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Noções Básicas de Radioproteção

NOÇÕES BÁSICAS DE RADIOPROTEÇÃO

Fundamentos da Radioproteção 

Introdução às Radiações Ionizantes

 

1. Conceitos Fundamentais

A radiação é definida como a propagação de energia através do espaço ou de um meio material, podendo ocorrer na forma de ondas eletromagnéticas ou partículas. Do ponto de vista da interação com a matéria, particularmente com os sistemas biológicos, as radiações se classificam em dois grandes grupos: radiações ionizantes e radiações não ionizantes.

Radiações não ionizantes são aquelas que não possuem energia suficiente para ionizar átomos ou moléculas, ou seja, não são capazes de remover elétrons das órbitas atômicas. Elas incluem as ondas de rádio, micro-ondas, infravermelho, luz visível e parte do ultravioleta. Embora não ionizem diretamente, podem provocar efeitos térmicos, excitação eletrônica ou reações fotoquímicas.

Por outro lado, radiações ionizantes têm energia suficiente para arrancar elétrons dos átomos, formando íons. Essa capacidade de ionização confere a essas radiações um potencial biológico significativo, podendo causar danos diretos ao DNA e outras estruturas celulares. Por essa razão, são objeto de regulamentação e medidas rigorosas de proteção radiológica.

A distinção entre radiação ionizante e não ionizante se baseia, portanto, na energia do fóton ou partícula incidente. A fronteira entre as duas categorias ocorre, aproximadamente, em energias superiores a 10 eV (elétron-volt), o suficiente para quebrar ligações atômicas.

2. Tipos de Radiações Ionizantes

As radiações ionizantes se subdividem em duas categorias principais: particuladas e eletromagnéticas. A seguir, detalharemos os tipos mais comuns: alfa, beta, gama e raio-X.

2.1 Radiação Alfa (α)

A radiação alfa consiste em partículas formadas por dois prótons e dois nêutrons, equivalentes ao núcleo do átomo de hélio. Possuem alta massa e carga positiva (+2), o que confere grande poder de ionização, mas baixa penetração. São facilmente bloqueadas por uma folha de papel ou pela epiderme humana.

Apesar da baixa penetração, partículas alfa representam perigo significativo se forem inaladas, ingeridas ou introduzidas no corpo, pois liberam energia diretamente nos tecidos próximos ao local de deposição. São emitidas em processos de decaimento radioativo de elementos pesados como urânio-238, rádio-226 e polônio-210.

2.2 Radiação Beta (β)

A radiação beta é composta por elétrons (β⁻) ou pósitrons (β⁺) emitidos por núcleos instáveis durante transformações

nucleares.

Por terem massa menor que as partículas alfa e carga elétrica (negativa ou positiva), as partículas beta têm maior poder de penetração, podendo atravessar materiais leves como plástico ou alumínio fino, embora ainda sejam detidas por barreiras relativamente simples.

Biologicamente, partículas beta podem causar lesões superficiais na pele, como queimaduras radiológicas. Tal como a radiação alfa, seu maior risco ocorre quando há exposição interna, por contaminação.

2.3 Radiação Gama (γ)

A radiação gama é uma forma de radiação eletromagnética de alta energia, proveniente da reorganização do núcleo atômico após processos de decaimento. Por não possuir massa nem carga elétrica, tem altíssimo poder de penetração e pode atravessar tecidos humanos, paredes de concreto e metais leves. Para atenuar sua intensidade, são necessárias barreiras densas, como chumbo ou concreto espesso.

Dada sua capacidade de alcançar órgãos internos mesmo por exposição externa, a radiação gama é uma das mais perigosas do ponto de vista da proteção radiológica. É emitida por isótopos como cobalto-60, césio-137 e iodo-131.

2.4 Radiação X

Os raios X também são radiações eletromagnéticas, porém com origem extracelular: são gerados artificialmente por meio de dispositivos como tubos de raios X, nos quais elétrons são acelerados e colidem com alvos metálicos, liberando energia. Seu espectro é semelhante ao da radiação gama, variando apenas quanto à origem.

