Fundamentos
de Cartografia Digital para Ambientais
O que é Cartografia Digital e por que ela
importa no meio ambiente
A
cartografia digital é, basicamente, a forma moderna de representar o espaço
onde vivemos usando ferramentas digitais. Se antes mapas eram feitos à mão ou
impressos em papel, hoje eles nascem e circulam em telas: no celular, no
computador, em painéis interativos e até em aplicativos que usamos sem
perceber. Quando você abre um mapa no telefone para achar um caminho, isso já é
cartografia digital em ação. Ela não é apenas um “mapa bonito”; é uma linguagem
que traduz o território para que possamos entender o que existe ali, como as
coisas se organizam no espaço e que mudanças estão acontecendo. E na área
ambiental, essa tradução vira uma ferramenta poderosa para ler problemas e
pensar soluções.
O
primeiro ponto importante é perceber que mapa não é uma fotografia do mundo.
Mapa é uma representação. Isso significa que ele seleciona algumas informações
e deixa outras de fora. E isso é bom, porque se um mapa tentasse mostrar
absolutamente tudo, ele viraria uma coisa confusa e inútil. Então, toda
cartografia faz escolhas: o que é relevante para o objetivo daquele mapa? Um
mapa para planejar uma trilha vai destacar caminhos, rios e altitudes. Um mapa
para monitorar desmatamento vai destacar cobertura vegetal, áreas abertas e
limites de propriedades.
O território é o mesmo, mas o olhar muda de acordo
com a pergunta que queremos responder.
Quando
falamos em cartografia digital, estamos falando também da capacidade de
combinar dados diferentes num mesmo lugar. Pense assim: o mapa é como uma “mesa
de montagem” onde você coloca camadas de informação. Uma camada pode ser o
relevo, outra pode ser a hidrografia (rios, córregos, lagos), outra pode ser o
uso do solo (floresta, agricultura, cidade) e por aí vai. Ao ligar e desligar
camadas, você vai enxergando novas relações no espaço. É como observar uma
mesma paisagem com óculos diferentes, cada um revelando um detalhe que antes
passava despercebido.
Na prática ambiental, isso aparece o tempo todo. Imagine uma equipe tentando entender por que um rio da região está assoreando. Com cartografia digital, eles podem cruzar um mapa de declividade (para ver onde o terreno é mais inclinado), um mapa de uso do solo (para ver se há agricultura ou pasto em encostas frágeis), e um
ambiental, isso aparece o tempo todo. Imagine uma equipe tentando
entender por que um rio da região está assoreando. Com cartografia digital,
eles podem cruzar um mapa de declividade (para ver onde o terreno é mais
inclinado), um mapa de uso do solo (para ver se há agricultura ou pasto em
encostas frágeis), e um mapa de chuvas (para ver se aumentou a intensidade das
precipitações). Quando essas informações se encontram no espaço, o problema
deixa de ser uma hipótese solta e passa a ter evidências. O mapa ajuda a
transformar “achismos” em análise técnica.
Outro exemplo simples: planejamento de unidades de conservação. Não basta dizer “vamos proteger essa floresta”. É preciso entender onde ela está, qual é o tamanho, que rios nascem ali, quais comunidades vivem ao redor, quais áreas são mais vulneráveis a incêndio ou invasão. Tudo isso pode ser organizado em mapas digitais. E o resultado não é só um documento bonito: é uma base para negociar políticas públicas, orientar fiscalização e dialogar com a comunidade local.
Uma
coisa legal da cartografia digital é que ela está muito presente na vida comum,
não só no trabalho técnico. Você já reparou que o mapa do celular recalcula
rotas conforme o trânsito muda? Isso acontece porque ele recebe dados em tempo
real e reinterpreta o espaço. Esse é um ponto central: mapas digitais não são
estáticos. Eles podem ser atualizados, comparados ao longo do tempo e usados
para simulações. Na área ambiental, isso permite acompanhar mudanças: avanço
urbano, queimadas, retração de lagoas, recuperação de áreas restauradas. O mapa
vira uma espécie de “linha do tempo do território”.
