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Básico em Urgência e Emergência na Odontologia

 BÁSICO EM URGÊNCIA E EMERGÊNCIA NA ODONTOLOGIA

  

Emergências Graves, Fármacos e Aspectos Legais 

Reações alérgicas e anafilaxia 

 

Reações alérgicas estão entre as emergências médicas possíveis no consultório odontológico. Elas variam de eventos leves e autolimitados, como urticária localizada, até quadros rapidamente fatais, como anafilaxia. A diversidade crescente de materiais dentários, somada ao uso rotineiro de fármacos (anestésicos locais, antibióticos, anti-inflamatórios, antissépticos), aumenta a probabilidade de sensibilização e de reações adversas. Embora a anafilaxia seja menos frequente, sua evolução pode ser abrupta, o que torna indispensável a prevenção por anamnese dirigida, o reconhecimento clínico imediato e a prontidão para uso de adrenalina e suporte básico de vida.

Reações adversas a medicamentos e materiais odontológicos

As manifestações alérgicas no consultório podem ser desencadeadas por medicamentos ou por materiais utilizados durante o atendimento. Entre os fármacos, destacam-se anestésicos locais, antibióticos (sobretudo betalactâmicos), anti-inflamatórios não esteroidais, analgésicos, soluções antissépticas e agentes hemostáticos. Em relação a materiais, a literatura descreve reações a látex (luvas, dique de borracha), resinas acrílicas, materiais de moldagem, cimentos, irrigantes endodônticos, metais (níquel, cobalto, cromo, titânio) e componentes de próteses ou aparelhos ortodônticos.

O látex permanece um dos principais causadores de reações imediatas em odontologia, podendo produzir desde urticária de contato até anafilaxia.

É importante lembrar que nem toda reação imediata após anestesia local é alérgica. Estudos indicam que a maioria dos eventos associados a anestésicos locais é de origem não alérgica (ansiedade, vasovagal, toxicidade, reação ao vasoconstrictor), mas o profissional deve manter vigilância, especialmente quando há sinais cutâneos e respiratórios típicos.

Alergia imediata x tardia

A odontologia lida principalmente com hipersensibilidades do tipo I (imediatas, mediadas por IgE) e do tipo IV (tardias, mediadas por células T).

  • Alergia imediata (tipo I): surge em minutos até cerca de uma hora após exposição. Envolve liberação maciça de histamina e outros mediadores, produzindo urticária, prurido, angioedema, broncoespasmo, hipotensão e possível anafilaxia. É a forma mais perigosa e a que exige resposta emergencial.
  • Alergia tardia (tipo IV): aparece horas ou dias depois
  • do contato. Manifesta-se como dermatite de contato, estomatite, queilite, reação liquenoide, eritema ou desconforto local persistente. Em geral não ameaça a vida no momento do atendimento, mas exige identificação do agente causal para evitar recorrência.

A distinção é relevante porque reações tardias pedem investigação e substituição de materiais, enquanto reações imediatas exigem intervenção clínica urgente.

Urticária, angioedema e broncoespasmo alérgico

Urticária é a manifestação cutânea mais comum de alergia imediata. Caracteriza-se por placas elevadas, eritematosas e pruriginosas, que podem ser localizadas ou generalizadas. Na maioria dos casos, não compromete via aérea nem hemodinâmica, mas pode ser o primeiro sinal de progressão para anafilaxia.

Angioedema é edema súbito de tecidos subcutâneos ou submucosos, frequentemente em lábios, pálpebras, língua e orofaringe. Em odontologia, pode ser precipitado por fármacos, látex ou materiais dentários. O risco central é o edema de glote, que ameaça a via aérea. A presença de rouquidão, estridor, sensação de “bola na garganta” ou dificuldade para engolir deve ser considerada sinal de gravidade.

Broncoespasmo alérgico ocorre por constrição das vias aéreas inferiores, com dispneia, chiado, tosse e prolongamento expiratório. Pode ocorrer isoladamente ou como parte da anafilaxia. Em contexto alérgico, costuma aparecer associado a urticária, angioedema ou hipotensão.