Utilizados amplamente na medicina diagnóstica e em exames de imagem, os raios X exigem medidas de proteção específicas, como blindagem, uso de aventais de chumbo, monitoramento de doses e sinalização dos ambientes controlados.

3. Importância do Entendimento das Radiações

O conhecimento sobre os tipos e características das radiações ionizantes é fundamental para a adoção de medidas de segurança em ambientes ocupacionais e assistenciais. A exposição a essas radiações, quando não controlada, pode causar efeitos determinísticos, como queimaduras e necrose, ou efeitos estocásticos, como mutações genéticas e neoplasias.

Além disso, a formação adequada dos profissionais que trabalham com radiações é exigência legal no Brasil, estando normatizada por entidades como a CNEN (Comissão Nacional de Energia Nuclear) e a ANVISA, por meio da RDC 611/2022. Esta normativa reforça a importância da educação continuada, do controle de doses e da implementação de um Plano de Proteção Radiológica em serviços que utilizam radiações ionizantes.

Referências Bibliográficas

  • ANVISA. Resolução da Diretoria Colegiada - RDC nº 611, de 9 de fevereiro de 2022. Dispõe sobre os Requisitos de Boas Práticas de Funcionamento para os Serviços de Radiologia Diagnóstica ou Intervencionista.
  • BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 453, de 1º de junho de 1998. Diretrizes de proteção radiológica em radiodiagnóstico médico e odontológico (revogada).
  • COMISSÃO NACIONAL DE ENERGIA NUCLEAR – CNEN. Norma NN 3.01: Diretrizes Básicas de Proteção Radiológica.
  • INTERNATIONAL COMMISSION ON RADIOLOGICAL PROTECTION – ICRP. Publication 103: The 2007 Recommendations of the ICRP. Oxford: Elsevier, 2007.
  • IAEA. Radiation Protection and Safety of Radiation Sources: International Basic Safety Standards. Vienna: International Atomic Energy Agency, 2014.
  • Hall, E. J., & Giaccia, A. J. Radiobiology for the Radiologist. 8ª ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2018.


Fontes Naturais e Artificiais de Radiação

 

1. Introdução

A radiação está presente no meio ambiente desde a origem da Terra e compõe uma parte natural da vida no planeta. A exposição à radiação ocorre de forma contínua, sendo proveniente tanto de fontes naturais quanto artificiais. A compreensão da origem dessas fontes é essencial para o controle da exposição humana e para o desenvolvimento de estratégias de proteção radiológica em ambientes ocupacionais, médicos e ambientais.

As radiações se classificam, quanto à origem, em dois grandes grupos: fontes naturais e fontes artificiais. Ambas podem contribuir para a exposição externa (quando a fonte de radiação está fora do corpo) ou interna (quando material radioativo é incorporado por ingestão, inalação ou absorção cutânea).

2. Fontes Naturais de Radiação

As fontes naturais de radiação correspondem à maior parte da exposição humana total. Segundo a UNSCEAR (United Nations Scientific Committee on the Effects of Atomic Radiation), a exposição média mundial à radiação natural é da ordem de 2,4 mSv/ano, podendo variar de região para região em função de características geológicas e ambientais.

2.1 Radiação Cósmica

A radiação cósmica tem origem no espaço sideral e interage com a atmosfera terrestre, gerando chuvas de partículas secundárias que atingem a superfície. Divide-se em:

  • Primária: composta por prótons, núcleos de hélio (partículas alfa) e outros núcleos pesados.
  • Secundária: formada por múons, nêutrons e elétrons gerados na
  • interação da radiação primária com a atmosfera.

A dose recebida por radiação cósmica aumenta com a altitude e com a proximidade dos polos. Tripulantes de aeronaves e habitantes de regiões montanhosas estão sujeitos a doses mais elevadas.

2.2 Radiação Terrestre (ou geogênica)

A radiação terrestre é proveniente de radionuclídeos naturais existentes no solo, nas rochas e na água. Os principais radionuclídeos de interesse são:

  • Urânio-238 (²³⁸U)
  • Tório-232 (²³²Th)
  • Potássio-40 (⁴⁰K)

Estes isótopos fazem parte da crosta terrestre e se encontram em quantidades variáveis, de acordo com a composição geológica da região. A radiação terrestre é responsável por exposições externas, mas também pode contribuir para exposições internas, por meio da ingestão de água e alimentos que contenham radionuclídeos naturais.