Mas
por que isso é especialmente importante para o meio ambiente? Porque muitas
questões ambientais são espaciais por natureza. Desmatamento não acontece “no
ar”; acontece em um lugar específico, com determinado tipo de solo, em uma área
que pode estar dentro ou fora de proteção legal. Poluição também se espalha
pelo espaço: um vazamento num rio afeta outros pontos ao longo da bacia.
Enchentes têm relação com a topografia e com o modo como a cidade ocupou o
terreno. Ou seja: a maior parte dos problemas ambientais pede que a gente
responda “onde?”, “quanto?” e “em que relação com o entorno?”. E isso é
exatamente o que mapas ajudam a fazer.
Para quem está começando, pode parecer que cartografia digital é algo distante, cheio de termos técnicos. Mas a porta de entrada é mais simples do que parece. Você não precisa
dominar um software complexo logo de cara. O essencial é treinar o olhar geográfico: aprender a fazer perguntas espaciais e perceber que o território tem padrões. Quando você abre o Google Maps ou o OpenStreetMap, por exemplo, e alterna entre a visão de satélite e a visão de mapa, você já está praticando noções básicas de cartografia digital.
A imagem de satélite te mostra a “aparência” do
lugar: cores, formas, manchas de vegetação, telhados, rios. Já a visão de mapa
te mostra o “significado organizado”: ruas com nomes, limites administrativos,
pontos de interesse. Uma complementa a outra.
Esse
exercício simples de comparação ajuda a entender que cartografia digital não é
só “ver de cima”. É interpretar. É escolher que informação importa. É
transformar o espaço em uma narrativa visual que qualquer pessoa pode ler. Por
isso, na área ambiental, mapear também é comunicar. Um bom mapa pode explicar
para uma comunidade o risco de construir em área de várzea. Pode mostrar para
gestores onde a mata ciliar está mais degradada. Pode convencer uma equipe de
restauração a priorizar tal microbacia antes de outra. Mapas não são neutros:
eles carregam intenções, perspectivas e prioridades.
De
modo geral, a cartografia digital é uma ponte entre o mundo real e a tomada de
decisão. Ela organiza dados ambientais, facilita diagnósticos, permite
monitoramento contínuo e ajuda a planejar ações. Ao longo deste curso, você vai
perceber que aprender cartografia digital é como aprender um novo idioma: no
início a gente estranha, acha que é muita coisa, mas depois o olhar muda, e
você começa a “pensar espacialmente” quase sem esforço. E esse olhar espacial é
uma das competências mais valiosas para quem trabalha ou quer trabalhar com
meio ambiente.
Antes de terminar, vale guardar uma ideia-chave desta aula: todo mapa é uma resposta visual a uma pergunta. Então, sempre que você estiver diante de um mapa digital — seja no celular, seja num relatório ambiental — se pergunte: “qual é a pergunta que esse mapa está tentando responder?”. Só essa atitude já te coloca no caminho certo para usar cartografia digital de forma crítica, prática e realmente útil.
Referências
bibliográficas
FITZ, Paulo Roberto. Cartografia Básica. São
Paulo: Oficina de Textos, 2008.
IBGE. Noções básicas de cartografia. Rio de
Janeiro: IBGE, 2017.
LONGLEY, Paul A.; GOODCHILD, Michael F.; MAGUIRE, David J.; RHIND, David W. Geographic Information Systems and Science. 3. ed. Hoboken:
Wiley, 2011.
MENEZES, Paulo Márcio Leal de; FERNANDES, Manoel do
Couto. Roteiro de cartografia. São Paulo: Oficina de Textos, 2013.