Anafilaxia: diagnóstico clínico

Anafilaxia é uma reação sistêmica grave, de início rápido, potencialmente fatal, causada por liberação generalizada de mediadores inflamatórios. O diagnóstico é clínico e deve ser feito sem aguardar exames. Diretrizes recentes reforçam que a anafilaxia deve ser suspeitada quando há exposição provável a um alérgeno e surgem, em minutos, manifestações em múltiplos sistemas. Os padrões mais típicos incluem:

  • Pele/mucosas: urticária difusa, prurido, rubor, angioedema.
  • Respiratório: broncoespasmo, estridor, rouquidão, dispneia, sensação de fechamento de garganta, queda de saturação.
  • Cardiovascular: hipotensão, tontura intensa, síncope, choque.
  • Gastrointestinal: cólica, vômitos, diarreia podem ocorrer, mas na odontologia costumam aparecer junto a sinais respiratórios/cutâneos.

Importante: anafilaxia pode ocorrer sem urticária evidente, especialmente quando predomina o componente respiratório ou cardiovascular. Por isso, falta de sinais cutâneos não exclui o

diagnóstico.

Conduta imediata no consultório

A conduta deve ser iniciada no instante da suspeita, seguindo princípios de suporte básico de vida:

1.     Interromper imediatamente o procedimento e remover materiais da boca.

2.     Acionar ajuda interna e o serviço de emergência precocemente.

3.     Posicionar o paciente: em geral, decúbito dorsal com pernas elevadas se houver hipotensão; sentado se houver desconforto respiratório importante, desde que a perfusão esteja preservada.

4.     Administrar adrenalina intramuscular sem demora, pois é o tratamento de primeira linha e o fator mais associado à sobrevivência. Adjuntos não devem retardar sua aplicação.

5.     Oxigênio suplementar em fluxo alto, se disponível, e monitorização de sinais vitais.

6.     Preparar ventilação assistida com AMBU se houver deterioração respiratória.

Reavaliações contínuas (respiração, pulso, consciência) são essenciais porque a anafilaxia é dinâmica e pode piorar rapidamente.

Uso de adrenalina, anti-histamínicos e suporte respiratório

Adrenalina (epinefrina) é o fármaco chave. Diretrizes odontológicas e de anafilaxia recomendam via intramuscular no músculo vasto lateral da coxa, por ser mais rápida e segura que via subcutânea. A dose usual em adultos é 0,3 a 0,5 mg da solução 1:1000, podendo repetir em intervalos de 5 a 10 minutos se os sinais persistirem ou retornarem. A administração não deve ser adiada por medo dos efeitos colaterais; em anafilaxia, o risco de não aplicar é muito maior do que o risco do medicamento.

Anti-histamínicos (orais ou injetáveis) têm papel adjunto. Eles ajudam sobretudo em urticária e prurido, mas não revertem broncoespasmo grave nem choque, e por isso nunca substituem a adrenalina.

O suporte respiratório inclui oferta de oxigênio de alto fluxo, manutenção de via aérea pérvia, aspiração de secreções se necessário e ventilação assistida com bolsa-válvula-máscara caso a respiração se torne ineficaz. Se ocorrer parada cardiorrespiratória, inicia-se RCP e usa-se DEA conforme protocolo de SBV.

Encaminhamento e monitorização pós-crise

Mesmo após melhora clínica, todo paciente com anafilaxia deve ser encaminhado para avaliação hospitalar. Isso se deve ao risco de reação bifásica, em que sintomas retornam horas depois, e à necessidade de observação, suporte avançado e investigação etiológica. Diretrizes recentes recomendam monitorização por várias horas após quadro moderado ou grave, com tempo maior em casos de hipotensão, broncoespasmo

significativo ou necessidade de repetição de adrenalina.

No retorno à estabilidade, o cirurgião-dentista deve registrar detalhadamente no prontuário: agente suspeito, horário de início, sinais observados, medicamentos administrados, resposta clínica e tempo de acionamento do resgate. Posteriormente, é essencial orientar o paciente a procurar alergologista para confirmação do agente causal, evitando futuras exposições e permitindo continuidade segura do tratamento odontológico.

