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Básico em Urgência e Emergência na Odontologia

 BÁSICO EM URGÊNCIA E EMERGÊNCIA NA ODONTOLOGIA

 Fundamentos e Prevenção de Emergências no Consultório 

Conceitos básicos e avaliação do paciente

 

A prática odontológica ocorre em um ambiente ambulatorial, mas envolve intervenções que podem desencadear reações sistêmicas importantes. Procedimentos como anestesia local, cirurgias orais, controle de infecção, uso de vasoconstritores e o próprio estresse do atendimento podem precipitar eventos agudos em pacientes susceptíveis. Emergências médicas no consultório são consideradas uma realidade inevitável, ainda que muitas sejam preveníveis com avaliação adequada e prontidão da equipe. A avaliação do paciente deve ser entendida como processo contínuo: começa na primeira consulta, mas precisa ser atualizada a cada atendimento, pois o estado de saúde, medicações e riscos mudam ao longo do tempo. Nesse sentido, a prevenção de intercorrências depende de três pilares: anamnese dirigida, estratificação de risco clínico e monitoramento de sinais vitais antes e durante procedimentos selecionados.

Diferença entre urgência e emergência na odontologia

A distinção conceitual entre urgência e emergência orienta a prioridade clínica e o tipo de resposta necessária:

  • Urgência odontológica refere-se a condição que exige atendimento rápido para aliviar dor intensa, conter infecção ou evitar piora funcional, sem ameaça imediata à vida. Exemplos comuns incluem dor aguda pulpar, abscesso dentoalveolar localizado, fraturas dentárias, pericoronarite, alveolite e traumas sem comprometimento sistêmico.
  • Emergência médica na odontologia é a situação com risco iminente de morte ou dano grave a órgãos vitais, demandando intervenção imediata para estabilização. Inclui eventos como síncope prolongada com perda de consciência, obstrução de vias aéreas, broncoespasmo severo, hipoglicemia grave, anafilaxia, convulsão, suspeita de infarto agudo do miocárdio ou AVC.

Na prática, urgência pede rapidez terapêutica focada na causa odontológica; emergência exige estabilização sistêmica e acionamento de suporte avançado quando necessário.

Frequência e relevância clínica das emergências no consultório

Embora muitos profissionais percebam emergências como raras, pesquisas com clínicas e cirurgiões-dentistas mostram que elas ocorrem com regularidade ao longo da carreira, especialmente em atendimentos de rotina e procedimentos sob estresse. Levantamentos em serviços odontológicos

relatam que a maioria dos profissionais presencia ao menos um episódio emergencial em sua prática, com destaque para síncope vasovagal, hipoglicemia, reações alérgicas, broncoespasmo e crises hipertensivas.

A relevância clínica é alta porque:

  • os quadros podem evoluir rapidamente para risco vital se não reconhecidos cedo;
  • eventos adversos têm impacto direto sobre a segurança do paciente e sobre a responsabilidade ética e legal do dentista;
  • o envelhecimento populacional e a alta prevalência de doenças crônicas controladas ampliam o risco de intercorrências no consultório.

Portanto, a ocorrência não é extraordinária; é uma possibilidade real que precisa ser antecipada no planejamento clínico.

Anamnese dirigida para risco médico

A anamnese é a principal ferramenta preventiva de emergências. Para ser efetiva, deve ser dirigida ao risco, isto é, com perguntas específicas que identifiquem doenças ativas, controle clínico e potenciais gatilhos de eventos agudos.

Pontos essenciais a investigar:

  • Doenças cardiovasculares: hipertensão, angina, infarto prévio, insuficiência cardíaca, arritmias, valvopatias.
  • Doenças respiratórias: asma, DPOC, alergias respiratórias, histórico de broncoespasmo.
  • Doenças metabólicas/endócrinas: diabetes, distúrbios tireoidianos, insuficiência adrenal.
  • Condições neurológicas: epilepsia, AVC prévio, enxaqueca com aura, distúrbios de consciência.
  • Histórico de emergências: síncopes anteriores, crises alérgicas graves, internações recentes.
  • Hábitos e uso de substâncias: tabagismo, álcool, drogas ilícitas, automedicação.

A coleta deve incluir tempo de diagnóstico, gravidade, tratamento atual, adesão e eventos recentes, pois essas variáveis mudam o risco real. Também é recomendável registrar o contato de médico assistente quando o caso exigir comunicação interdisciplinar.