2.3 Gás Radônio

O radônio-222 (²²²Rn) é um gás nobre radioativo, produto do decaimento do urânio-238, presente no solo e nas rochas. Por ser gasoso, o radônio pode migrar para o interior de edificações, principalmente em áreas mal ventiladas e com solos graníticos ou vulcânicos.

A exposição ao radônio e seus descendentes é considerada a segunda principal causa de câncer de pulmão, depois do tabagismo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). A concentração de radônio em ambientes internos pode variar amplamente, sendo um importante fator de risco radiológico natural.

2.4 Radionuclídeos Incorporados

Radionuclídeos como o potássio-40 e o carbono-14 estão naturalmente presentes no corpo humano devido à ingestão de alimentos e à respiração. O potássio-40, em particular, contribui de forma contínua para a radiação de fundo interna, com uma dose muito baixa, mas universal.

3. Fontes Artificiais de Radiação

Fontes artificiais são aquelas geradas por atividades humanas, como aplicações industriais, médicas, energéticas e bélicas. Apesar de não serem a principal causa de exposição da população geral, podem representar doses elevadas para determinados grupos ocupacionais e pacientes submetidos a procedimentos médicos.

3.1 Aplicações Médicas

A medicina diagnóstica e terapêutica é a principal fonte de exposição artificial à radiação. Incluem-se aqui:

  • Radiodiagnóstico (raios X, tomografia computadorizada)
  • Medicina nuclear (uso de radiofármacos, como tecnécio-99m, iodo-131)
  • Radioterapia (utilização de feixes de radiação para tratamento de câncer)

Essas práticas devem seguir rígidos protocolos de justificação e otimização

das doses, conforme estabelecido na RDC nº 611/2022 da ANVISA, de modo a maximizar o benefício clínico e minimizar os riscos.

3.2 Usinas Nucleares

A produção de energia elétrica em reatores nucleares envolve o uso de combustíveis como o urânio enriquecido. Em condições normais de operação, a liberação de radiação para o ambiente é mínima, mas acidentes ou falhas de contenção podem representar riscos significativos.

O monitoramento contínuo, sistemas de contenção, e o planejamento de emergência são medidas essenciais de segurança nessas instalações. Exemplos históricos como Chernobyl (1986) e Fukushima (2011) demonstram o potencial de impacto ambiental e humano em situações críticas.

3.3 Indústrias e Pesquisas

Diversas indústrias utilizam radiações ionizantes, como as que envolvem:

  • Radiografia industrial (inspeção de soldas e estruturas)
  • Esterilização de produtos (irradiadores gama)
  • Geração de radioisótopos para pesquisa e medicina

Essas atividades estão sujeitas à regulamentação pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) e requerem medidas de proteção para os trabalhadores expostos.

3.4 Armas Nucleares e Resíduos Radioativos

As explosões nucleares, embora raras e restritas a testes militares e históricos de guerra, representam fontes artificiais de radiação. A liberação de radionuclídeos no ambiente pode causar contaminação prolongada, como ocorreu em Hiroshima, Nagasaki e nos testes atmosféricos da Guerra Fria.

Os resíduos radioativos, provenientes de reatores, medicina nuclear ou pesquisa, também são considerados fontes artificiais. Sua gestão exige armazenagem segura, rotulagem adequada e disposição conforme critérios da CNEN e da IAEA.

4. Considerações Finais

A exposição à radiação é um fenômeno inevitável, sendo majoritariamente de origem natural. No entanto, as fontes artificiais, especialmente na área médica, têm se tornado uma parte significativa da exposição para certas populações. A diferenciação entre essas fontes é essencial para a elaboração de políticas de proteção radiológica e para a conscientização da sociedade quanto aos riscos e benefícios associados ao uso das radiações ionizantes.

A proteção radiológica moderna baseia-se em princípios como a justificação das exposições, a otimização das doses e o respeito aos limites legais de exposição. O conhecimento sobre as fontes de radiação é, portanto, o primeiro passo para sua gestão segura e eficaz.