Referências bibliográficas

1.     Malik A, et al. Comprehensive management evaluation of anaphylactic shock in dental practice. International Journal of Emergency Medicine, 2025.

2.     Stone C, et al. Anaphylaxis: 2024–2025 international consensus definitions and diagnostic approach. Journal of Allergy and Clinical Immunology, 2025.

3.     Greenwood M, Meechan JG. Management of anaphylaxis in dental practice. Anesthesia Progress, 2023.

4.     CPD Dental Nurses. Medical Emergencies: Anaphylaxis Management in Dental Practice. 2024.

5.     RSD Journal. Reações alérgicas e manifestações na odontologia: revisão narrativa. 2023–2024.

6.     Pereira M, et al. Allergic reactions to dental materials: narrative review. Universidade Fernando Pessoa, 2020.

7.     Resuscitation Council UK. Quality standards and emergency preparedness for primary dental care. 2024.

8.     Brown SGA. Practice parameter update on anaphylaxis management in community and outpatient settings. Annals of Allergy, Asthma & Immunology, 2023.


Emergências cardiovasculares e neurológicas na odontologia

 

Emergências cardiovasculares e neurológicas no consultório odontológico são menos frequentes do que síncope ou hipoglicemia, porém têm alto potencial de gravidade. A população atendida é cada vez mais envelhecida e polimedicada, o que aumenta a chance de angina, infarto agudo do miocárdio (IAM), crises hipertensivas, acidente vascular cerebral (AVC) e convulsões durante ou logo após procedimentos. Diretrizes de emergências em odontologia enfatizam que o papel do cirurgião-dentista é reconhecer rapidamente os sinais clínicos, iniciar medidas de suporte básico, administrar medicamentos essenciais quando indicados e acionar o serviço de emergência sem demora.

Dor torácica no consultório: causas prováveis

Dor torácica no consultório pode ter origem cardíaca ou não cardíaca. Na odontologia, as causas mais comuns relatadas são angina, hiperventilação/ansiedade e infarto agudo do miocárdio, mas também podem

ocorrer dor musculoesquelética, refluxo gastroesofágico ou espasmo esofágico. A dificuldade prática é que dor por ansiedade pode imitar dor isquêmica, cabendo ao dentista tratar inicialmente como potencial evento cardiovascular até prova em contrário quando houver dúvida. Elementos que sugerem origem cardíaca incluem dor em aperto ou pressão retroesternal, irradação para braço esquerdo, mandíbula ou dorso, associação com sudorese, náusea, palidez, falta de ar e sensação de “morte iminente”.

Angina estável/instável e suspeita de infarto

A angina estável decorre de isquemia miocárdica transitória por obstrução coronária fixa. Em geral, surge sob esforço ou estresse, melhora em poucos minutos com repouso e responde à nitroglicerina usada pelo próprio paciente. No consultório odontológico, pode ser desencadeada por ansiedade, dor, vasoconstritor ou procedimento prolongado.

A angina instável representa isquemia mais grave e imprevisível: pode ocorrer em repouso, durar mais tempo, ser mais intensa e ter resposta incompleta à nitroglicerina. É considerada síndrome coronariana aguda e pode evoluir para IAM.

A suspeita de infarto agudo do miocárdio deve ser feita quando a dor torácica é intensa, prolongada (tipicamente >10–15 minutos), não melhora com repouso, pode estar acompanhada de dispneia, sudorese fria, náusea, vômitos, tontura ou síncope. A literatura específica para odontologia ressalta que qualquer dor compatível com evento isquêmico deve ser tratada como emergência médica real, priorizando estabilização e acionamento imediato do resgate.

Conduta inicial, monitoramento e acionamento de emergência

Diante de dor torácica sugestiva de isquemia, a conduta inicial no consultório segue princípios padronizados:

  • interromper o procedimento;
  • manter o paciente em posição confortável, geralmente semi

reclinada, evitando esforço;

  • avaliar vias aéreas, respiração e circulação;
  • monitorar sinais vitais (pressão arterial, pulso, frequência respiratória e saturação de O₂ quando disponível);
  • oferecer oxigênio se houver dispneia, palidez marcada ou saturação baixa.