Classificação ASA e implicações clínicas

A Classificação de Estado Físico ASA, da American Society of Anesthesiologists, é um sistema padronizado para estratificar risco sistêmico e comunicar a condição do paciente antes de procedimentos. Embora criada para anestesia, é amplamente usada em odontologia para planejamento e segurança clínica.

Categorias mais frequentes em consultório:

  • ASA I: paciente saudável, sem doença sistêmica.
  • ASA II: doença sistêmica leve ou bem controlada (ex.: hipertensão controlada, diabetes controlado, asma leve, gestação).
  • ASA III: doença
  • doença sistêmica severa que limita atividades (ex.: angina estável, DPOC moderada, diabetes mal controlado, hipertensão resistente).

Implicações clínicas principais:

  • quanto maior a classe ASA, maior a chance de intercorrências durante anestesia, estresse ou procedimentos invasivos;
  • pacientes ASA II e III frequentemente exigem redução de estresse, consultas mais curtas, monitorização de sinais vitais e revisão cuidadosa de medicações;
  • em ASA III, pode ser necessária avaliação médica prévia, ajuste de fármacos e definição clara de ambiente de atendimento (consultório vs. hospital). 

Identificação de fatores de risco: idade, comorbidades, uso de medicamentos, alergias

O risco emergencial no consultório resulta da soma de fatores individuais com o contexto do procedimento.

  • Idade
    • Idosos: maior prevalência de cardiopatias, fragilidade autonômica e polifarmácia, com risco aumentado de síncope, alteração pressórica e eventos cardiovasculares.
    • Crianças e adolescentes: maior chance de broncoespasmo, respostas vagais intensas e ansiedade aguda.
  • Comorbidades
    Hipertensão, doença coronariana, insuficiência cardíaca, diabetes, epilepsia, asma/DPOC, doenças renais/hepáticas e transtornos de ansiedade são as mais associadas às emergências em odontologia.
  • Uso de medicamentos
    • Anticoagulantes/antiagregantes: risco hemorrágico e necessidade de planejamento hemostático.
    • Betabloqueadores: podem alterar resposta a vasoconstritores adrenérgicos.
    • Hipoglicemiantes/insulina: aumentam risco de hipoglicemia em consultas longas ou em jejum.
    • Corticoides crônicos: risco de insuficiência adrenal relativa em estresse cirúrgico.
    • Ansiolíticos, antidepressivos, anticonvulsivantes: interferem em sedação, pressão, frequência cardíaca e estado de consciência.
  • Alergias
    Histórico de alergia a anestésicos locais, antibióticos, anti-inflamatórios, látex ou materiais resinosos deve ser considerado com seriedade, porque reações podem variar de urticária simples até anafilaxia rápida.

A integração desses fatores orienta decisões como escolha da técnica anestésica, uso de vasoconstritor, necessidade de pré-medicação, horário de atendimento e nível de monitorização.

Sinais vitais: pressão arterial, pulso, frequência respiratória, temperatura, saturação de O₂

Os sinais vitais são medidas objetivas do estado fisiológico e

sinais vitais são medidas objetivas do estado fisiológico e ajudam a detectar risco ainda assintomático. No consultório odontológico, seu registro contribui para prevenção, decisão de continuidade/adiamento de procedimento e manejo inicial de intercorrências.

·        Pressão arterial (PA): indica estabilidade hemodinâmica e risco cardiovascular agudo.

  • Pulso/Frequência cardíaca: revela resposta ao estresse, dor, hipoglicemia e arritmias.
  • Frequência respiratória (FR): sinal precoce de ansiedade, hiperventilação ou broncoespasmo.
  • Temperatura: útil para detectar quadro infeccioso sistêmico ou febre aguda.
  • Saturação periférica de oxigênio (SpO₂): indica oxigenação e capacidade ventilatória, muito relevante em crises respiratórias ou sedação.

Aferir sinais vitais é especialmente indicado em pacientes ASA II/III, em cirurgias, em atendimentos longos, em uso de sedação e sempre que houver queixa sistêmica.

Valores de referência e alterações comuns

Os valores a seguir são referências gerais para adultos em repouso; devem ser interpretados conforme idade, comorbidades e contexto clínico.