SILVA, Ardemirio de Barros. Sistema de
Informações Geo-referenciadas: conceitos e fundamentos. Campinas: Unicamp,
2003.
Componentes
essenciais de um mapa
Quando
a gente olha um mapa pela primeira vez, pode parecer só uma imagem cheia de
cores, linhas e nomes. Mas, por trás disso, existe uma organização pensada para
ajudar qualquer pessoa a entender o espaço representado. Um mapa bom é como uma
conversa bem conduzida: ele te recebe, te situa, te explica o que está
mostrando e te dá segurança para tirar conclusões. Para isso, ele precisa ter
alguns componentes essenciais. Eles funcionam como as “peças básicas” que
garantem que o mapa seja claro, honesto e útil — especialmente na área
ambiental, onde uma interpretação errada pode gerar decisões ruins.
O
primeiro desses componentes é o título. Às vezes parece detalhe, mas o
título é o que responde logo de cara: “o que estou vendo aqui?”. Imagine abrir
um mapa sem título: você ficaria tentando adivinhar se aquilo é um mapa de
vegetação, de áreas de risco, de uso do solo ou de clima. Um título bem escrito
poupa tempo e orienta o olhar. Em mapas ambientais, ele costuma trazer três
pistas importantes: o tema (ex.: “Cobertura Vegetal”), o local (ex.: “Bacia do
Rio X”) e, quando necessário, o ano ou período analisado (ex.: “2020–2024”).
Repare que isso já diz muito antes mesmo de você olhar para as cores.
Logo
ao lado do título — ou em algum cantinho bem visível — aparece a legenda.
A legenda é como um dicionário do mapa: ela traduz símbolos e cores para
significados. Sem legenda, a gente enxerga formas, mas não sabe o que elas
querem dizer. E aqui tem um ponto importante: legenda não é enfeite. Ela
precisa ser intuitiva. Por exemplo, tons de verde costumam representar
vegetação; azul, água; marrom, solo exposto; cinza ou vermelho, áreas urbanas.
Não é uma regra fixa, mas é um padrão que facilita a
vida de quem lê. Quando um mapa quebra esses padrões sem necessidade, ele vira
uma armadilha. A pessoa pode ler “verde” como floresta quando, na verdade,
aquela cor significava agricultura. Por isso, em cartografia ambiental, cuidar
da legenda é cuidar da interpretação.
Outro componente bem central é a escala. Ela é a parte do mapa que te diz quanto o mundo real foi reduzido para caber ali. Pense na escala como um “controle de zoom” oficial do
Ela é a parte do mapa que te diz
quanto o mundo real foi reduzido para caber ali. Pense na escala como um
“controle de zoom” oficial do mapa. Sem escala, você não sabe se uma área verde
representa um quarteirão ou uma floresta inteira. Existem dois jeitos comuns de
mostrar escala: a escala numérica (tipo 1:50.000) e a escala gráfica
(aquela barrinha com distâncias). A escala numérica diz que 1 unidade no mapa
equivale a 50.000 unidades no terreno. Já a escala gráfica deixa isso mais
visual, e tem uma vantagem: se o mapa for ampliado ou reduzido numa impressão,
a barrinha continua válida. Em ambiental, escala afeta diretamente o que você
consegue concluir. Um mapa de erosão em escala muito pequena pode esconder
ravinas importantes; um mapa de uso do solo em escala muito grande pode te
fazer perder a visão do conjunto.
Junto da escala, normalmente aparece a orientação, quase sempre indicada por uma seta ou rosa dos ventos apontando para o norte. A orientação é o que permite localizar o sentido das coisas. Parece óbvio, mas é essencial: rios correm em determinada direção, encostas têm “lado”, o avanço urbano acontece para um sentido específico. E quando a gente está tratando de questões ambientais, direção importa. Imagine um mapa de áreas de risco de enchente sem orientação. Como comparar com o relevo? Como entender para onde a água tende a escoar? A seta do norte é pequena, mas sem ela o mapa perde um pedaço importante do “chão”.