Se o paciente tiver nitroglicerina prescrita e quadro compatível com angina, pode-se orientar o uso conforme prescrição médica, observando resposta em poucos minutos. Persistindo dor, ou se a dor já se apresentar como instável, deve-se acionar o serviço de emergência imediatamente.

Em suspeita de síndrome coronariana aguda, diretrizes odontológicas recomendam

ácido acetilsalicílico (AAS) em dose de ataque quando não houver contraindicação conhecida (como alergia ou sangramento ativo), pois reduz agregação plaquetária e melhora prognóstico. Entretanto, administração de qualquer fármaco deve seguir o protocolo do consultório e o treinamento do profissional.

Se houver piora rápida do estado geral, rebaixamento de consciência ou ausência de respiração normal/pulso, o quadro deve ser tratado como parada cardiorrespiratória, iniciando RCP e usando DEA conforme SBV.

Hipertensão arterial aguda

Crises hipertensivas em odontologia variam desde elevação transitória por ansiedade até urgências/emergências hipertensivas. A elevação aguda da pressão é comum durante anestesia, dor ou nervosismo, especialmente em hipertensos não controlados. Sinais como cefaleia intensa, visão borrada, zumbido, dor torácica, falta de ar ou déficit neurológico indicam risco maior. A literatura em emergências odontológicas orienta que o dentista avalie rapidamente a pressão, suspenda o procedimento, reduza estímulos estressantes e observe.

Se a pressão estiver muito elevada e houver sintomas sistêmicos importantes ou suspeita de lesão aguda de órgão-alvo (dor torácica, dispneia, sinais neurológicos), trata-se como emergência médica: oxigênio se necessário, monitorização contínua e acionamento do resgate. Em elevações moderadas sem sinais de gravidade, a conduta é repouso, ambiente calmo, controle de dor e reavaliação, encaminhando para seguimento médico.

AVC: sinais principais e reconhecimento rápido

O AVC é uma emergência tempo-dependente: minutos de atraso aumentam mortalidade e sequelas. No consultório, pode ocorrer em pacientes com hipertensão, fibrilação atrial, diabetes, tabagismo ou histórico prévio. Os sinais mais valorizados para reconhecimento rápido são:

  • assimetria facial súbita (queda de um lado do rosto);
  • fraqueza ou perda de força em braço/perna, geralmente em um lado do corpo;
  • alteração da fala (fala enrolada, dificuldade de encontrar palavras, incapacidade de repetir frases simples).

Esse conjunto é resumido na triagem tipo FAST, ensinada para equipes odontológicas em diretrizes de emergências. A conduta inicial inclui interromper o atendimento, posicionar o paciente de forma confortável (semi-reclinada se houver náusea/vômitos, ou supina se houver hipotensão), monitorar sinais vitais, oferecer oxigênio se houver dispneia ou queda de saturação e acionar o serviço de emergência imediatamente.

Não se deve oferecer alimento, água ou medicamentos por via oral pela possibilidade de disfagia e aspiração.

Convulsões: tipos, causas e manejo no consultório

Convulsões podem aparecer em pacientes com epilepsia conhecida, mas também podem ocorrer de forma aguda por hipoglicemia grave, febre, abstinência, intoxicação medicamentosa, trauma ou AVC. Em odontologia, a crise tônico-clônica generalizada é a mais dramática: perda súbita de consciência, rigidez, abalos musculares, salivação/espuma e fase pós-ictal com sonolência e confusão. Crises focais podem manifestar-se como movimentos localizados, automatismos ou alteração comportamental sem perda completa de consciência.

O manejo no consultório é principalmente de suporte:

  • interromper o procedimento e retirar instrumentos da boca;
  • proteger o paciente de quedas e traumas, afastando objetos e apoiando a cabeça;
  • não conter movimentos à força e não colocar objetos na boca;
  • manter via aérea aberta após a fase convulsiva, aspirando secreções se possível;
  • monitorar respiração e pulso, oferecendo oxigênio;
  • observar o tempo de duração e características da crise.

