Aplicações da Justiça Restaurativa em Escolas: Prevenção e
Resolução de Conflitos
O ambiente escolar é, por excelência, um espaço de
convivência, diversidade e formação integral dos sujeitos. No entanto, também é
palco de conflitos interpessoais, comportamentos inadequados e situações de
violência simbólica e física. Diante da ineficácia de práticas punitivas
tradicionais, como advertências, suspensões e expulsões — que frequentemente
reforçam a exclusão —, ganha força a adoção de abordagens educativas, restaurativas e dialógicas para a gestão de conflitos
escolares.
A Justiça
Restaurativa, nesse contexto, vem sendo reconhecida como uma alternativa
eficaz e humanizadora. Fundamentada em princípios como responsabilização
voluntária, escuta ativa, reparação de danos e reconstrução de vínculos, ela
oferece ferramentas concretas para a
prevenção de conflitos e o fortalecimento da cultura de paz no espaço escolar.
Este texto explora os fundamentos, estratégias, práticas e benefícios da
aplicação da Justiça Restaurativa nas escolas, com base em estudos de caso,
literatura especializada e experiências já consolidadas no Brasil e em outros
países.
A abordagem restaurativa propõe uma mudança no olhar sobre
o conflito escolar. Ao invés de focar apenas na infração e na punição do
infrator, busca compreender o conflito como uma ruptura relacional que afeta todos os envolvidos: vítima, autor e
comunidade escolar. A Justiça Restaurativa visa restaurar essas relações e
criar oportunidades de aprendizado e transformação.
Segundo Zehr (2002), um dos precursores da Justiça
Restaurativa, “o crime é uma violação de pessoas e relacionamentos” — princípio
que pode ser ampliado para o contexto educacional. Assim, o foco se desloca da
pergunta “qual regra foi quebrada e qual punição aplicar?” para “quem foi
afetado, quais são as necessidades e como reparar o dano?”
As práticas restaurativas escolares se baseiam nos
seguintes princípios:
•
Diálogo
genuíno entre os envolvidos.
•
Participação
ativa de estudantes, professores e demais membros da comunidade.
•
Escuta
empática e validação dos sentimentos.
• Responsabilização voluntária.
• Reparação do dano causado.
• Fortalecimento da convivência e do senso de
pertencimento.
Esses princípios estão em consonância com os ideais de uma
educação democrática, que valoriza a
autonomia, o respeito e a corresponsabilidade (FREIRE, 1996).
A prevenção de conflitos nas escolas não depende apenas de
normas disciplinares, mas do fortalecimento de uma cultura institucional pautada na paz e na convivência respeitosa.
Práticas restaurativas contribuem para a criação dessa cultura ao fomentar o
diálogo, a empatia e a cooperação cotidiana.
Os círculos
restaurativos de construção de paz são encontros periódicos realizados com
estudantes, educadores ou grupos mistos, com o objetivo de:
• Fortalecer
vínculos interpessoais.
• Promover
a escuta ativa.
• Trabalhar
valores como solidariedade, empatia e respeito.
• Prevenir
mal-entendidos e disputas.
Esses círculos não se destinam apenas à resolução de
problemas, mas à construção de um
ambiente emocionalmente seguro. Segundo Pranis (2005), “círculos regulares
constroem confiança, e a confiança previne conflitos”.
Além dos círculos, outras práticas restaurativas podem ser
integradas ao cotidiano escolar:
• Rodas de conversa em sala de aula.
• Assembleias escolares participativas.
•
Projetos
de mediação entre pares (alunos treinados para facilitar diálogos entre
colegas).
• Espaços de escuta e acolhimento emocional.
Tais estratégias fortalecem a autonomia dos alunos,
previnem a escalada de pequenos conflitos e promovem a construção coletiva de
normas de convivência.
Quando ocorre um conflito mais sério — como agressões
verbais, brigas físicas ou desrespeito a professores —, a escola pode utilizar círculos restaurativos reativos. Esses
encontros reúnem as partes envolvidas (alunos, professores, famílias), com a
mediação de um facilitador, para dialogar sobre:
• O
que aconteceu.