Aí
chegamos a um componente que assusta um pouco no começo, mas é mais simples do
que parece: o sistema de coordenadas (ou sistema de referência). É ele
que permite dizer exatamente onde cada coisa está na Terra. Em mapas digitais,
isso é ainda mais crucial, porque você costuma juntar dados diferentes: um
arquivo com rios, outro com vegetação, outro com estradas. Se cada um estiver
em um sistema diferente, as camadas “não batem”, ficam deslocadas, e o
resultado vira um mapa errado. Então, sempre que você vê no rodapé algo como
“SIRGAS 2000 / UTM Zona 23S”, aquilo é a garantia de que o mapa tem um endereço
espacial confiável. Em ambiental, isso significa poder medir corretamente áreas
de desmatamento, distâncias até nascentes, limites de APP, e assim por diante.
Outro elemento indispensável é a fonte dos dados. Mapas são feitos a partir de dados — e dados precisam ter origem clara. Quando um mapa traz a fonte, ele está dizendo: “eu não inventei isso aqui, tirei de tal lugar, em tal data”. Isso permite
avaliar a confiabilidade. Por exemplo: um mapa de queimadas
baseado no INPE em 2023 tem um peso diferente de um mapa feito com dados
desconhecidos. A fonte também ajuda a entender limitações: se a imagem usada
tem resolução de 30 metros, talvez pequenos desmatamentos não apareçam. Em
outras palavras, a fonte protege tanto o leitor quanto quem produziu o mapa.
Além
disso, mapas costumam trazer a data (ou período) da informação. Na área
ambiental, o tempo é quase sempre parte do problema. Florestas mudam, rios
mudam, cidades mudam, o clima varia. Então um mapa sem data é como uma notícia
sem ano: a gente não sabe se é algo atual ou já ultrapassado. Quando o mapa
traz “Uso do solo — 2022”, ele te permite comparar com outro ano, entender
tendências e não tirar conclusões fora de contexto.
Você
vai perceber também que muitos mapas incluem uma grade ou marcação de
coordenadas nas bordas. Isso ajuda na localização e na leitura técnica,
especialmente quando é preciso apontar pontos exatos no terreno. Em atividades
ambientais de campo, por exemplo, você pode usar o mapa para orientar uma
equipe até uma nascente, ou para demarcar a área de monitoramento de fauna. A
grade transforma o mapa em uma ferramenta prática de navegação e registro.
Todos
esses elementos juntos fazem o mapa funcionar como um documento confiável. Dá
para imaginar um mapa como uma “promessa” de que aquilo representa o mundo com
um certo nível de verdade. E essa promessa só se sustenta quando os componentes
essenciais estão ali. Se faltar título, você não sabe o tema. Se faltar
legenda, você não entende os símbolos. Se faltar escala, você não mede nada com
segurança. Se faltar fonte ou data, você não sabe se pode confiar. Percebe como
não é burocracia? É o que garante que o mapa seja realmente útil.
Uma
dica prática para você, a partir de agora, é sempre fazer um checklist mental
quando pegar um mapa ambiental nas mãos (ou na tela). Pergunte: qual é o
título? qual é a escala? que cores e símbolos a legenda explicam? qual o
sistema de referência? de onde vieram os dados? de que ano são? Em poucos
segundos você já sabe se aquele mapa serve para o que você precisa — e evita
cair em interpretações apressadas.
No fim das contas, aprender os componentes de um mapa é aprender a “ler o mundo com calma”. É sair do olhar superficial e entrar numa leitura consciente. Na cartografia digital, isso vira uma habilidade valiosa porque você não vai apenas consumir
fim das contas, aprender os componentes de um mapa é aprender a “ler o mundo com calma”. É sair do olhar superficial e entrar numa leitura consciente. Na cartografia digital, isso vira uma habilidade valiosa porque você não vai apenas consumir mapas: você vai construir e analisar mapas que orientam decisões ambientais reais. E quanto mais claro e completo for o mapa, mais ele ajuda a proteger a natureza e as pessoas que dependem dela.