Após cessar a convulsão, o paciente deve permanecer em posição lateral de segurança até recuperar consciência plena. Se houver história de epilepsia controlada e a crise for curta, geralmente basta observação e orientação; se for primeira crise ou houver trauma importante, é indicado encaminhamento médico.

Crise epiléptica prolongada e riscos associados

Crises convulsivas com duração igual ou superior a 5 minutos, ou crises repetidas sem recuperação total entre elas, configuram quadro de risco elevado e podem evoluir para status epilepticus. Diretrizes odontológicas específicas para midazolam enfatizam que, nesses casos, deve-se acionar ambulância urgentemente e considerar benzodiazepínico de resgate (como midazolam) se o profissional estiver treinado, seguindo protocolo local.

Os riscos do prolongamento incluem hipóxia, acidose metabólica, hipertermia, arritmias, trauma por queda e, em casos extremos, parada cardiorrespiratória. No consultório, a prioridade é manter ventilação e perfusão: oxigênio, vias aéreas pérvias e prontidão para SBV caso ocorra deterioração. Mesmo quando a crise cessa, o paciente deve ser avaliado em ambiente hospitalar se houve prolongamento, repetição ou déficit neurológico pós-ictal incomum.

Referências bibliográficas

Malamed SF. Medical Emergencies in the Dental Office. 8ª ed.

Elsevier, 2022. Capítulos de dor torácica, angina/IAM, hipertensão, AVC e convulsões.

Greenwood M, Meechan JG. Management of specific medical emergencies in dental practice. British Dental Journal, 2023.

Chest Pain Review for Dental Emergencies. Biores Scientia e revisões clínicas correlatas sobre angina e infarto em consultório odontológico, 2023–2024.

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CPD4DentalNurses. Medical Emergencies: Stroke Risk Factors, Symptoms and Management in a Dental Setting, 2022–2024.

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British Society of Oral Surgery. Midazolam in General Dental Practice: emergency use for prolonged seizures, 2024.

British Association of Dental Therapists. Epileptic Seizures – guidance for dental teams, 2023–2024.


Farmacologia de urgência e responsabilidades profissionais na odontologia

 

O consultório odontológico é um ambiente de atenção à saúde onde emergências médicas podem ocorrer mesmo em procedimentos simples. Assim, a farmacologia de urgência e a responsabilidade profissional do cirurgião-dentista formam um conjunto inseparável: conhecer medicamentos essenciais, saber quando e como administrá-los, registrar adequadamente o evento e agir de forma ética e legal são requisitos para segurança do paciente e do profissional. Diretrizes internacionais e revisões clínicas odontológicas destacam que a prontidão depende de um kit com fármacos básicos, protocolos claros e treinamento regular de toda a equipe.

Medicamentos essenciais em emergências odontológicas

Listas mínimas recomendadas para clínicas odontológicas gerais são bastante convergentes. Elas cobrem as emergências mais prováveis no consultório: anafilaxia, broncoespasmo/asma, hipoglicemia, dor torácica isquêmica e convulsões. A American Dental Association e documentos de preparo para emergências em odontologia apontam como essenciais:

  • adrenalina (epinefrina);
  • anti-histamínico injetável/oral (ex.: difenidramina ou equivalente local);
  • broncodilatador beta-2 em spray (ex.: salbutamol/albuterol);
  • glicose de ação rápida por via oral (gel, tabletes, solução açucarada);
  • ácido acetilsalicílico (AAS);
  • nitroglicerina (gliceril trinitrato) para angina quando
  • prescrita ao paciente;
  • benzodiazepínico (ex.: diazepam ou midazolam) para convulsão prolongada, de acordo com competência/legislação local;
  • além de oxigênio como “medicamento” indispensável de suporte.

