcançando também os direitos sociais, culturais e econômicos, como o direito à saúde, à educação, à moradia e ao trabalho. Dessa forma, a dignidade humana implica a efetivação de condições materiais mínimas para que o indivíduo possa desenvolver-se integralmente na sociedade (MORAES, 2020).

A dignidade da pessoa

humana é particularmente relevante no enfrentamento das desigualdades sociais e da marginalização de grupos vulneráveis. No caso da população em situação de rua, por exemplo, o princípio impõe ao Estado o dever de garantir políticas públicas que assegurem moradia digna, acesso à saúde, alimentação, proteção social e respeito à identidade e à autonomia desses indivíduos. A omissão estatal diante da exclusão social representa uma violação direta ao princípio constitucional, pois significa negar a determinadas pessoas o reconhecimento de sua condição humana em igualdade com os demais.

A aplicação prática do princípio da dignidade da pessoa humana demanda uma atuação ética e comprometida dos poderes públicos. No Judiciário, sua invocação tem sido recorrente em decisões que asseguram direitos a pessoas em situação de vulnerabilidade, garantem o acesso a medicamentos, impedem remoções forçadas ou reconhecem a identidade de gênero. No Executivo, exige-se que as políticas públicas sejam concebidas e implementadas com base na inclusão e no respeito aos direitos fundamentais. No Legislativo, impõe-se a produção normativa que promova igualdade de oportunidades e elimine discriminações históricas (PIOVESAN, 2019).

É importante destacar que o princípio da dignidade da pessoa humana também impõe limites à atuação do Estado e dos particulares. A dignidade deve ser preservada mesmo nos contextos mais adversos, como no sistema prisional, nas unidades de internação para adolescentes, nos abrigos e instituições de acolhimento. Em qualquer dessas esferas, o tratamento degradante, desumano ou discriminatório viola a Constituição e os tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. O princípio também deve nortear a atuação de empresas e instituições privadas, no sentido de respeitar os direitos trabalhistas, a diversidade e o meio ambiente do trabalho.

Por fim, é necessário compreender que a dignidade da pessoa humana não é um conceito abstrato ou meramente filosófico. Trata-se de uma diretriz concreta, com força normativa, que deve estar presente em todas as esferas de atuação pública e privada. Sua efetividade exige o reconhecimento das múltiplas dimensões da existência humana – física, psíquica, social e espiritual – e a garantia de que todas as pessoas possam viver com liberdade, segurança e respeito. Promover a dignidade humana é, portanto, condição indispensável para a consolidação de uma sociedade justa, solidária e verdadeiramente democrática.

Referências

bibliográficas

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília:

Senado                                         Federal,                                         1988.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 13. ed. Porto

Alegre:                Livraria                do               Advogado,               2021.

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 36. ed. São Paulo: Atlas, 2020.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2018.

 

 

Igualdade, Liberdade e Não Discriminação:

Fundamentos Constitucionais e Princípios de Direitos Humanos

 

Igualdade, liberdade e não discriminação são princípios estruturantes do Estado Democrático de Direito e constituem pilares fundamentais na construção de uma sociedade justa, plural e inclusiva. Tais princípios, consagrados na Constituição Federal de 1988 e em tratados internacionais de direitos humanos, impõem ao Estado e à sociedade civil a obrigação de assegurar que todos os indivíduos, independentemente de suas características pessoais, tenham acesso aos mesmos direitos e oportunidades, sejam respeitados em sua autonomia e estejam livres de qualquer forma de opressão, exclusão ou violência.

A igualdade, prevista no artigo 5º, caput, da Constituição Federal, estabelece que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, reconhecendo a necessidade de tratamento isonômico entre os cidadãos. No entanto, a igualdade jurídica formal deve ser compreendida juntamente com a ideia de igualdade material ou substancial. Esta última exige ações concretas do Estado para corrigir desigualdades históricas e estruturais que impedem o exercício pleno de direitos por determinados grupos sociais, como mulheres, pessoas negras, indígenas, pessoas com deficiência, população LGBTQIA+ e cidadãos em situação de rua. A efetivação da igualdade material implica políticas públicas que reduzam desigualdades sociais e promovam justiça distributiva, combatendo os efeitos cumulativos da exclusão e da marginalização (SARLET, 2021).