Referências
bibliográficas
FITZ, Paulo Roberto. Cartografia Básica. São
Paulo: Oficina de Textos, 2008.
IBGE. Noções básicas de cartografia. Rio de
Janeiro: IBGE, 2017.
MENEZES, Paulo Márcio Leal de; FERNANDES, Manoel do
Couto. Roteiro de cartografia. São Paulo: Oficina de Textos, 2013.
SLOCUM, Terry A.; MCMASTER, Robert B.; KESSLER,
Fritz C.; HOWARD, Hugh H. Thematic Cartography and Geovisualization. 3.
ed. Upper Saddle River: Pearson, 2009.
LONGLEY, Paul A.; GOODCHILD, Michael F.; MAGUIRE,
David J.; RHIND, David W. Geographic Information Systems and Science. 3.
ed. Hoboken: Wiley, 2011.
Coordenadas,
projeções e sistemas de referência (sem trauma)
Se na
aula anterior a gente conversou sobre como um mapa “se apresenta” para que
possamos entendê-lo, agora é hora de falar da parte que faz o mapa se encaixar
no mundo real. Coordenadas, projeções e sistemas de referência parecem palavras
grandes, mas a ideia por trás delas é bem cotidiana: é como dar endereço às
coisas e garantir que esse endereço faça sentido no planeta inteiro. Na área
ambiental, isso é essencial porque a gente precisa localizar fenômenos com
precisão, comparar dados de épocas diferentes e medir áreas e distâncias sem
cometer erros que podem virar problemas na prática.
Vamos
começar pelas coordenadas, que são o jeito mais universal de dizer “onde
algo está”. Pense nelas como o “CEP do planeta”. Existem dois sistemas muito
comuns. O primeiro é o de latitude e longitude, aquele que aparece no
Google Maps ou no GPS do celular. A latitude mede quão perto você está do
Equador (para o norte ou para o sul) e vai de 0° a 90°. A longitude mede quão
perto você está do meridiano de Greenwich (para leste ou oeste) e vai de 0° a 180°.
Parece abstrato, mas funciona como uma grade invisível que cobre a Terra
inteira. Quando alguém te diz “esse ponto fica em 19°55′S e 43°56′W”, está te
dando uma posição única no globo.
O segundo sistema, muito usado em trabalhos ambientais, é o UTM. Em vez de usar graus, ele usa metros, o que facilita
o que facilita medições. No UTM, a Terra é
dividida em faixas chamadas zonas, e dentro de cada zona as coordenadas
funcionam como um grande plano cartesiano: você tem um valor para leste
(Easting) e outro para norte (Northing). É como se a gente “abrisse” um pedaço
do planeta e tratasse como um tabuleiro medível.
Isso é ótimo para coisas do tipo “qual a distância
até o rio?”, “quantos hectares foram desmatados?”, “onde começa e termina a
APP?”. Em graus, isso dá mais trabalho; em metros, a conta fica direta.
Só que
aqui entra uma questão importante: a Terra é redonda (ou quase isso), e mapas
são planos. Então, para transformar o globo em um plano que caiba na tela, a
gente precisa de uma projeção cartográfica. Projeção é um procedimento
matemático que “achata” a Terra. E toda vez que você achata algo redondo,
alguma coisa deforma. Não tem jeito. É a mesma lógica de tentar abrir uma casca
de laranja sem rasgar: você sempre vai distorcer um pedaço. Por isso, não
existe projeção perfeita — existe projeção mais adequada para cada objetivo.