  • Pressão arterial: ideal abaixo de 120/80 mmHg; valores persistentemente ≥140/90 mmHg sugerem hipertensão não controlada; picos agudos podem ocorrer por dor ou ansiedade.
  • Pulso/Frequência cardíaca: normalmente 60–100 bpm; taquicardia pode indicar ansiedade, dor, hipoglicemia ou reação medicamentosa; bradicardia pode acompanhar síncope vasovagal.
  • Frequência respiratória: 12–20 irpm; aumento súbito é comum na hiperventilação por pânico; FR reduzida pode ocorrer em sedação excessiva ou depressão respiratória.
  • Temperatura: cerca de 36,0–37,5 °C; febre sugere infecção ativa e pode indicar necessidade de adiar procedimentos eletivos.
  • SpO₂: geralmente ≥95%; queda abaixo de 94% durante atendimento sugere broncoespasmo, obstrução de vias aéreas, hipoventilação ou efeito de sedação.

Alterações comuns no consultório e seus significados prováveis:

  • Hipertensão transitória: estresse, dor, vasoconstritor, medo; requer pausa, controle de dor/ansiedade e reavaliação.
  • Hipotensão + palidez/sudorese: típica de síncope vasovagal; exige interrupção do procedimento e posição supina com pernas elevadas.
  • Taquicardia + tremor/sudorese: pode ser hipoglicemia inicial; avaliar prontamente e oferecer glicose se consciente.
  • Dispneia + sibilos + SpO₂ em queda:
  • sugere crise asmática/broncoespasmo; iniciar broncodilatador e oxigênio.
  • Respiração rápida, sem queda de SpO₂, com formigamento: padrão de hiperventilação por ansiedade.

O reconhecimento precoce dessas alterações reduz a probabilidade de progressão para emergência grave.

Referências bibliográficas

American Society of Anesthesiologists. Statement on ASA Physical Status Classification System. Última revisão: 13 dez. 2020.

Clough S, Shehabi Z, Morgan C. Medical risk assessment in dentistry: use of the American Society of Anesthesiologists Physical Status Classification System. British Dental Journal. 2016.

Yarmohammadi S et al. Emergency protocol in the dental clinic. Journal of the American Dental Association (JADA). 2022.

Rodrigues L et al. Emergências médicas em medicina dentária: prevalência e capacidade de resposta do profissional. Revista Portuguesa de Estomatologia, Medicina Dentária e Cirurgia Maxilofacial. 2012.

Narayan A, Shenoy N. Medical emergencies in dentistry: a review. Journal of Health Sciences & Research. 2021.

American Dental Association. What Constitutes a Dental Emergency? ADA Guidance. 2020–2023.

Johns Hopkins Medicine. Vital Signs (Body Temperature, Pulse, Respiration Rate, Blood Pressure). 2024.

Leader D. Normal Vital Signs for Adults and How to Measure Them. Verywell Health. Atualizado em 30 nov. 2024.


Preparação do consultório e protocolos de segurança

 

A possibilidade de ocorrer uma emergência médica durante o atendimento odontológico é reconhecida por diretrizes internacionais e pela literatura clínica como inerente à prática. Por isso, a preparação do consultório não é um complemento, mas parte do cuidado padrão. Essa preparação envolve planejamento prévio, organização do ambiente, protocolos escritos, treinamento da equipe, comunicação externa eficiente e disponibilidade imediata de recursos para suporte básico de vida e para o manejo das intercorrências mais prováveis. Organizações como a American Dental Association e o Resuscitation Council do Reino Unido enfatizam que resultados favoráveis dependem de resposta rápida nos primeiros minutos, o que exige estrutura e rotinas bem definidas.

Organização do ambiente para prevenção de incidentes

O ambiente clínico precisa ser pensado para prevenir eventos e, se eles acontecerem, permitir intervenção sem atrasos. Isso envolve manter a cadeira odontológica em condições de reclinar rapidamente, permitir fácil acesso à região torácica e à cabeça

do para prevenir eventos e, se eles acontecerem, permitir intervenção sem atrasos. Isso envolve manter a cadeira odontológica em condições de reclinar rapidamente, permitir fácil acesso à região torácica e à cabeça do paciente e garantir espaço livre para circulação da equipe durante manobras de suporte básico de vida. Também é recomendado que rotas internas e saídas estejam desobstruídas, facilitando a entrada de socorristas e eventual remoção do paciente. A literatura assinala que o simples fato de o equipamento de emergência estar distante ou guardado em local pouco acessível amplia o tempo de resposta e piora prognóstico em quadros críticos.