A liberdade, por sua vez, está intimamente ligada à dignidade da pessoa humana e à autonomia individual. Ela se expressa no direito de cada ser humano conduzir sua vida de acordo com suas convicções, crenças, valores e projetos, desde que respeite os

direitos dos demais. A liberdade é ampla e multifacetada, abrangendo a liberdade de expressão, de religião, de pensamento, de locomoção, de reunião, de associação e a liberdade de escolha quanto à identidade e à orientação sexual. A Constituição assegura tais liberdades fundamentais em diversos dispositivos, reconhecendo que uma sociedade democrática só pode florescer quando os indivíduos são livres para se expressar, participar e decidir sobre suas próprias vidas (PIOVESAN, 2019).

No entanto, a liberdade somente é plenamente exercida quando acompanhada do princípio da não discriminação. Este princípio determina que nenhuma pessoa pode ser tratada de forma desigual, inferior ou excludente com base em características pessoais, como raça, gênero, classe social, origem étnica, religião, orientação sexual, deficiência ou qualquer outra condição. A discriminação, enquanto prática institucional, social ou individual, é uma violação direta aos direitos humanos e um obstáculo à igualdade real. O Brasil é signatário de diversos tratados internacionais que reforçam esse princípio, como a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial e a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher.

Na prática, a não discriminação exige que o Estado promova políticas afirmativas e mecanismos de proteção legal específicos para grupos historicamente excluídos. Programas de cotas raciais e sociais no ensino superior, leis de proteção aos direitos das mulheres, políticas de acessibilidade e legislação contra a LGBTfobia são exemplos concretos de instrumentos que visam garantir o direito à igualdade e combater a exclusão baseada em preconceito. Além disso, cabe ao Poder Judiciário atuar com rigor diante de práticas discriminatórias, garantindo a reparação de danos e a punição dos responsáveis, de forma a reafirmar o compromisso institucional com a justiça e a equidade (MORAES, 2020).

Esses princípios assumem relevância ainda maior no contexto das populações em situação de vulnerabilidade extrema, como as pessoas em situação de rua. Trata-se de um grupo que sofre duplamente os efeitos da negação da igualdade e da liberdade, pois além da exclusão material, enfrentam constante discriminação institucional, social e simbólica. São frequentemente privados do direito à saúde, à educação, ao trabalho digno, ao acesso à documentação civil, à proteção policial e até ao respeito básico à integridade física. A rua, nesse

sentido, transforma-se em lugar de negação da cidadania e, paradoxalmente, em espaço de resistência por parte de quem nela sobrevive.

A igualdade, a liberdade e a não discriminação não podem ser vistos como ideais abstratos ou apenas como diretrizes éticas. São exigências constitucionais com força normativa que devem orientar a formulação de leis, políticas públicas, decisões judiciais e práticas sociais cotidianas. O desafio que se impõe à sociedade brasileira é transformar esses princípios em realidade concreta, enfrentando com coragem as múltiplas formas de exclusão que ainda persistem. Isso exige um compromisso ativo com a justiça social, a escuta das vozes silenciadas e a promoção de um projeto coletivo de sociedade que valorize, respeite e acolha todas as diferenças.

Referências bibliográficas

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília:

Senado                                         Federal,                                         1988.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 13. ed. Porto

Alegre:                Livraria                do               Advogado,               2021.

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 36. ed. São Paulo: Atlas, 2020.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2018.


 

Acesso Universal à Saúde, Educação e Assistência

Social: Garantias Constitucionais e Desafios para a Inclusão Social

 

O acesso universal à saúde, à educação e à assistência social constitui um dos fundamentos centrais do modelo de Estado de Bem-Estar Social consagrado pela Constituição Federal de 1988. Esses direitos sociais, previstos no artigo 6º da Carta Magna, são instrumentos indispensáveis para a promoção da justiça social, a redução das desigualdades e a consolidação da dignidade da pessoa humana. Entendidos como deveres do Estado e direitos de todos, esses serviços públicos devem ser garantidos de forma igualitária, integral e gratuita, sem qualquer tipo de discriminação ou exclusão.