• Como
cada um foi afetado.
• Quais
são as necessidades de cada parte.
• O
que pode ser feito para reparar os danos e reconstruir os vínculos.
Esses círculos substituem ou complementam as sanções
disciplinares, promovendo reflexão,
responsabilização e reconciliação.
A conferência restaurativa é uma metodologia estruturada, indicada para casos mais complexos, em que há necessidade de
envolver várias pessoas ou instituições.
Ela segue etapas como:
• Preparação
individual com as partes.
• Encontro
coletivo com vítima, autor do dano e suas redes de apoio.
• Construção
de um plano de ação restaurativa.
• Acompanhamento
do cumprimento dos compromissos.
Essa prática tem sido utilizada com sucesso em casos de
bullying, vandalismo, furtos e outros comportamentos desafiadores.
A mediação
restaurativa é uma conversa facilitada entre duas ou mais pessoas em
conflito. Diferente da mediação tradicional, tem foco não apenas no acordo, mas
na reconstrução da relação. A escuta
empática, a validação dos sentimentos e o mapeamento das necessidades são
elementos centrais.
Essa técnica é eficaz para conflitos interpessoais entre
colegas, professores e estudantes ou entre alunos e famílias.
Estudos realizados em escolas que aplicam práticas
restaurativas mostram uma significativa redução de ocorrências como:
• Brigas
e agressões.
• Casos
de bullying.
• Danos
ao patrimônio.
• Suspensões
e expulsões.
Em São Caetano do Sul (SP), onde as práticas restaurativas
foram institucionalizadas como política pública educacional, houve uma redução de até 70% nas ocorrências
disciplinares (ARAUJO & SANTOS, 2015).
A prática constante de círculos e rodas de conversa
favorece um ambiente de confiança e
escuta, no qual os alunos se sentem respeitados e acolhidos. Isso gera:
• Aumento
do engajamento dos estudantes.
• Fortalecimento
do vínculo professor-aluno.
• Maior
motivação para o aprendizado.
Participar de práticas restaurativas ajuda os estudantes a
desenvolverem competências socioemocionais, como:
• Autorregulação.
• Empatia.
• Comunicação
não violenta.
• Responsabilidade
ética.
• Resolução
colaborativa de problemas.
Essas habilidades são fundamentais para a vida pessoal,
acadêmica e profissional.
Outro benefício importante é o desenvolvimento profissional dos educadores, que aprendem a lidar com os conflitos de maneira mais dialógica, evitando reações autoritárias ou punitivas. A formação em Justiça Restaurativa fortalece a autoestima docente, reduz o estresse e melhora a relação com os
alunos.
A aplicação da Justiça Restaurativa nas escolas representa
uma poderosa alternativa às práticas disciplinares tradicionais, que muitas
vezes são ineficazes e excludentes. Ao promover o diálogo, a escuta e a
corresponsabilidade, as práticas restaurativas fortalecem a convivência
democrática e o desenvolvimento integral dos estudantes.
A implementação bem-sucedida dessas práticas depende da formação contínua de professores e equipes
gestoras, do envolvimento da comunidade escolar e do compromisso com uma
cultura de paz e justiça. Mais do que uma técnica, a Justiça Restaurativa nas
escolas é uma filosofia de educação
humanizadora, que reconhece o conflito como oportunidade de crescimento e
as relações como eixo central do processo educativo.
Com base em experiências bem-sucedidas no Brasil e em
outros países, fica evidente que investir em práticas restaurativas é investir
em uma escola mais justa, inclusiva e transformadora.
ARAUJO, Janice Lins de; SANTOS, Fabíola P. dos. Justiça Restaurativa nas Escolas: uma
proposta para a cultura de paz. São Paulo: Cortez, 2015.
FREIRE,
Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes
necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
PRANIS,
Kay. The Little Book of Circle Processes:
A New/Old Approach to Peacemaking. Intercourse, PA: Good Books, 2005.