Além da logística física, a prevenção depende de rotinas que reduzem gatilhos. Consultas excessivamente longas, espera prolongada, dor mal controlada e mudanças posturais bruscas favorecem síncope, picos hipertensivos e hiperventilação. Assim, controle de estresse, analgesia eficaz e condução humanizada são componentes ambientais de segurança.

Protocolos padrão de atendimento emergencial

Protocolos padronizados servem para que, diante do estresse de uma intercorrência, a equipe execute uma sequência conhecida e testada. Documentos de orientação clínica recomendam que todo consultório possua um plano de ação escrito para emergências, com etapas simples: interromper o procedimento, acionar ajuda interna, avaliar rapidamente o paciente (incluindo vias aéreas, respiração e circulação), iniciar suporte básico de vida quando indicado, administrar fármacos essenciais de acordo com o quadro suspeito e acionar o serviço de emergência.

Os protocolos devem ser realistas e compatíveis com a estrutura do consultório, priorizando eventos mais comuns na odontologia (síncope, hipoglicemia, broncoespasmo, reação alérgica/anafilaxia, convulsão, dor torácica). A padronização reduz erros de omissão e evita conflitos de decisão entre membros da equipe.

Funções da equipe durante intercorrências

A atuação coordenada depende de papéis previamente atribuídos. Recomendações para atenção primária odontológica indicam que a equipe deve treinar para que cada integrante saiba exatamente o que fazer ao surgir uma emergência.

Em termos práticos, costuma-se organizar assim:

  • Liderança clínica (cirurgião-dentista): reconhece o evento, comanda o protocolo, faz avaliação primária, decide intervenções e uso de medicamentos, inicia ou orienta suporte básico de vida.
  • Assistência clínica (ASB/TSB/higienista): busca kit de
  • emergência e oxigênio, prepara equipamentos (AMBU, cânulas, oxímetro), auxilia no posicionamento do paciente e na RCP se necessária.
  • Apoio administrativo/recepção: aciona SAMU/resgate, garante acesso ao local, orienta familiares/acompanhantes e organiza documentação.

A literatura de treinamento em emergências aponta que a definição de funções diminui o tempo de intervenção e reduz a chance de alguém “fazer tudo” enquanto outras tarefas críticas ficam sem execução.

Comunicação com o serviço de emergência (SAMU/Resgate)

A comunicação externa precisa ser rápida, organizada e objetiva. Diretrizes sugerem que o consultório mantenha telefones de emergência afixados em locais visíveis e que mais de um membro saiba realizar a chamada, evitando dependência de uma única pessoa.

Durante o contato com o resgate, a equipe deve informar claramente local, tipo de evento suspeito e estado atual do paciente (consciência, respiração, pulso, sinais vitais quando disponíveis), além das medidas já iniciadas. Essa síntese melhora a triagem do chamado e antecipa a preparação do time de suporte avançado. Em emergências tempo-dependentes, como anafilaxia ou evento cardiovascular agudo, essa precisão pode ser decisiva.

Estrutura mínima recomendada para atendimento de urgência

A estrutura mínima em consultório odontológico visa manter o paciente ventilado e perfundido até a chegada do suporte avançado. Guias do Resuscitation Council e referências clínicas convergem para a necessidade de:

  • Oxigênio medicinal com fluxômetro e interfaces (máscaras).
  • Bolsa-válvula-máscara (AMBU) para ventilação assistida.
  • Sistema de sucção/aspiração funcional para manejo de secreções ou corpo estranho.
  • Aparelhos de monitorização básica, ao menos esfigmomanômetro, estetoscópio e oxímetro de pulso.
  • Dispositivo Externo Automático (DEA) quando disponível, por ser a intervenção mais efetiva em parada cardíaca por fibrilação ventricular e cada vez mais recomendado para ambientes ambulatoriais.

A presença desses itens é reforçada por diretrizes que consideram o consultório responsável pela estabilização inicial em qualquer intercorrência médica.