As
deformações podem acontecer de três jeitos principais: de área, de
forma ou de distância. Algumas projeções preservam áreas (aumentam
ou diminuem formas, mas mantêm o tamanho relativo correto). Outras preservam
formas (mas alteram áreas). E outras tentam equilibrar distâncias. Para o
ambiental, isso não é frescura técnica: muda resultado. Se você quer medir
desmatamento, por exemplo, precisa de projeções que preservem área. Caso
contrário, você pode dizer que uma floresta perdeu 100 hectares quando na verdade
perdeu 80 — e isso altera relatório, decisão e até questão legal.
No
Brasil, um sistema muito comum para trabalhos ambientais é usar UTM com
datum SIRGAS 2000. Vamos destrinchar calma essa parte. Você já viu a
palavra datum em mapas? Datum é, simplificando, o “modelo de Terra” que
o mapa está usando como referência. Porque a Terra não é uma esfera perfeita;
ela tem irregularidades. O datum define qual forma matemática aproximada do
planeta está sendo adotada. Se um mapa e outro usam datums diferentes, as
coordenadas podem ficar deslocadas alguns metros (ou até mais).
Parece pequeno, mas em um limite de propriedade
rural, um corredor ecológico ou a faixa de APP, esses metros fazem diferença.
Então,
quando um mapa diz “SIRGAS 2000 / UTM Zona 23S”, ele está te dizendo duas
coisas:
1.
qual modelo de Terra está usando (SIRGAS 2000),
2. qual sistema plano de medição
está usando (UTM na zona específica).
Isso garante que, se você abrir outro dado no mesmo sistema, tudo “encaixa”
como peças de lego.
Um
erro muito comum de quem está começando com cartografia digital é misturar
camadas em sistemas diferentes sem perceber. Aí acontece aquela cena clássica:
você coloca o mapa de rios, por cima um mapa de vegetação, e… o rio aparece
atravessando o morro de um jeito impossível. Não porque o dado é ruim, mas
porque as camadas não estão no mesmo sistema de referência. Em GIS (como QGIS
ou ArcGIS), esse alinhamento é a base de tudo. Antes de analisar qualquer
fenômeno ambiental, a primeira pergunta técnica é: esses dados estão no
mesmo sistema?
Outro ponto importante é entender que projeção não é só um detalhe escondido no rodapé. Ela conversa com a escala e com o objetivo do mapa. Se você trabalha em escala local (um município, uma microbacia, um parque), UTM costuma ser ideal. Se você trabalha com áreas continentais, às vezes outras projeções entram em cena. A escolha sempre precisa respeitar a pergunta do estudo. E isso é libertador: você não precisa decorar todas as projeções do mundo; precisa aprender a fazer a pergunta certa para escolher uma que sirva.
Vamos
pensar num exemplo simples. Imagine que você está estudando uma área de
restauração florestal perto de um rio. Você quer medir o quanto a vegetação
aumentou em cinco anos. Se você usa uma projeção que distorce áreas, sua
comparação fica injusta — como se você estivesse medindo com uma régua que muda
de tamanho dependendo do dia. Agora, se você usa uma projeção adequada, suas
medidas de “antes” e “depois” são comparáveis, e o relatório ganha
credibilidade.
No fim
das contas, coordenadas e projeções são como o “sistema de verdade” do mapa.
Elas dizem onde exatamente as coisas estão e garantem que os cálculos sejam
confiáveis. Para a área ambiental, isso significa poder agir com base em
evidência espacial sólida: mapear com precisão nascentes e áreas frágeis,
delimitar APPs, planejar corredores ecológicos, acompanhar queimadas, monitorar
erosões. Quando essa base está bem-feita, todo o resto flui melhor.
Se você ficar com uma ideia principal desta aula, pode ser esta: coordenadas localizam, projeções transformam a Terra em mapa, e sistemas de referência garantem que tudo esteja falando o mesmo idioma espacial. A partir daqui, sempre que você abrir um mapa digital, procure essas informações. Elas são o “alicerce invisível”
A partir daqui, sempre que você abrir um mapa digital, procure essas informações. Elas são o “alicerce invisível” que sustenta toda análise ambiental séria.