O direito à saúde está consagrado no artigo 196 da Constituição Federal, que estabelece que a saúde é “direito de todos e dever do Estado”, garantida mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos. A criação do Sistema Único de Saúde (SUS) representou um

marco na universalização do atendimento médico no Brasil, consolidando o princípio da equidade e da integralidade da atenção. O SUS foi concebido para atender toda a população, inclusive os segmentos mais vulneráveis, como indígenas, pessoas com deficiência, população negra, comunidades tradicionais e pessoas em situação de rua.

No entanto, embora a universalidade esteja prevista legalmente, sua efetivação ainda enfrenta desafios concretos. Barreiras geográficas, institucionais e simbólicas limitam o acesso pleno de milhões de brasileiros aos serviços de saúde. A população em situação de rua, por exemplo, encontra obstáculos específicos, como a exigência de documentos pessoais, a rotatividade territorial, a ausência de vínculo com unidades básicas e a discriminação por parte de alguns profissionais. Iniciativas como o “Consultório na Rua”, criado em 2011, buscam superar esses entraves por meio de equipes itinerantes que atuam diretamente nos territórios, promovendo ações de cuidado e inclusão. Ainda assim, a cobertura permanece insuficiente diante da magnitude da demanda (MINAYO, 2022).

O direito à educação, por sua vez, é garantido nos artigos 205 a 214 da Constituição, que afirmam a educação como um direito de todos e dever do Estado e da família, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. A educação básica obrigatória e gratuita dos 4 aos 17 anos é um dos pilares desse direito, sendo o Estado responsável por assegurar o acesso, a permanência, o sucesso escolar e o respeito às especificidades culturais e sociais dos educandos.

Contudo, a desigualdade no acesso à educação persiste, especialmente nas periferias urbanas e em regiões mais pobres do país. Crianças e adolescentes em situação de rua ou em contextos de vulnerabilidade extrema encontram dificuldades para frequentar a escola regularmente, seja pela falta de transporte, documentos, apoio familiar ou pela necessidade de trabalhar para garantir a sobrevivência. A exclusão escolar não apenas nega um direito fundamental, mas também perpetua o ciclo da pobreza e da marginalização social. Para romper esse ciclo, é fundamental a implementação de políticas educacionais inclusivas, como programas de busca ativa, educação de jovens e adultos (EJA), mediação escolar e ações intersetoriais com a assistência social (PAIVA, 2020).

No campo da assistência social, a Constituição de 1988 inovou ao reconhecer esse direito como parte

do sistema de seguridade social, ao lado da saúde e da previdência. A assistência social é organizada pelo Sistema Único de Assistência Social (SUAS), regulamentado pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), com a finalidade de garantir proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência, à velhice e às pessoas em situação de vulnerabilidade social. Os serviços, programas e benefícios ofertados pelo SUAS devem ser universalizados, gratuitos e acessíveis, respeitando as particularidades dos usuários.

A assistência social assume papel estratégico no atendimento à população em situação de rua, por meio de centros de referência especializados, acolhimentos institucionais, equipes de abordagem e programas de reinserção social. No entanto, muitos municípios ainda carecem de estrutura adequada, recursos humanos qualificados e orçamento suficiente para garantir uma cobertura abrangente e continuada. A burocracia no acesso a benefícios como o Cadastro Único, o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada (BPC) também limita a efetividade do sistema. É necessário ampliar o investimento público, fortalecer os vínculos entre as políticas sociais e combater o preconceito institucional que ainda afasta os mais vulneráveis dos serviços essenciais (SILVA & CUNHA, 2021).