Kit de emergência odontológica: materiais e medicamentos essenciais

O kit de emergência é um conjunto de materiais e fármacos voltado ao manejo imediato dos eventos mais prováveis. Diretrizes profissionais indicam que ele deve estar disponível em todos os ambientes clínicos odontológicos,

independentemente do porte do serviço.

Materiais essenciais costumam incluir recursos para via aérea, ventilação e circulação: oxigênio, AMBU, cânulas orofaríngeas/nasofaríngeas, seringas e agulhas, material para controle de sangramento, oxímetro e manguito de pressão arterial. Quando disponível, o DEA integra o kit ampliado.

Medicamentos essenciais recomendados para atenção básica odontológica abrangem:

  • Adrenalina (epinefrina): tratamento imediato da anafilaxia.
  • Broncodilatador beta-2 em spray (salbutamol/albuterol): crises asmáticas ou broncoespasmo.
  • Antialérgico/anti-histamínico (ex.: difenidramina ou equivalente): reações alérgicas não anafiláticas.
  • Glicose oral ou gel de glicose: hipoglicemia em paciente consciente.
  • Ácido acetilsalicílico (AAS): suspeita de síndrome coronariana aguda, quando não contraindicado.
  • Nitroglicerina: para angina em pacientes com diagnóstico prévio e prescrição conhecida.
  • Benzodiazepínico (ex.: diazepam ou midazolam): convulsão prolongada, conforme treinamento do profissional.
    Algumas diretrizes recentes também citam naloxona em serviços que lidam com risco de depressão respiratória por opioides, mas sua inclusão depende do perfil de atendimento.

A composição do kit pode variar por legislação local, mas o princípio é garantir resposta inicial para as emergências mais frequentes e mais graves no consultório dental.

Manutenção, validade e checagem periódica do kit

A efetividade do kit depende de manutenção contínua. Guias clínicos recomendam checagens rotineiras com listas de verificação, garantindo que medicamentos estejam dentro do prazo, em bom estado de armazenamento, e que equipamentos funcionem adequadamente. Também se orienta reposição imediata após uso, e revisão periódica conforme mudanças nos protocolos ou no perfil de pacientes atendidos.

Pontos críticos de manutenção incluem:

  • inspeção regular de cilindros e fluxo de oxigênio;
  • verificação do AMBU, máscaras e cânulas;
  • checagem de baterias e autotestes do DEA, quando presente;
  • controle antecipado de vencimento de medicações;
  • armazenamento organizado para acesso em segundos.

A literatura ressalta que muitos insucessos em emergências odontológicas decorrem não da ausência de conhecimento, mas de falhas logísticas como itens vencidos ou inacessíveis.

Referências bibliográficas

American Dental Association. Medical Emergencies in the Dental Office.

Atualizações contínuas sobre plano de ação, preparo do consultório e fármacos essenciais.

Resuscitation Council UK. Quality Standards for Primary Dental Care. Lista de equipamentos de ressuscitação e recomendações de treinamento anual.

General Dental Council. Medical Emergencies: Guidance for Dental Professionals. Recomendações obrigatórias de kit de drogas e prontidão de equipe.

Care Quality Commission. Dental Mythbuster: Drugs and Equipment for a Medical Emergency. Relação de medicamentos e equipamentos essenciais e recomendados.

Yarmohammadi S, et al. Emergency protocol in the dental clinic: preparedness, organização e manutenção de kits. Journal of the American Dental Association. 2022.

Haas DA. Preparing for Medical Emergencies: The Essential Drugs and Equipment for Dental Practice. Materiais, fármacos e logística de resposta em consultório odontológico. 2010.

Best Practices in Training and Preparedness for Medical Emergencies in Dentistry. Ênfase em treinamento de equipe, protocolos e resposta nos primeiros minutos. 2024.


Avaliação primária do paciente: protocolo ABCDE

 

O protocolo ABCDE é uma sequência sistemática para avaliação e tratamento inicial de pacientes críticos. Ele organiza prioridades em ordem de ameaça à vida: via aérea (Airway), respiração (Breathing), circulação (Circulation), avaliação neurológica rápida (Disability) e exposição/exame geral (Exposure). Sua lógica central é identificar e corrigir problemas potencialmente fatais antes de avançar para a etapa seguinte, reavaliando continuamente desde o início se houver piora.