Indicações, vias de administração e cuidados gerais

Os fármacos de urgência devem ser usados de forma rápida e dirigida ao quadro clínico, sem atrasar suporte básico de vida nem acionamento do resgate quando necessário. Em odontologia, as vias mais usuais são intramuscular, sublingual, inalatória e oral. Revisões específicas de emergências no consultório reforçam os principais usos:

  • Adrenalina intramuscular: indicada na suspeita de anafilaxia, especialmente com sinais respiratórios (estridor, broncoespasmo) ou circulatórios (hipotensão, síncope). A via intramuscular na face ântero-lateral da coxa é a preferida por rapidez e segurança.
  • Anti-histamínicos: adjuvantes para urticária e reações alérgicas sem instabilidade respiratória/circulatória. Não substituem adrenalina em anafilaxia.
  • Broncodilatador beta-2 inalatório: primeira linha em crise asmática/broncoespasmo. Deve ser iniciado cedo, associado a oxigênio se dispneia moderada/grave.
  • Glicose oral de rápida absorção: indicada em hipoglicemia com paciente consciente e capaz de engolir. Em inconsciência, prioriza-se suporte básico e acionamento do resgate; o uso de glucagon só é recomendado se o serviço tiver o fármaco e equipe treinada.
  • AAS oral mastigável: adjuvante em suspeita de síndrome coronariana aguda, se não houver contraindicação conhecida (alergia, sangramento ativo).
  • Nitroglicerina sublingual: usada quando o paciente tem diagnóstico prévio de angina e prescrição própria; pode ser orientada para alívio inicial enquanto se monitora a resposta. Dor persistente deve ser tratada como emergência.
  • Benzodiazepínicos: indicados em crises convulsivas prolongadas ou repetidas, conforme protocolo local; sempre associados a proteção de via aérea e oxigenação.

Cuidados gerais incluem checar alergias prévias, evitar via oral em rebaixamento de consciência, observar efeitos adversos previsíveis (ex.: taquicardia após adrenalina) e registrar toda administração no prontuário.

Doses usuais em adultos (visão geral)

As doses abaixo refletem parâmetros amplamente aceitos em guias de emergências médicas para a prática odontológica e podem variar conforme protocolo institucional e

legislação local.

  • Adrenalina (1 mg/mL, 1:1000), IM: 0,3 a 0,5 mg, repetindo a cada 5–10 minutos se necessário, até estabilização ou chegada do suporte avançado.
  • Salbutamol/albuterol inalatório: 2 jatos iniciais (geralmente 100 µg por jato), podendo repetir conforme resposta clínica.
  • AAS: dose de ataque em suspeita de evento coronariano costuma ser 160–325 mg por via oral (mastigar), se não contraindicado.
  • Nitroglicerina sublingual: 0,3–0,6 mg (1 spray ou 1 comprimido), repetível em intervalos de 5 minutos até 3 doses, se pressão sistólica adequada e prescrição prévia.
  • Glicose oral: cerca de 15 g de carboidrato de ação rápida, reavaliando em 15 minutos e repetindo se necessário.
  • Difenidramina/anti-histamínico equivalente: em reações alérgicas leves a moderadas, doses usuais em adultos ficam em torno de 25–50 mg (via oral ou IM), conforme apresentação disponível.
  • Diazepam ou midazolam (convulsão prolongada): doses variam pelo fármaco e via; diretrizes odontológicas ressaltam uso apenas por profissionais treinados, com referência aos protocolos nacionais e formulários oficiais.

Interações medicamentosas relevantes para urgência

Em emergências odontológicas, a interação mais crítica é aquela que muda o risco imediato do paciente. As principais, descritas em revisões clínicas, incluem:

  • Adrenalina e betabloqueadores não seletivos: podem intensificar hipertensão e bradicardia reflexa; ainda assim, em anafilaxia a adrenalina permanece indicada, com monitorização.
  • Nitroglicerina e inibidores de fosfodiesterase (ex.: sildenafil/tadalafila): risco de hipotensão grave; por isso se recomenda usar nitroglicerina apenas quando prescrita previamente ao paciente e com quadro compatível, monitorando pressão.
  • AAS/antiagregantes e anticoagulantes: aumentam risco hemorrágico, mas em suspeita de infarto o benefício do AAS costuma superar o risco, desde que não haja contraindicação clara.