A universalização da saúde, da educação e da assistência social não é apenas um imperativo constitucional, mas uma condição para o fortalecimento da democracia e da cidadania. Sem acesso efetivo a esses direitos, milhões de brasileiros permanecem à margem da sociedade, sem as condições mínimas para desenvolver seu potencial humano. A concretização desses direitos requer uma ação articulada dos entes federativos, o controle social ativo e o compromisso ético com a redução das desigualdades estruturais.

Em suma, garantir o acesso universal à saúde, à educação e à assistência social é mais do que cumprir dispositivos legais: é reafirmar o pacto social inscrito na Constituição de 1988, que reconhece a dignidade da pessoa humana como valor supremo. A concretização desse ideal demanda políticas públicas comprometidas com a inclusão, o reconhecimento da diversidade e o combate às injustiças históricas que ainda atravessam a sociedade brasileira.

Referências  bibliográficas

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília:

Senado                                         Federal,                                         1988.

BRASIL. Lei nº 8.742, de 7 de

dezembro de 1993 (Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 8 dez. 1993.

MINAYO, M. C. de S. Desigualdades e saúde: população em situação de rua. Ciência & Saúde Coletiva, v. 27, n. 4, p. 1177–1186, 2022. PAIVA, M. C. A. de. População em situação de rua e políticas públicas: desafios e perspectivas. Revista Katálysis, v. 23, n. 2, p. 224–233, 2020. SILVA, R. G. da; CUNHA, E. M. da. População em situação de rua: uma leitura sobre os direitos sociais e o papel do Estado. Serviço Social & Sociedade, n. 137, p. 456–474, 2021.

 


A Política Nacional para a População em Situação de Rua: Avanços, Limites e Desafios

 

A Política Nacional para a População em Situação de Rua, instituída pelo Decreto nº 7.053, de 23 de dezembro de 2009, representa um marco importante na consolidação dos direitos dessa população historicamente marginalizada no Brasil. Essa política se insere em um contexto de mobilização social e reconhecimento da necessidade de o Estado brasileiro enfrentar, de maneira sistemática e articulada, a realidade da exclusão social e da negação de direitos vivenciada por milhares de pessoas que vivem nas ruas das cidades brasileiras. Trata-se de um instrumento que visa à promoção da cidadania, da dignidade da pessoa humana e da inclusão social, mediante a articulação de ações intersetoriais e a ampliação do acesso aos serviços públicos essenciais.

A Política Nacional para a População em Situação de Rua (PNPSR) tem como diretrizes principais o respeito à dignidade da pessoa humana, o direito à convivência familiar e comunitária, a valorização da vida, a centralidade da pessoa, a equidade, a universalidade dos serviços, a integralidade do atendimento, a intersetorialidade das ações e a participação social. Essas diretrizes refletem os princípios constitucionais e os compromissos assumidos pelo Brasil em tratados internacionais de direitos humanos, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

A PNPSR estabelece um conjunto de medidas que devem ser executadas por meio da articulação entre os diferentes níveis de governo (federal, estadual, distrital e municipal) e dos diversos setores das políticas públicas, como saúde, assistência social, habitação, educação, trabalho e segurança pública. Uma das inovações mais relevantes da política é a promoção do atendimento intersetorial e contínuo, superando a fragmentação histórica das ações

voltadas a essa população. A integração entre o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), o Sistema Único de Saúde (SUS), o Sistema Nacional de Emprego (SINE) e os programas de habitação popular é considerada essencial para o êxito das ações propostas (PAIVA, 2020).

Entre os principais instrumentos da PNPSR, destaca-se a atuação das equipes de abordagem social, responsáveis por identificar e acolher a população em situação de rua, compreendendo suas necessidades e estabelecendo vínculos de confiança. As unidades de acolhimento institucional, como abrigos, casas de passagem e centros de acolhida, também fazem parte do escopo da política, devendo ser ofertadas de forma digna, respeitosa e adaptada às especificidades dos indivíduos. Além disso, a política prevê ações voltadas à garantia do acesso à documentação civil básica, ao atendimento psicossocial, à qualificação profissional e à geração de renda.