No consultório odontológico, o ABCDE é especialmente útil porque as emergências mais comuns (síncope, broncoespasmo, hipoglicemia, anafilaxia, convulsão, suspeita cardiovascular) afetam direta ou indiretamente os três primeiros eixos. A aplicação prática costuma seguir este raciocínio:

  • A (Via aérea): verificar se o paciente fala ou emite sons, observar presença de vômito, sangue, secreções ou corpo estranho. Obstruções podem ser súbitas em aspiração de materiais, edema alérgico ou queda de língua em inconsciência.
  • B (Respiração): observar expansibilidade torácica, frequência e esforço respiratório, presença de chiado, cianose ou queda de saturação se oxímetro estiver disponível.
  • C (Circulação): palpar pulso, medir pressão arterial quando possível, observar palidez, sudorese, tempo de enchimento capilar e sinais de choque.
  • D (Disability):
  • checar nível de consciência (alerta, responde à voz, à dor ou inconsciente), pupilas e sinais de convulsão ou déficit neurológico agudo.
  • E (Exposição): examinar rapidamente pele e mucosas para rash alérgico, edema, sangramento, trauma ou sinais sistêmicos relevantes, mantendo controle térmico e privacidade.

Essa estrutura reduz omissões, ajuda na decisão de acionar resgate e orienta a intervenção inicial enquanto a equipe organiza materiais.

Reconhecimento de risco imediato de vida

O risco imediato de vida costuma estar associado a falha ventilatória ou circulatória. Assim, sinais de alerta que exigem ação imediata incluem: ausência de resposta ou rebaixamento progressivo da consciência, respiração ausente ou agônica, obstrução evidente de vias aéreas, cianose, saturação baixa persistente, pulso ausente ou extremamente lento/irregular associado a instabilidade, dor torácica intensa com sudorese e mal-estar súbito, sinais típicos de anafilaxia (edema de face/laringe, broncoespasmo, hipotensão) e convulsão prolongada. Diretrizes recentes enfatizam que reconhecer precocemente esses sinais e iniciar suporte básico imediatamente aumenta de forma substancial a chance de sobrevivência.

Manejo inicial das vias aéreas no consultório

O manejo inicial da via aérea é prioritário porque a hipóxia é uma das vias finais mais rápidas para parada cardiorrespiratória. Em odontologia, riscos específicos incluem aspiração de corpos estranhos (instrumentos, fragmentos dentários, gaze), obstrução por secreções ou sangue, broncoespasmo grave, edema alérgico e queda da língua em pacientes inconscientes.

As medidas iniciais recomendadas em SBV são simples e escalonadas:

1.     Reconhecer obstrução: tosse ineficaz, dificuldade para falar/respirar, ruídos inspiratórios agudos, ausência de movimento torácico.

2.     Abrir via aérea: em paciente inconsciente sem suspeita de trauma, realizar extensão suave da cabeça e elevação do queixo; se houver suspeita de trauma, priorizar elevação do queixo com menor mobilização cervical.

3.     Remover obstruções visíveis: aspirar secreções, retirar corpos estranhos acessíveis com pinça, sem varredura digital “às cegas”.

4.     Uso de cânulas orofaríngeas/nasofaríngeas quando disponíveis e com treinamento, para manter patência em inconsciência.

5.     Oxigênio suplementar deve ser iniciado assim que houver sinais de insuficiência respiratória ou queda de saturação, pois melhora a reserva de O₂ enquanto outras

ações são tomadas.

Posição de segurança e suporte ventilatório básico

Quando o paciente apresenta rebaixamento de consciência, mas mantém respiração espontânea eficaz, a posição lateral de segurança é indicada para reduzir risco de aspiração de secreções ou vômito e manter via aérea mais estável. No consultório, isso pode ser feito reclinando a cadeira e realizando rotação lateral cuidadosa do paciente, com apoio da equipe.

Se a respiração estiver ausente ou inadequada, inicia-se ventilação de resgate com bolsa-válvula-máscara (AMBU) e oxigênio, quando disponível. O ponto crítico é garantir selo adequado da máscara e observação de elevação torácica.

Em ambiente odontológico, essa etapa pode ser dificultada pelo posicionamento da cadeira, por saliva/sangue ou por barreiras de acesso à face; por isso a antecipação logística e o treinamento em equipe são determinantes.