ROSENBERG,
Marshall B. Comunicação Não-Violenta:
Técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais. São
Paulo: Ágora, 2006.
ZEHR, Howard. Trocando as Lentes: Um Novo Foco sobre Justiça e seus Conflitos. São Paulo: Palas Athena, 2008.
A convivência escolar tem sido cada vez mais desafiada por
episódios de violência, exclusão, desrespeito e ruptura de vínculos entre os
diferentes sujeitos da comunidade educativa. Tais situações revelam a
necessidade de uma abordagem que vá além das medidas disciplinares punitivas e
que favoreça a construção de relações mais saudáveis, respeitosas e
colaborativas. Nesse cenário, destaca-se a proposta de formação de uma cultura restaurativa escolar,
alicerçada nos princípios da Justiça Restaurativa e na valorização do diálogo,
da escuta ativa, da corresponsabilidade e da reparação de danos.
Mais do que uma técnica de resolução de conflitos, a cultura restaurativa constitui um modo de ser e estar no mundo, que transforma o cotidiano das escolas por meio da criação de
espaços de convivência pautados na empatia, no respeito mútuo e na
cooperação. Sua implementação implica mudanças nos valores, nas práticas
pedagógicas e nos modelos de gestão escolar, exigindo o envolvimento de toda a
comunidade educativa: gestores, professores, alunos, famílias e demais
profissionais da escola.
Este texto explora os fundamentos teóricos, os elementos
estruturantes e as estratégias de construção de uma cultura restaurativa nas
escolas, com base em referências conceituais da área, experiências nacionais e
internacionais e propostas pedagógicas contemporâneas.
Cultura restaurativa pode ser entendida como um conjunto de
valores, atitudes, práticas e relações
que promovem a resolução pacífica de conflitos, a responsabilização ativa, a
escuta empática e a reparação de danos, a partir do reconhecimento da dignidade
de todas as pessoas envolvidas. No contexto escolar, essa cultura se manifesta
por meio de ações intencionais que fortalecem os vínculos entre os sujeitos e
que visam prevenir a violência e favorecer o convívio respeitoso e
colaborativo.
Segundo Pranis (2005), construir uma cultura restaurativa
significa “criar e manter comunidades saudáveis e resilientes”, nas quais o
cuidado com o outro, a partilha de responsabilidades e o compromisso com a
justiça estejam no centro das práticas cotidianas.
A formação de uma cultura restaurativa na escola está
alicerçada nos princípios da Justiça
Restaurativa, que propõe uma mudança de paradigma na forma de lidar com os
conflitos. De acordo com Zehr (2002), a Justiça Restaurativa se baseia na ideia
de que o crime (ou conflito) é uma violação de pessoas e de relações, e não
apenas uma transgressão de regras. Diante disso, busca-se restaurar o
equilíbrio relacional por meio do diálogo, da responsabilização voluntária e da
reparação dos danos causados.
Os principais fundamentos que orientam a cultura
restaurativa são:
• Valorização
da dignidade humana.
• Escuta
ativa e empática.
• Participação
voluntária e significativa.
• Busca
por consenso.
• Compromisso
com a reparação e a reconciliação.
• Inclusão
e pertencimento.
A escola é, essencialmente, um espaço de relações humanas. Mais do que um lugar de transmissão
de relações humanas.
Mais do que um lugar de transmissão de conteúdos, é um ambiente onde se
constroem identidades, vínculos, projetos de vida e formas de ser e conviver.
Ao reconhecer a centralidade das relações no processo educativo, a cultura
restaurativa propõe uma pedagogia do
cuidado, do diálogo e da corresponsabilidade, que transforma a convivência
em oportunidade de aprendizado e crescimento.
Segundo Paulo Freire (1996), não há educação verdadeira sem
diálogo, sem humildade, sem amorosidade e sem confiança mútua. A cultura
restaurativa dialoga profundamente com esse pensamento ao propor uma escola
democrática, em que todos os sujeitos têm voz e são corresponsáveis pela
construção do ambiente escolar.