Apesar dos avanços normativos, a implementação da PNPSR enfrenta desafios significativos. A ausência de um marco legal mais robusto – como uma lei federal aprovada pelo Congresso Nacional – fragiliza a política diante de mudanças administrativas e cortes orçamentários. Além disso, a descentralização das ações exige capacidade técnica e recursos financeiros nos níveis locais, o que nem sempre se concretiza. Muitos municípios carecem de estrutura adequada para executar as ações previstas na política, seja por falta de equipes técnicas, seja pela escassez de recursos ou pela baixa prioridade atribuída ao tema nas agendas políticas locais (SILVA & CUNHA, 2021).

Outro entrave é a persistência de estigmas e preconceitos que dificultam o acolhimento da população em situação de rua nos serviços públicos. A discriminação institucional, manifestada em atitudes de negligência, recusa de atendimento ou tratamento desumanizado, compromete a efetividade da política e reforça a exclusão social. A superação desses obstáculos exige a capacitação permanente dos profissionais das áreas envolvidas, bem como a adoção de práticas baseadas na escuta qualificada, no respeito às subjetividades e na valorização da autonomia dos usuários.

A participação social, prevista como princípio da PNPSR, também carece de fortalecimento. Embora existam instâncias de controle social, como os conselhos de políticas públicas e os fóruns da população em situação de rua, sua atuação nem sempre é efetiva ou considerada nas decisões governamentais. A promoção do protagonismo das pessoas em situação

participação social, prevista como princípio da PNPSR, também carece de fortalecimento. Embora existam instâncias de controle social, como os conselhos de políticas públicas e os fóruns da população em situação de rua, sua atuação nem sempre é efetiva ou considerada nas decisões governamentais. A promoção do protagonismo das pessoas em situação de rua, como sujeitos ativos na construção das políticas que lhes dizem respeito, é um passo fundamental para garantir a legitimidade e a eficácia das ações públicas.

Em síntese, a Política Nacional para a População em Situação de Rua representa um avanço importante na construção de um modelo de atenção baseado nos direitos humanos, na dignidade e na cidadania. Contudo, sua efetividade depende de um esforço coordenado e permanente do Estado brasileiro, da sociedade civil e da própria população em situação de rua, no sentido de garantir recursos, articulação intersetorial, combate aos estigmas e fortalecimento dos mecanismos de participação. A consolidação dessa política como instrumento eficaz de inclusão social é um dos maiores desafios contemporâneos na luta contra a desigualdade e a exclusão no Brasil.

Referências bibliográficas

BRASIL. Decreto nº 7.053, de 23 de dezembro de 2009. Institui a Política Nacional para a População em Situação de Rua e seu Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento. Diário Oficial da União, Brasília, DF,

24                                                dez.                                               2009.

PAIVA, M. C. A. de. População em situação de rua e políticas públicas: desafios e perspectivas. Revista Katálysis, v. 23, n. 2, p. 224–233, 2020. SILVA, R. G. da; CUNHA, E. M. da. População em situação de rua: uma leitura sobre os direitos sociais e o papel do Estado. Serviço Social &

Sociedade,             n.             137,             p.            456–474,            2021.

SANTOS, M. B. dos. A rua e os seus moradores: entre o abandono e a resistência. Revista de Políticas Públicas, v. 24, n. 1, p. 78–95, 2020. PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.


Programas de Acolhimento, Saúde e Reintegração Social para a População em Situação de Rua: Avanços e Desafios

 

A formulação e implementação de programas de acolhimento, saúde e reintegração social voltados à população em situação de rua têm sido um dos principais desafios das políticas públicas no Brasil contemporâneo. Trata-se

de programas de acolhimento, saúde e reintegração social voltados à população em situação de rua têm sido um dos principais desafios das políticas públicas no Brasil contemporâneo. Trata-se de uma demanda urgente, considerando que esse segmento da população é historicamente marcado por múltiplas vulnerabilidades, como a extrema pobreza, a ausência de vínculos familiares, a exposição à violência e a negação de direitos básicos como moradia, saúde e educação. A resposta do Estado, nesse contexto, tem sido pautada por uma série de iniciativas intersetoriais que buscam garantir a proteção social, promover a dignidade e viabilizar caminhos de reintegração à vida comunitária.