Parada cardiorrespiratória: reconhecimento e conduta

A parada cardiorrespiratória (PCR) deve ser reconhecida rapidamente para que compressões torácicas e desfibrilação não atrasem. Os critérios atualizados das diretrizes de SBV indicam suspeitar de PCR quando há inconsciência associada à ausência de respiração normal (respiração agônica conta como ausência) e, para profissionais de saúde, ausência de pulso central em até 10 segundos de avaliação.

A sequência imediata é: chamar ajuda, acionar o serviço de emergência, solicitar o DEA, iniciar compressões torácicas de alta qualidade e alternar com ventilações se houver equipe treinada e recursos. O papel do consultório é iniciar SBV sem retardar pelo medo de errar; atrasos de minutos reduzem drasticamente a chance de retorno à circulação espontânea.

RCP em adultos no consultório odontológico

A Ressuscitação Cardiopulmonar (RCP) em adultos segue o padrão internacional das diretrizes de 2025. O foco é compressões rápidas, profundas e contínuas, minimizando interrupções. Os principais pontos técnicos incluem:

  • posicionar o paciente em superfície firme; se estiver na cadeira, reclinar totalmente e, se possível, transferir para o chão com auxílio, desde que isso não atrase compressões;
  • mãos sobre o centro do tórax (metade inferior do esterno);
  • frequência de 100 a 120 compressões por minuto;
  • profundidade de 5 a 6 cm;
  • permitir retorno completo do tórax após cada compressão;
  • evitar pausas maiores que 10 segundos;
  • se houver ventilação assistida, usar proporção 30 compressões para 2
  • ventilações, com elevação torácica visível; se a equipe não estiver preparada para ventilar, manter compressões contínuas até chegada do DEA ou suporte avançado.

No consultório odontológico, duas particularidades são frequentemente destacadas: a necessidade de interromper imediatamente o procedimento e remover instrumentos da boca, e a importância de reposicionar a cabeça/pescoço para manter via aérea durante as ventilações. Quando há mais de um socorrista, recomenda-se revezar o compressor a cada cerca de dois minutos para manter qualidade.

Uso do DEA: princípios e etapas

O DEA é a intervenção que mais aumenta a sobrevida em PCR por ritmos chocáveis (fibrilação ventricular ou taquicardia ventricular sem pulso). Diretrizes de 2025 reforçam o uso precoce do DEA assim que disponível, sem interromper compressões além do necessário para análise e choque.

Os princípios são simples: o aparelho guia o socorrista e só aplica choque quando indicado. As etapas usuais são:

1.     Ligar o DEA imediatamente ao chegar.

2.     Expor o tórax, secando umidade excessiva; remover adesivos transdérmicos se houver.

3.     Colocar as pás adesivas conforme desenho do próprio dispositivo (uma abaixo da clavícula direita, outra na região lateral esquerda abaixo da axila).

4.     Manter compressões enquanto as pás são posicionadas, interrompendo apenas quando o DEA solicitar “afastar para analisar”.

5.     Durante a análise, garantir que ninguém toque o paciente.

6.     Se choque indicado, afastar todos, aplicar o choque e retomar compressões imediatamente por cerca de dois minutos antes de nova análise.

7.     Se choque não indicado, continuar RCP e seguir as instruções do dispositivo.

No consultório odontológico, a presença do DEA é cada vez mais recomendada para clínicas, especialmente as que atendem população idosa, pacientes com comorbidades ou realizam sedação. Além do equipamento, a efetividade depende de treinamento regular da equipe para reduzir hesitação e atrasos.

Referências bibliográficas

American Heart Association. 2025 American Heart Association Guidelines for CPR and Emergency Cardiovascular Care. Circulation, 2025.

European Resuscitation Council. European Resuscitation Council Guidelines 2025: Adult Basic Life Support. Resuscitation, 2025.

International Liaison Committee on Resuscitation (ILCOR). Adult Basic Life Support 2025 CoSTR (Consensus on Science with Treatment Recommendations). 2025.

Resuscitation Council UK. Adult Basic

Life Support Guidelines 2025. 2025.

Resuscitation Council UK. The ABCDE Approach: Initial assessment and treatment of the critically ill patient. 2023–2025.

Resuscitation Council UK. Quality Standards: Primary Dental Care. Recomendações de SBV para equipes odontológicas. 2024–2025.

Warwickshire Local Dental Committee. The ABCDE approach to the sick patient (aplicações em ambiente odontológico). 2012

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