Referências Bibliográficas

  • ANVISA. Resolução
  • RDC nº 611, de 9 de fevereiro de 2022. Dispõe sobre os Requisitos de Boas Práticas de Funcionamento para os Serviços de Radiologia Diagnóstica ou Intervencionista.
  • BRASIL. CNEN – Comissão Nacional de Energia Nuclear. Norma CNEN NN 3.01 – Diretrizes Básicas de Proteção Radiológica, 2014.
  • IAEA. Radiation Protection and Safety of Radiation Sources: International Basic Safety Standards. Vienna: International Atomic Energy Agency, 2014.
  • UNSCEAR. Sources and Effects of Ionizing Radiation. United Nations Scientific Committee on the Effects of Atomic Radiation, 2020.
  • HALL, E. J.; GIACCIA, A. J. Radiobiology for the Radiologist. 8ª ed. Philadelphia: Wolters Kluwer, 2018.
  • OMS. Radon and health. Geneva: World Health Organization, 2021.


Princípios Fundamentais da Radioproteção

 

1. Introdução

A radioproteção é o conjunto de práticas, normas e medidas destinadas a proteger seres humanos e o meio ambiente dos efeitos nocivos das radiações ionizantes, sem limitar injustificadamente os benefícios que tais radiações proporcionam, especialmente nas áreas médica, industrial, energética e científica. A fundamentação da radioproteção moderna está centrada nos princípios recomendados pela Comissão Internacional de Proteção Radiológica (ICRP), com ampla aceitação por agências nacionais e internacionais.

Esses princípios são: justificação, otimização (princípio ALARA) e limitação de doses. Sua aplicação é mandatória nos países que adotam as diretrizes da IAEA (Agência Internacional de Energia Atômica) e da própria ICRP, incluindo o Brasil, cuja estrutura regulatória é composta principalmente pela CNEN, ANVISA e pelo Ministério da Saúde (MS).

2. Justificação

O princípio da justificação estabelece que nenhuma prática envolvendo exposição à radiação ionizante deve ser adotada a menos que produza um benefício líquido positivo para o indivíduo ou a sociedade. Isso significa que a introdução ou a continuação de qualquer prática deve ser cuidadosamente avaliada em termos de riscos e benefícios.

No contexto médico, por exemplo, a realização de um exame radiológico ou procedimento terapêutico deve sempre ser fundamentada em critérios clínicos.

O uso indiscriminado de exames, como tomografias computadorizadas sem indicação formal, viola o princípio da justificação e pode expor o paciente a riscos desnecessários.

O mesmo princípio se aplica a exposições ocupacionais e públicas. Práticas industriais, de pesquisa ou

energéticas devem demonstrar vantagens claras que superem os potenciais prejuízos radiológicos à saúde humana ou ao ambiente.

3. Otimização (Princípio ALARA)

O princípio da otimização estabelece que todas as exposições à radiação devem ser mantidas tão baixas quanto razoavelmente exequível, considerando fatores sociais, técnicos e econômicos. Esse conceito é internacionalmente conhecido pela sigla ALARAAs Low As Reasonably Achievable.

O objetivo não é eliminar completamente a exposição (o que seria inviável), mas reduzi-la ao menor nível possível, compatível com a finalidade da prática. Para alcançar essa meta, empregam-se estratégias como:

  • Escolha de técnicas de imagem que envolvam menor dose ao paciente;
  • Blindagem adequada das áreas controladas;
  • Monitoramento contínuo da dose ocupacional;
  • Uso apropriado de equipamentos de proteção individual (EPIs);
  • Treinamento contínuo de operadores e supervisores de proteção radiológica.

A implementação do ALARA é um processo dinâmico que exige análise constante de procedimentos, adoção de tecnologias atualizadas e controle rigoroso dos parâmetros técnicos de operação dos equipamentos emissores de radiação.

4. Limitação de Doses

O terceiro princípio da radioproteção é a limitação de doses individuais, o qual determina que nenhuma pessoa deve ser exposta a radiações ionizantes em níveis que excedam os limites legais estabelecidos. Esses limites visam proteger os indivíduos dos efeitos estocásticos (como o câncer) e evitam que se ultrapassem níveis de dose capazes de causar efeitos determinísticos.