No campo do acolhimento institucional, o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), regulamentado pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), desempenha papel central. Os Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS), juntamente com os Centros de Acolhida, Casas de Passagem e as Unidades de Acolhimento Institucional, são estruturas criadas para oferecer abrigo temporário, alimentação, higiene pessoal e encaminhamentos a outros serviços públicos. Esses espaços devem operar sob princípios de dignidade, respeito à autonomia e escuta qualificada, assegurando que o acolhimento não seja meramente assistencialista, mas um ponto de partida para a superação da situação de rua (SILVA & CUNHA, 2021).

Contudo, o acolhimento institucional ainda enfrenta desafios importantes. A insuficiência de vagas, as condições precárias de muitos equipamentos e a ausência de estruturas adequadas para atender pessoas com perfis diversos – como mulheres, idosos, LGBTQIA+ e pessoas com transtornos mentais – comprometem a efetividade da política. Além disso, muitas unidades funcionam de maneira padronizada e rígida, desconsiderando as singularidades e as trajetórias individuais, o que leva à rotatividade constante e à evasão de usuários.

No campo da saúde, o Sistema Único de Saúde (SUS) incorporou dispositivos específicos para atender essa população, com destaque para o programa “Consultório na Rua”. Criado em 2011, esse programa tem como objetivo levar atenção integral em saúde diretamente aos territórios ocupados por pessoas em situação de rua, por meio de equipes multiprofissionais formadas por médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais e agentes comunitários. O foco é o cuidado continuado, com base na construção de vínculos, no acolhimento sem julgamento e na promoção do

acesso à rede de serviços do SUS (MINAYO, 2022).

As equipes do Consultório na Rua atuam com abordagem humanizada, respeitando o tempo, a cultura e as especificidades dos usuários. Essa iniciativa representa um importante avanço na inclusão sanitária de um grupo tradicionalmente excluído do sistema de saúde. No entanto, ainda são poucas as equipes em operação, e muitas cidades sequer contam com essa modalidade de atendimento. A falta de integração entre os serviços de saúde mental, atenção básica e urgência e emergência também dificulta a continuidade do cuidado, resultando em atendimentos pontuais e fragmentados.

Já os programas de reintegração social buscam restabelecer os vínculos sociais, familiares e comunitários das pessoas em situação de rua, por meio de ações voltadas à educação, qualificação profissional, inserção no mundo do trabalho e acesso à moradia. Nesse campo, destacam-se iniciativas como o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC) e os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), que oferecem cursos, oficinas e encaminhamentos para serviços de empregabilidade. O acesso à documentação civil básica, muitas vezes inexistente para essa população, é também um passo essencial para o ingresso em qualquer política pública de reinserção.

No entanto, a reintegração social efetiva ainda esbarra em diversos obstáculos estruturais. A falta de políticas habitacionais específicas, a baixa escolaridade da maioria das pessoas em situação de rua, a escassez de vagas em programas de emprego e a discriminação institucional são barreiras que exigem ações intersetoriais consistentes e de longo prazo. Mais do que programas pontuais, é necessário construir políticas públicas integradas que considerem a complexidade das trajetórias de exclusão e promovam a cidadania de forma plena e duradoura (PAIVA, 2020).

Outro aspecto fundamental é o papel da participação social. Os programas de acolhimento, saúde e reintegração não devem ser elaborados de forma verticalizada, mas sim com a escuta ativa dos próprios usuários. A inclusão da população em situação de rua nos conselhos, fóruns e espaços de deliberação é essencial para que as políticas reflitam as reais necessidades e respeitem os direitos humanos. O protagonismo desses sujeitos na construção das soluções é condição indispensável para romper com a lógica assistencialista e promover a emancipação social.

Em síntese, os programas de acolhimento, saúde e reintegração social

constituem componentes indispensáveis para a efetivação da cidadania da população em situação de rua. Embora avanços tenham sido conquistados nas últimas décadas, ainda é urgente ampliar a cobertura, qualificar os serviços e garantir a intersetorialidade das políticas públicas. O combate à exclusão e à desigualdade deve ser compreendido como responsabilidade coletiva, pautada pelo princípio da dignidade da pessoa humana e pelo compromisso ético com a justiça social.