Uma das mudanças mais significativas trazidas pela cultura
restaurativa é a transição de um modelo disciplinar punitivo para um modelo
educativo e restaurativo. Enquanto o paradigma punitivo foca no castigo e na
exclusão, o restaurativo aposta na responsabilização
consciente, no reconhecimento do dano e na construção de reparações
significativas, que promovam a aprendizagem ética e a reconstrução dos vínculos
rompidos.
Essa mudança exige um novo olhar sobre os comportamentos
inadequados dos alunos: ao invés de rotulá-los como “indisciplinados”,
“problemáticos” ou “irrecuperáveis”, busca-se compreender os contextos, as
histórias e as necessidades que estão por trás dessas atitudes.
O primeiro passo para a construção de uma cultura
restaurativa é a formação continuada de
professores, gestores e demais profissionais da escola, com o objetivo de
desenvolver competências relacionais, comunicacionais e pedagógicas alinhadas
aos princípios restaurativos. Essa formação deve incluir temas como:
• Justiça
Restaurativa e suas aplicações na escola.
• Comunicação
não violenta (Rosenberg, 2006).
• Escuta
ativa e empatia.
• Mediação
e facilitação de círculos.
• Gestão
democrática da convivência.
A formação não deve ser pontual, mas permanente, envolvendo
também espaços de reflexão sobre a prática e de cuidado com os educadores.
Além da formação, é necessário integrar práticas restaurativas ao cotidiano
escolar, de forma sistemática e coerente. Entre as práticas mais comuns,
destacam-se:
• Círculos de
construção de paz:
encontros regulares entre alunos e professores para fortalecimento dos vínculos
e promoção do diálogo.
• Círculos restaurativos reativos:
utilizados para lidar com conflitos específicos e restaurar relações afetadas.
• Mediação de conflitos: conduzida por
facilitadores treinados, com foco na escuta mútua e na construção de acordos.
• Assembleias escolares participativas:
espaços democráticos de deliberação coletiva.
• Projetos de alunos-mediadores: formação
de estudantes para atuarem como agentes de escuta e facilitação de diálogos
entre colegas.
Essas práticas devem ser adaptadas à realidade de cada
escola, respeitando suas características culturais, sociais e institucionais.
A cultura restaurativa não se constrói apenas dentro dos
muros da sala de aula: ela exige o envolvimento
ativo de toda a comunidade escolar, incluindo famílias, funcionários e
parceiros externos. Promover encontros com pais, oficinas comunitárias, rodas
de conversa com conselhos escolares e parcerias com organizações locais são
estratégias eficazes para ampliar o alcance e a legitimidade das práticas
restaurativas.
Segundo Araujo e Santos (2015), o sucesso das experiências
restaurativas depende do sentimento de
pertencimento e da corresponsabilidade de todos os atores envolvidos na
vida escolar.
Uma cultura restaurativa sólida se expressa não apenas na
realização de práticas formais, mas também em atitudes, linguagens, valores e relações cotidianas. Alguns
indicadores de sua presença na escola incluem:
• Redução
de conflitos, suspensões e expulsões.
• Melhoria
do clima escolar e das relações interpessoais.
• Aumento
da participação dos alunos em decisões escolares.
• Maior
motivação e bem-estar entre educadores e estudantes.
• Fortalecimento
dos vínculos entre escola e comunidade.
• Resolução
pacífica de problemas, com protagonismo dos envolvidos.
Esses indicadores devem ser monitorados por meio de
avaliações participativas e registros qualitativos e quantitativos, respeitando
o tempo necessário para a consolidação da cultura restaurativa.
Construir uma cultura restaurativa na escola é um processo contínuo, coletivo e transformador. Requer o comprometimento com uma educação que vá além da transmissão de conteúdos, promovendo valores como escuta, empatia,
responsabilidade e pertencimento. A
partir da valorização das relações humanas e da resolução dialógica dos
conflitos, as escolas se tornam espaços vivos de aprendizagem ética e
convivência democrática.