Os limites de dose efetiva variam conforme o grupo exposto:

  • Trabalhadores ocupacionalmente expostos: 20 mSv/ano, em média, ao longo de 5 anos, com um máximo de 50 mSv em qualquer ano isolado.
  • Público em geral: 1 mSv/ano.
  • Estudantes e estagiários entre 16 e 18 anos: limites intermediários, conforme normas específicas.

Esses limites são definidos pela ICRP e adotados pelas normas nacionais. É importante destacar que tais limites não se aplicam a pacientes, cuja exposição é justificada por finalidade diagnóstica ou terapêutica. Nesses casos, aplicam-se os princípios da justificação e otimização, mas não os limites de dose fixos.

5. Estrutura Normativa da Radioproteção no Brasil

A regulamentação da proteção radiológica no Brasil é compartilhada entre diferentes órgãos, que atuam de forma complementar:

5.1 CNEN – Comissão Nacional de Energia Nuclear

A

CNEN é a principal autoridade regulatória no que tange ao uso de materiais radioativos e reatores nucleares. É responsável pela edição de normas técnicas, fiscalização de instalações radiativas e licenciamento de operadores e supervisores de proteção radiológica.

Dentre as normas da CNEN, destaca-se a NN 3.01 – Diretrizes Básicas de Proteção Radiológica, que incorpora os princípios da ICRP e estabelece critérios técnicos para controle de exposições ocupacionais, médicas e do público. A CNEN também exige a elaboração e manutenção do Plano de Proteção Radiológica (PPR) nas instalações que operam com radiação ionizante.

5.2 ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária

A ANVISA, vinculada ao Ministério da Saúde, atua na regulação dos serviços de saúde que utilizam radiações ionizantes, especialmente nas áreas de radiodiagnóstico, radioterapia e medicina nuclear. Sua norma mais atualizada e abrangente é a RDC nº 611/2022, que estabelece os requisitos para o funcionamento dos serviços de radiologia diagnóstica e intervencionista.

A RDC 611 aborda aspectos como:

  • Responsabilidades do Responsável Técnico (RT) e do Supervisor de Proteção Radiológica (SPR);
  • Garantia da qualidade dos equipamentos;
  • Treinamento e capacitação das equipes;
  • Gestão dosimétrica e controle operacional;
  • Monitoramento ambiental e ocupacional.

5.3 Ministério da Saúde

O Ministério da Saúde, por meio de suas políticas públicas e programas de vigilância sanitária, orienta ações de promoção da saúde, prevenção de riscos e controle da exposição populacional a fontes de radiação. A extinta Portaria nº 453/1998, embora revogada, ainda serve como referência técnica em muitos serviços, sendo substituída em boa parte pela RDC 611.

O MS também participa da elaboração de políticas interinstitucionais envolvendo vigilância em saúde, controle ambiental e educação permanente dos profissionais expostos.

6. Conclusão

A aplicação rigorosa dos princípios fundamentais da radioproteção — justificação, otimização e limitação de doses — é essencial para garantir o uso seguro das radiações ionizantes em benefício da sociedade. O princípio ALARA resume o esforço constante pela minimização dos riscos, mesmo quando a prática é justificada.

No Brasil, a regulamentação é clara e estruturada, sendo a proteção radiológica uma responsabilidade compartilhada entre órgãos reguladores, gestores institucionais e profissionais da área. O conhecimento e a aplicação desses princípios

são fundamentais para todos os envolvidos na manipulação de fontes de radiação, seja em ambientes de saúde, pesquisa, indústria ou energia.

Referências Bibliográficas

  • ANVISA. Resolução RDC nº 611, de 9 de fevereiro de 2022. Dispõe sobre os Requisitos de Boas Práticas de Funcionamento para os Serviços de Radiologia Diagnóstica ou Intervencionista.
  • CNEN – Comissão Nacional de Energia Nuclear. Norma CNEN NN 3.01: Diretrizes Básicas de Proteção Radiológica. 2014.
  • ICRP – International Commission on Radiological Protection. Publication 103: The 2007 Recommendations of the ICRP. Annals of the ICRP, 2007.
  • IAEA – International Atomic Energy Agency. Radiation Protection and Safety of Radiation Sources: International Basic Safety Standards. Vienna: IAEA, 2014.
  • BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 453, de 1º de junho de 1998. (Revogada).