Referências bibliográficas

BRASIL. Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993 (Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 8 dez. 1993.

BRASIL. Decreto nº 7.053, de 23 de dezembro de 2009. Institui a Política

Nacional para a População em Situação de Rua. Diário Oficial da União,

Brasília,                    DF,                   24                   dez.                   2009.

MINAYO, M. C. de S. Desigualdades e saúde: população em situação de rua. Ciência & Saúde Coletiva, v. 27, n. 4, p. 1177–1186, 2022. PAIVA, M. C. A. de. População em situação de rua e políticas públicas: desafios e perspectivas. Revista Katálysis, v. 23, n. 2, p. 224–233, 2020. SILVA, R. G. da; CUNHA, E. M. da. População em situação de rua: uma leitura sobre os direitos sociais e o papel do Estado. Serviço Social & Sociedade, n. 137, p. 456–474, 2021.

 

O Papel do SUAS e das Entidades Parceiras no Atendimento à População em Situação de Rua

 

A proteção e promoção dos direitos da população em situação de rua no Brasil demandam ações coordenadas, intersetoriais e continuadas, com base nos princípios da dignidade da pessoa humana, da equidade e da universalidade. Nesse contexto, o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e as entidades parceiras, como organizações da sociedade civil, igrejas, associações comunitárias e grupos de voluntariado, exercem papel fundamental na articulação e execução de políticas públicas voltadas à superação das múltiplas vulnerabilidades que caracterizam essa população.

O SUAS foi institucionalizado pela Política Nacional de Assistência Social (PNAS) e regulamentado pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS – Lei nº 8.742/1993), sendo consolidado como o principal modelo de gestão da assistência social no Brasil. Ele organiza os serviços, programas e benefícios socioassistenciais de forma descentralizada e participativa, respeitando as competências dos entes federativos e promovendo a articulação entre Estado e sociedade civil. A lógica do

SUAS foi institucionalizado pela Política Nacional de Assistência Social (PNAS) e regulamentado pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS – Lei nº 8.742/1993), sendo consolidado como o principal modelo de gestão da assistência social no Brasil. Ele organiza os serviços, programas e benefícios socioassistenciais de forma descentralizada e participativa, respeitando as competências dos entes federativos e promovendo a articulação entre Estado e sociedade civil. A lógica do SUAS é operar com base em níveis de complexidade: proteção social básica e proteção social especial, esta última voltada a indivíduos e famílias em situação de risco pessoal e social, como é o caso da população em situação de rua (BRASIL, 2005).

No que se refere especificamente a essa população, o SUAS atua por meio da Proteção Social Especial de Média e Alta Complexidade, oferecendo serviços que vão desde a abordagem social até o acolhimento institucional e o acompanhamento psicossocial. A porta de entrada mais comum para esse atendimento é o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), responsável por desenvolver ações planejadas de escuta, acolhimento, orientação e encaminhamento aos demais serviços da rede pública. As equipes de abordagem social são fundamentais para identificar, mapear e construir vínculos com as pessoas em situação de rua, reconhecendo suas necessidades, seus direitos e suas trajetórias de vida (SILVA & CUNHA, 2021).

Outro instrumento importante do SUAS são as Unidades de Acolhimento Institucional, como os centros de acolhida, abrigos e repúblicas assistidas, que oferecem moradia temporária, alimentação, acesso à higiene pessoal, atendimento psicossocial e apoio na reinserção social. Esses espaços devem operar com base em princípios de liberdade, respeito à individualidade e à diversidade, sendo vedadas práticas punitivas ou disciplinadoras. O acolhimento, nesse contexto, não é fim em si mesmo, mas uma etapa de transição para a autonomia, a reconstrução de vínculos e o retorno à vida comunitária em condições de dignidade.