A experiência brasileira e internacional mostra que, quando
há formação adequada, apoio
institucional e participação comunitária, as práticas restaurativas
contribuem para a redução da violência, o fortalecimento dos vínculos e a
construção de uma cultura de paz.
Mais do que uma metodologia, a cultura restaurativa é uma postura diante da vida, que transforma
a escola em um território de cuidado, justiça e transformação social.
ARAUJO, Janice Lins de; SANTOS, Fabíola P. dos. Justiça Restaurativa nas Escolas: uma
proposta para a cultura de paz. São Paulo: Cortez, 2015.
FREIRE,
Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes
necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
PRANIS,
Kay. The Little Book of Circle Processes:
A New/Old Approach to Peacemaking. Intercourse, PA: Good Books, 2005.
ROSENBERG,
Marshall B. Comunicação Não-Violenta:
Técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais. São
Paulo: Ágora, 2006.
ZEHR,
Howard. Trocando as Lentes: Um Novo Foco
sobre Justiça e seus Conflitos. São Paulo: Palas Athena, 2008.
O ambiente escolar é, por natureza, um espaço de interações
complexas e intensas, onde diferentes valores, expectativas e realidades se
encontram. Como consequência, os conflitos fazem parte do cotidiano da escola
e, se não forem tratados de forma adequada, podem gerar afastamentos, exclusão
e sofrimento emocional para alunos, professores e demais membros da comunidade
educativa.
A Justiça
Restaurativa surge como uma abordagem inovadora e transformadora para lidar
com essas situações. Em vez de recorrer a medidas meramente punitivas, propõe a
escuta ativa, o diálogo, a responsabilização voluntária e a reparação dos
danos, valorizando a restauração das relações e a construção de uma cultura de
paz.
Este texto apresenta e analisa casos práticos da aplicação da Justiça Restaurativa em escolas
brasileiras e internacionais, buscando compreender como seus princípios e
metodologias se materializam na realidade escolar, quais os desafios
enfrentados e os impactos percebidos nos sujeitos e nas instituições
envolvidas.
Em uma escola estadual da capital paulista, dois estudantes
do ensino médio se envolveram em uma briga física após troca de provocações nas
redes sociais. O caso gerou grande repercussão entre os colegas, e os alunos
envolvidos estavam prestes a ser suspensos por tempo indeterminado.
A escola já participava do programa “Justiça Restaurativa
nas Escolas”, do Tribunal de Justiça de São Paulo, e optou por aplicar um círculo restaurativo reativo. O
processo envolveu:
• Preparação
individual dos envolvidos.
• Participação
dos familiares, professores e colegas próximos.
• Condução
do círculo por um facilitador treinado.
Durante o círculo, os estudantes puderam expressar seus
sentimentos, reconhecer os impactos da agressão e ouvir o ponto de vista um do
outro. Os familiares também compartilharam suas preocupações e expectativas.
O círculo resultou em um acordo de reparação simbólica e convivência pacífica. Os alunos se
comprometeram a evitar novos confrontos e participaram de ações educativas na
escola, como rodas de conversa sobre bullying e convivência. A escola evitou a
suspensão, preservou o vínculo escolar e fortaleceu a rede de apoio dos alunos.
Esse caso evidencia a eficácia
do círculo restaurativo para lidar com conflitos interpessoais, promovendo
reflexão, responsabilização e reconstrução dos vínculos. Mostra também a
importância da participação ativa dos familiares e da comunidade escolar no
processo (ARAUJO & SANTOS, 2015).
Durante o intervalo, uma aluna negra foi vítima de um
comentário racista feito por um colega. A situação gerou indignação entre os
alunos e professores, e houve propostas de expulsão do ofensor por parte de
alguns pais.
A escola optou por realizar uma conferência restaurativa, reunindo:
• A
vítima e sua família.
• O
autor da ofensa e seus responsáveis.
• Representantes
da direção e do conselho escolar.
• Facilitadores
com experiência em relações étnico-raciais.
A preparação das partes foi cuidadosa, com apoio
psicológico à vítima. Durante o encontro, a aluna pode expressar a dor causada
pela ofensa, e o aluno ofensor ouviu o impacto de suas palavras.