Referências
bibliográficas
FITZ, Paulo Roberto. Cartografia Básica. São
Paulo: Oficina de Textos, 2008.
IBGE. Noções básicas de cartografia. Rio de
Janeiro: IBGE, 2017.
MENEZES, Paulo Márcio Leal de; FERNANDES, Manoel do
Couto. Roteiro de cartografia. São Paulo: Oficina de Textos, 2013.
SNYDER, John P. Map Projections: A Working Manual.
Washington, DC: U.S. Geological Survey, 1987.
LONGLEY, Paul A.; GOODCHILD, Michael F.; MAGUIRE,
David J.; RHIND, David W. Geographic Information Systems and Science. 3.
ed. Hoboken: Wiley, 2011.
SLATER, Philip N. Remote Sensing: Optics and
Optical Systems. Reading: Addison-Wesley, 1980.
Estudo de Caso — “O Mapa que Quase Virou
Multa”
Contexto
A
Secretaria Municipal de Meio Ambiente de um município fictício chamado Vale
Verde recebeu uma denúncia:
“Estão desmatando perto do Rio Formoso, dentro da
APP. Vão acabar com a nascente!”
A
equipe era pequena. Quem ficou responsável por levantar evidências foi a Luana,
recém-formada e em seu primeiro mês de trabalho. Ela sabia o básico de GIS e
decidiu montar um mapa simples para levar ao promotor ambiental.
Ela baixou:
·
um shapefile do
rio (da base hidrográfica estadual);
·
um mapa de uso
do solo (de um projeto universitário);
·
imagens do
Google Earth para “confirmar no olho”.
A ideia era fazer um mapa que mostrasse:
1.
o rio e a APP de
30 metros,
2.
o uso do solo
dentro dessa faixa,
3.
a área desmatada
apontada na denúncia.
Só que… o mapa quase virou um desastre.
O
que deu errado (e como ela percebeu)
Erro
1 — Camadas “desalinhadas” (projeção/datum diferente)
Quando
Luana colocou as camadas no QGIS, notou algo esquisito:
o rio atravessava por dentro de uma colina, e a faixa de APP ficava “torta”,
caindo parte em cima da cidade.
Ela pensou:
“Nossa, o dado do rio tá errado.”
Mas não estava. O problema era outro:
·
O shapefile do
rio estava em SIRGAS 2000 / UTM 23S.
·
O uso do solo
estava em WGS84 (graus).
·
A imagem do
Google Earth estava em outro sistema ainda.
O GIS “tentou ajustar” automaticamente, mas o
resultado ficou deslocado alguns metros — o suficiente para bagunçar tudo.
✅ Como evitar
·
Sempre checar o Sistema
de Referência de Coordenadas (SRC) de cada camada.
· Padronizar tudo
antes de medir ou analisar.
Ferramenta-chave:
“Reprojetar camada” para um SRC comum (ex.: SIRGAS 2000 / UTM).
Lição
do Módulo 1:
Se o mapa não fala o mesmo “idioma espacial”, os dados não se encaixam.
Erro
2 — Confundir coordenadas (graus x metros)
Para
mostrar a área denunciada, Luana recebeu um ponto de GPS do fiscal:
“Coordenada: 759432 E / 7801234 N”
Ela colou esses números numa camada de pontos, mas o
ponto apareceu no meio do oceano.
Por quê?
Porque ela criou a camada de pontos em latitude/longitude (graus).
Só que aqueles valores eram UTM (metros).
✅ Como evitar
·
Antes de inserir
coordenadas, conferir qual sistema elas estão usando.
·
Criar a camada
já no SRC correto.