Apesar da importância normativa e institucional do SUAS, sua atuação enfrenta desafios significativos, como a escassez de recursos, a insuficiência de unidades de atendimento em muitos municípios, a rotatividade de profissionais e a precarização das condições de trabalho. Além disso, a complexidade das demandas da população em situação de rua exige que os serviços sejam complementados por ações de saúde, educação,

trabalho, habitação e cultura, o que requer articulação efetiva com outros sistemas públicos e com a sociedade civil organizada (PAIVA, 2020).

É nesse ponto que as entidades parceiras desempenham um papel crucial. As organizações da sociedade civil atuam historicamente no atendimento à população em situação de rua, muitas vezes suprindo lacunas deixadas pelo poder público. Elas realizam desde ações emergenciais, como distribuição de alimentos, roupas e kits de higiene, até atividades estruturadas de acolhimento, orientação jurídica, apoio psicológico, alfabetização e capacitação profissional. Sua atuação é marcada pela proximidade com os territórios, pelo conhecimento das realidades locais e pela escuta qualificada dos usuários.

Além de prestadoras de serviços, essas entidades são agentes políticos e pedagógicos, que promovem a conscientização social, denunciam violações de direitos e pressionam o Estado por políticas públicas mais justas e eficazes. Em muitos casos, participam ativamente dos conselhos de assistência social, dos fóruns da população em situação de rua e de comitês intersetoriais, contribuindo para o controle social e a formulação de políticas públicas mais sensíveis à realidade das ruas (SANTOS, 2020).

A atuação em parceria entre o SUAS e as entidades da sociedade civil é regulamentada pela Lei nº 13.019/2014, conhecida como Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC), que estabelece regras para a celebração de parcerias com repasse de recursos públicos, mediante termos de colaboração ou de fomento. Essa legislação busca garantir maior transparência, eficiência e controle social das ações desenvolvidas em conjunto, fortalecendo a complementaridade entre o Estado e o terceiro setor.

Contudo, para que essa parceria seja efetiva, é necessário superar entraves como a burocratização excessiva, a instabilidade nos repasses financeiros e a desvalorização do papel político das entidades sociais. É fundamental reconhecer que as organizações da sociedade civil não devem ser vistas apenas como prestadoras de serviço, mas como sujeitos coletivos que expressam as lutas sociais e promovem a cidadania ativa. Sua autonomia, legitimidade e diversidade devem ser preservadas e incentivadas como parte integrante do processo democrático (PIOVESAN, 2019).

Em síntese, o SUAS e as entidades parceiras constituem pilares fundamentais na construção de uma política pública efetiva para a população em situação de rua. Enquanto o SUAS oferece a

base institucional, normativa e operacional para a garantia dos direitos socioassistenciais, as entidades da sociedade civil agregam conhecimento territorial, capacidade de mobilização social e compromisso ético com a justiça social. A articulação entre essas duas esferas é indispensável para a superação das múltiplas formas de exclusão que afetam essa população, garantindo não apenas a sobrevivência, mas a reconstrução da autonomia, da dignidade e da cidadania.

Referências  bibliográficas

BRASIL. Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993 (Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 8 dez. 1993.

BRASIL. Política Nacional de Assistência Social – PNAS/2004: Norma Operacional Básica – NOB/SUAS. Brasília: Ministério do Desenvolvimento

Social              e              Combate              à              Fome,              2005.

BRASIL. Lei nº 13.019, de 31 de julho de 2014. Estabelece o regime jurídico das parcerias entre a administração pública e as organizações da sociedade civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1 ago. 2014. SILVA, R. G. da; CUNHA, E. M. da. População em situação de rua: uma leitura sobre os direitos sociais e o papel do Estado. Serviço Social &

Sociedade,             n.             137,             p.            456–474,            2021.

PAIVA, M. C. A. de. População em situação de rua e políticas públicas: desafios e perspectivas. Revista Katálysis, v. 23, n. 2, p. 224–233, 2020. SANTOS, M. B. dos. A rua e os seus moradores: entre o abandono e a resistência. Revista de Políticas Públicas, v. 24, n. 1, p. 78–95, 2020. PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.

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