 

Efeitos Biológicos das Radiações

 

1. Introdução

A interação das radiações ionizantes com a matéria viva pode produzir alterações em nível atômico e molecular que afetam a estrutura e a função das células e tecidos. A compreensão dos efeitos biológicos das radiações é fundamental para a definição de limites de exposição e para a aplicação das medidas de radioproteção em ambientes médicos, ocupacionais e ambientais.

Esses efeitos são consequência da capacidade das radiações ionizantes de depositar energia nos tecidos, provocando ionizações que podem danificar diretamente o DNA ou gerar radicais livres que causam lesões indiretas. A extensão e a natureza desses efeitos dependem de fatores como tipo de radiação, dose, taxa de dose, área irradiada, tempo de exposição e sensibilidade biológica do tecido exposto.

2. Efeitos Determinísticos

Os efeitos determinísticos, também chamados de efeitos não estocásticos, são aqueles cuja ocorrência está diretamente relacionada à dose de radiação recebida, com limiar de dose definido. Isso significa que eles não ocorrem abaixo de certo nível de exposição, e acima desse limiar, sua severidade aumenta com a dose.

Esses efeitos resultam geralmente de altas doses de radiação em curto período de tempo e afetam um número significativo de células em determinado tecido. Exemplos incluem:

  • Eritema cutâneo (vermelhidão da pele);
  • Epilação (queda de cabelo);
  • Ulcerações e necrose;
  • Catarata;
  • Esterilidade temporária ou permanente;
  • Síndrome da radiação aguda (afetando medula óssea, trato gastrointestinal e
  • sistema nervoso central).

Os efeitos determinísticos são particularmente relevantes em situações de acidentes radiológicos, radioterapia e falhas operacionais em procedimentos intervencionistas. O limiar para manifestação desses efeitos varia conforme o tipo de tecido e o tempo de exposição, sendo, por exemplo, cerca de 2 Gy para lesões cutâneas visíveis.

3. Efeitos Estocásticos

Os efeitos estocásticos são aqueles cuja ocorrência é aleatória e não apresenta limiar de dose, ou seja, qualquer exposição, por menor que seja, pode provocar tais efeitos, embora a probabilidade aumente com a dose. Ao contrário dos efeitos determinísticos, a severidade dos efeitos estocásticos não depende da dose.

Os principais efeitos estocásticos são:

  • Câncer induzido por radiação (como leucemias, câncer de mama, pulmão, tireoide e ossos);
  • Mutação genética (transmitida para descendentes em caso de dano a células germinativas).

A compreensão e a prevenção dos efeitos estocásticos são centrais na radioproteção ocupacional e médica, pois mesmo doses baixas e repetidas ao longo do tempo podem contribuir para o risco cumulativo de neoplasias. Por esse motivo, aplica-se o princípio da otimização das exposições (ALARA) e o uso de limites anuais de dose.

4. Sensibilidade dos Tecidos à Radiação

A sensibilidade dos tecidos às radiações ionizantes varia significativamente de acordo com a taxa de renovação celular, atividade mitótica e grau de diferenciação. Essa sensibilidade é descrita na lei de Bergonié e Tribondeau (1906), segundo a qual as células mais jovens, com maior atividade proliferativa, são mais radiossensíveis.

Tecidos de alta radiossensibilidade:

  • Medula óssea (formadora de células sanguíneas);
  • Tecido linfóide;
  • Epitélio intestinal e gástrico;
  • Testículos e ovários (gônadas);
  • Cristalino (lente ocular).

Tecidos de média radiossensibilidade:

  • Pele;
  • Glândulas endócrinas;
  • Músculo liso;
  • Pulmões e fígado.

Tecidos de baixa radiossensibilidade:

  • Músculo estriado;
  • Tecido nervoso adulto (encéfalo, medula espinhal);
  • Cartilagem e osso maduros.

Essa classificação é essencial para o planejamento de exposições médicas, especialmente em radioterapia e exames diagnósticos repetitivos, além de embasar normas de proteção para trabalhadores e o público.