O jovem autor da fala ofensiva reconheceu o erro e propôs como
reparação:
• Um
pedido de desculpas formal.
• Participação
em uma oficina de educação antirracista.
• Apresentação
de um trabalho sobre igualdade racial para a turma.
A escola acompanhou o cumprimento das ações e promoveu
debates sobre racismo ao longo do ano.
Esse caso demonstra a potência
da Justiça Restaurativa na promoção da justiça social e na construção de um
ambiente escolar inclusivo. O processo não apagou o dano, mas possibilitou
aprendizado e reparação significativa para todos os envolvidos (PRANIS, 2005).
Um professor foi desrespeitado em sala de aula por um aluno
do 9º ano. A situação foi filmada e compartilhada em grupos de WhatsApp,
gerando exposição pública do docente. O aluno havia acumulado várias
advertências e estava em risco de evasão.
Com apoio da Secretaria Municipal de Educação, a escola
recorreu a uma mediação restaurativa
entre o professor e o aluno. O processo envolveu:
• Conversas
individuais com cada parte.
• Mediação
em ambiente neutro e acolhedor.
• Apoio
da equipe pedagógica.
Durante a mediação, o aluno explicou que vivia um momento
difícil em casa e que reagiu impulsivamente. O professor, por sua vez,
expressou seu sofrimento e reafirmou seu compromisso com a educação do
estudante.
Foi
construído um plano de responsabilização
e reconciliação, que incluiu:
• Pedido
de desculpas do aluno.
• Participação
em grupos de apoio emocional.
• Desenvolvimento
de um projeto conjunto entre aluno e professor.
A relação entre ambos melhorou significativamente, e o
aluno permaneceu na escola.
A mediação restaurativa revelou-se eficaz para resgatar a dignidade dos envolvidos e
prevenir o agravamento do conflito. Destacou-se também a importância da escuta
empática e do reconhecimento mútuo como bases para a transformação relacional
(ROSENBERG, 2006).
Duas alunas do ensino médio protagonizaram uma sequência de
agressões verbais nas redes sociais, envolvendo boatos, humilhações e
exclusões. A situação gerou clima tenso na escola e levou a pedidos de
afastamento por parte das famílias.
A equipe pedagógica, com formação em Justiça Restaurativa,
optou por:
• Realizar
círculos de apoio com os grupos
envolvidos.
• Oferecer
espaços de escuta para pais e mães.
•
Promover um círculo
restaurativo com as alunas diretamente afetadas.
O processo envolveu múltiplos encontros e buscou promover a
compreensão dos impactos emocionais das atitudes praticadas, além da reparação
dos danos.
As estudantes reconheceram a dor causada uma à outra e
criaram, com apoio dos professores, uma campanha contra o cyberbullying. A
escola implementou um protocolo
restaurativo para casos futuros e realizou formações com a equipe e os
estudantes.
Esse caso evidencia o papel das práticas restaurativas na promoção da cultura digital responsável
e no combate à violência simbólica, cada vez mais presente no universo juvenil.
Também reforça o potencial preventivo e educativo dessas práticas (ZEHR, 2008).
A rede municipal de ensino de São Caetano do Sul implantou oficialmente a Justiça Restaurativa como política pública educacional, em parceria com o Tribunal de Justiça de São Paulo.
• Formação
de professores e gestores como facilitadores de círculos.
• Realização
sistemática de círculos de paz, escuta
e responsabilização.
• Criação
de salas de convivência restaurativa
nas escolas.
• Envolvimento
das famílias em rodas de diálogo.
• Monitoramento
de dados sobre convivência e clima escolar.
Em dois anos de implementação, observou-se:
• Redução
significativa nas ocorrências disciplinares.
• Diminuição
da evasão escolar.
• Melhoria
na relação entre docentes e estudantes.
• Maior
participação da comunidade nas decisões escolares.