Atalho
mental:
·
números com
“cara de metro”, tipo 700000 / 7800000 → UTM
·
números com
“cara de grau”, tipo -19.9 / -43.9 → latitude/longitude
Lição
do Módulo 1:
Coordenada é endereço — mas você precisa saber qual formato de endereço
recebeu.
Erro
3 — Escala inadequada para decisão local
Depois
que as camadas bateram, Luana fez a faixa de APP e percebeu que não dava muito
certo com a imagem. A margem parecia grossa demais.
O mapa
de uso do solo tinha sido feito em escala 1:250.000 (bem geral).
Só que ela precisava de análise local, quase “metro a metro”.
Assim, pequenas clareiras e ocupações não apareciam.
A APP ficou “limpa” no mapa, mas na imagem havia pasto e estrada.
✅ Como evitar
·
Conferir a escala
e resolução dos dados antes de confiar neles.
·
Para APP e
nascente, usar dados mais detalhados (ex.: Sentinel-2, drones, vistorias).
Regra
simples:
Se a pergunta é local, o dado tem que ser local.
Lição
do Módulo 1:
Escala define o que você consegue ver — e o que você vai deixar passar.
Erro
4 — Legenda feita “no automático”
Luana usou um estilo pronto no GIS:
·
floresta em
verde,
·
agricultura em
amarelo,
·
urbano em cinza,
·
solo exposto em
marrom.
Até aí tudo bem.
Mas ela não revisou a legenda.
E o estilo pronto tinha um detalhe:
“Vegetação secundária” e “Floresta nativa” estavam com tons quase iguais.
Na apresentação, o promotor perguntou:
“Tudo isso aqui é mata preservada?”
E Luana travou.
Porque podia ser capoeira, regeneração ou floresta madura — e isso muda a
interpretação legal.
✅ Como evitar
·
Revisar legenda
sempre com olhar crítico.
·
Escolher cores
com contraste suficiente.
·
Escrever rótulos
claros.
Lição
do Módulo 1:
Legenda é tradução. Se a tradução é confusa, o mapa engana.
Erro
5 — Mapa sem fonte e data
No
fim, o mapa estava bonito e “fazia sentido”.
Mas faltavam dois elementos no layout:
·
Fonte dos dados
·
Data de
referência
Na reunião, alguém perguntou:
“Essas imagens são de que ano?
Esse uso do solo é de quando?”
Sem isso, o mapa perdia força técnica.
Porque, em ambiental, tempo é parte da evidência.
✅ Como evitar
·
Sempre colocar:
o
fonte dos dados
(INPE, MapBiomas, base estadual etc.)
o
ano/período
analisado
o
autor do mapa
Lição
do Módulo 1:
Se você não diz de onde veio e de quando é, ninguém sabe se pode confiar.
A
virada do caso
Depois de corrigir os erros, Luana refez o mapa:
1.
reprojetou tudo
para SIRGAS 2000 / UTM;
2.
inseriu
corretamente o ponto UTM do fiscal;
3.
trocou o uso do
solo geral por um recorte mais detalhado (Sentinel + vistoria);
4.
ajustou legenda
com cores mais diferentes;
5.
incluiu título,
escala gráfica, sistema de referência, fonte e data.
Resultado:
·
o mapa mostrou
ocupação dentro da APP,
·
em dois trechos
o pasto invadia a faixa legal,
·
e havia clareira
recente próxima à nascente.
O promotor usou o material para abrir notificação.
E Luana ganhou respeito na equipe — não por “não errar”, mas por saber
corrigir com método.
O
que esse estudo ensina sobre o Módulo 1
Checklist
rápido para evitar os erros mais comuns
1.
Título claro: tema + local + ano
2.
Legenda revisada: cores distintas, termos compreensíveis
3.
Escala adequada: o dado combina com sua pergunta?
4.
SRC padronizado: todas as camadas no mesmo sistema
5.
Coordenadas certas: confirmar se é grau ou metro (UTM)
6. Fonte e data no mapa: credibilidade técnica
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