5. Exposição Ocupacional, Médica e do Público

5.1 Exposição Ocupacional

A exposição ocupacional refere-se à radiação recebida por trabalhadores em atividades

refere-se à radiação recebida por trabalhadores em atividades que envolvem fontes ionizantes, como profissionais da saúde, técnicos de radiologia, físicos médicos, engenheiros nucleares, operários da indústria e pessoal de usinas nucleares. No Brasil, os limites legais são definidos pela CNEN:

  • Dose efetiva média anual: 20 mSv/ano, considerando média em 5 anos consecutivos;
  • Dose máxima em um único ano: 50 mSv;
  • Dose ao cristalino: 20 mSv/ano (média) ou 50 mSv (máximo em 1 ano);
  • Limites mais baixos para trabalhadores jovens e gestantes.

Esses profissionais devem ser monitorados com dosímetros individuais, realizar exames médicos periódicos e receber treinamento contínuo em proteção radiológica.

5.2 Exposição Médica

A exposição médica inclui a dose absorvida por pacientes em procedimentos de diagnóstico, terapêuticos ou intervencionistas, como:

  • Radiografias convencionais;
  • Tomografias computadorizadas;
  • Medicina nuclear;
  • Radioterapia.

A exposição médica não está sujeita a limites de dose fixos, mas deve ser justificada e otimizada. O benefício clínico deve superar o risco radiológico, e os protocolos devem minimizar a dose sem comprometer a qualidade diagnóstica ou terapêutica.

Crianças e gestantes merecem atenção especial devido à maior radiossensibilidade. A documentação dosimétrica em radioterapia é essencial para garantir a segurança e a efetividade do tratamento.

5.3 Exposição do Público

O público em geral pode ser exposto a radiação por fontes ambientais naturais, acidentes radiológicos, resíduos radioativos mal geridos ou proximidade com instalações nucleares. A dose anual recomendada para indivíduos do público é:

  • 1 mSv/ano (excluindo exposições médicas e ocupacionais).

Esse limite é adotado pela CNEN, ANVISA e pela ICRP como referência para avaliação de impacto ambiental e segurança em instalações com potencial emissor. Em situações excepcionais, como emergências ou exposições prolongadas de baixo nível, recomenda-se uma abordagem caso a caso, com base na análise de risco.

6. Conclusão

Os efeitos biológicos das radiações ionizantes representam o principal motivo para o desenvolvimento de normas e práticas de radioproteção. Os efeitos determinísticos devem ser evitados com controle de doses e manutenção de equipamentos, enquanto os efeitos estocásticos exigem vigilância contínua e minimização da exposição.

Compreender a sensibilidade dos diferentes tecidos, assim como as características da

exposição ocupacional, médica e pública, é fundamental para aplicar medidas eficazes de prevenção, seguindo os princípios da justificação, otimização (ALARA) e limitação de doses.

As ações de proteção radiológica, quando bem implementadas, permitem o uso seguro da radiação como ferramenta diagnóstica e terapêutica, sem comprometer a saúde humana e o equilíbrio ambiental.

Referências Bibliográficas

  • ICRP – International Commission on Radiological Protection. Publication 103: The 2007 Recommendations of the ICRP. Annals of the ICRP, 2007.
  • ANVISA. Resolução RDC nº 611, de 9 de fevereiro de 2022. Dispõe sobre os Requisitos de Boas Práticas para Serviços de Radiologia Diagnóstica ou Intervencionista.
  • CNEN – Comissão Nacional de Energia Nuclear. Norma CNEN NN 3.01 – Diretrizes Básicas de Proteção Radiológica. 2014.
  • HALL, E. J.; GIACCIA, A. J. Radiobiology for the Radiologist. 8ª ed. Philadelphia: Wolters Kluwer, 2018.
  • IAEA – International Atomic Energy Agency. Radiation Protection and Safety of Radiation Sources: International Basic Safety Standards. Vienna: IAEA, 2014.
  • UNSCEAR – United Nations Scientific Committee on the Effects of Atomic Radiation. Sources and Effects of Ionizing Radiation. 2020.

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