·         Benzodiazepínicos e depressores do SNC (álcool, opioides, sedação): podem deprimir respiração; exigir vigilância ventilatória e oxigênio. A anamnese dirigida e a revisão de medicação em uso são essenciais para antecipar esses cenários.

Registro clínico de intercorrências

O registro completo do evento é um dever técnico e legal. Deve incluir: horário de início, sinais e sintomas observados, sinais vitais, hipóteses

diagnósticas, condutas adotadas, fármacos administrados (dose, via, horário), resposta clínica, acionamento de resgate e desfecho imediato. Esses registros integram o prontuário odontológico e servem tanto para continuidade do cuidado quanto para respaldo ético-legal. A literatura brasileira ressalta que intercorrências médicas fazem parte do risco ocupacional do consultório e exigem documentação sistemática.

Conduta ética e legal do cirurgião-dentista

No Brasil, o cirurgião-dentista tem o dever de prestar assistência imediata compatível com sua competência e com os recursos disponíveis, além de acionar o sistema de emergência quando houver risco de vida. O Código de Ética Odontológica, sob regulação do Conselho Federal de Odontologia, estabelece obrigações relacionadas à responsabilidade profissional, sigilo, zelo pela saúde do paciente e correta documentação clínica. O descumprimento pode gerar implicações éticas e disciplinares.

Eticamente, destacam-se:

  • priorizar a vida e a segurança do paciente acima da continuidade do procedimento;
  • atuar dentro de protocolos reconhecidos;
  • manter atualização em SBV e emergências;
  • garantir que a equipe esteja treinada e que o consultório disponha de kit e equipamentos mínimos.

Termos de encaminhamento e comunicação com familiares

Após estabilização inicial, o encaminhamento ao serviço de urgência é parte do cuidado. O termo de encaminhamento deve resumir o evento e as condutas feitas, incluindo medicamentos e horários, sinais vitais e hipóteses. A comunicação com familiares ou acompanhantes deve ser clara, objetiva e registrada, sempre respeitando sigilo profissional e o melhor interesse do paciente. Diretrizes de qualidade em emergências enfatizam que comunicação bem conduzida reduz riscos posteriores e melhora adesão ao seguimento médico.

Boas práticas após o evento emergencial

Depois da emergência, recomenda-se uma etapa de revisão e aprendizado interno:

  • registrar o evento de forma completa no prontuário;
  • repor imediatamente medicamentos e materiais usados do kit;
  • verificar funcionamento de oxigênio, AMBU e DEA (se houver) após o uso;
  • reunir a equipe para discutir o que funcionou e o que precisa de ajuste no protocolo;

·         orientar o paciente sobre acompanhamento médico e registrar recomendações.

Essa rotina de “pós-evento” transforma emergências em oportunidades de melhoria contínua e aumenta a segurança futura do consultório.

Referências bibliográficas

American Dental Association. Emergency protocol in the dental clinic e recomendações de drogas essenciais para consultórios odontológicos. Journal of the American Dental Association, 2022.

Greenwood M, Meechan JG. Management of specific medical emergencies in dental practice. British Dental Journal, 2023.

Haas DA. Preparing for Medical Emergencies: The Essential Drugs and Equipment for Dental Practice. Journal of the American Dental Association, 2009.

Resuscitation Council UK. Quality Standards: Primary dental care e lista de equipamentos/medicamentos para emergências em odontologia. 2024.

Emergency Drugs and Equipment in Primary Dental Care. Scottish Government/National Dental Advisory Committee, 2024.

Adrenaline in Emergency Drug Kits. Orientações sobre obrigatoriedade e apresentação de adrenalina 1:1000 em kits odontológicos. 2023.

Conselho Federal de Odontologia. Normas éticas e deveres do cirurgião-dentista no cuidado ao paciente e na documentação clínica. 2024–2025.

Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial. Intercorrências médicas no consultório odontológico e responsabilidades profissionais. 2010.

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