O caso de São Caetano mostra que a Justiça Restaurativa é viável como política pública educacional,
desde que haja investimento em formação, apoio institucional e compromisso
pedagógico com a cultura da paz (ARAUJO & SANTOS, 2015).
Os casos apresentados demonstram que a Justiça Restaurativa tem potencial concreto de transformar as relações escolares, oferecendo respostas mais eficazes, humanas e educativas aos conflitos. Em vez de aplicar punições que afastam e silenciam, a escola passa a construir espaços de diálogo, escuta e reconexão, nos quais todos os
envolvidos se tornam agentes da
transformação.
Os resultados não se limitam à resolução de casos pontuais:
promovem uma cultura institucional de cuidado, responsabilidade compartilhada e
pertencimento. Para isso, é fundamental:
• A
formação contínua de educadores e gestores.
• O
envolvimento da comunidade escolar.
• A
articulação com políticas públicas e práticas pedagógicas transformadoras.
Assim, a Justiça Restaurativa não apenas resolve conflitos:
ela ensina a conviver de forma ética,
solidária e restauradora.
ARAUJO, Janice Lins de; SANTOS, Fabíola P. dos. Justiça Restaurativa nas Escolas: uma
proposta para a cultura de paz. São Paulo: Cortez, 2015.
PRANIS,
Kay. The Little Book of Circle Processes:
A New/Old Approach to Peacemaking. Intercourse, PA: Good Books, 2005.
ROSENBERG,
Marshall B. Comunicação Não-Violenta:
Técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais. São
Paulo: Ágora, 2006.
ZEHR,
Howard. Trocando as Lentes: Um Novo Foco
sobre Justiça e seus Conflitos. São Paulo: Palas Athena, 2008.
O sistema penal brasileiro enfrenta desafios históricos que
se manifestam na superlotação dos presídios, no alto índice de reincidência, na
seletividade penal e na dificuldade de reinserção social dos egressos do
sistema prisional. Diante desse cenário, cresce a importância das alternativas penais e dos programas de
reintegração social, que buscam promover respostas mais eficazes, justas e
restaurativas às infrações penais, especialmente nos casos de menor potencial
ofensivo ou em situações em que a prisão não é a medida mais adequada.
As alternativas penais incluem uma variedade de medidas
distintas da prisão, como a prestação de serviços à comunidade, a suspensão
condicional do processo, a transação penal e a monitoração eletrônica, entre
outras. Já os programas de reintegração social visam apoiar o egresso do
sistema prisional em sua volta à sociedade, oferecendo suporte psicossocial,
capacitação profissional, acompanhamento jurídico e fortalecimento de vínculos
familiares e comunitários.
Este texto explora os fundamentos, as normativas e as
práticas relacionadas às alternativas penais e à reintegração social no Brasil,
com referências a experiências internacionais e aos princípios dos direitos
humanos e da Justiça Restaurativa.
As alternativas
penais têm respaldo jurídico no ordenamento brasileiro desde a promulgação
da Lei nº 9.099/1995, que instituiu
os Juizados Especiais Criminais e permitiu a aplicação de medidas como a
transação penal e a suspensão condicional do processo. A Constituição Federal
de 1988 já havia sinalizado a adoção de medidas penais menos gravosas e mais
eficazes para delitos de menor potencial ofensivo.
A Resolução nº
181/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e a Resolução nº 213/2015 do Conselho Nacional
de Justiça (CNJ) reforçam a necessidade de que o sistema penal priorize
medidas alternativas à privação de liberdade, especialmente nas fases
pré-processual e processual.
As alternativas penais se fundamentam nos princípios da proporcionalidade, da intervenção mínima do Estado e da dignidade da pessoa humana, buscando
evitar os efeitos nocivos da prisão desnecessária, especialmente sobre jovens,
mulheres, negros e pessoas em vulnerabilidade social.
A pena privativa de liberdade, ao ser aplicada de forma
excessiva e seletiva, tem se mostrado ineficaz na prevenção da reincidência e
na proteção da sociedade. Como apontam Wacquant (2001) e Zaffaroni (2007), a
prisão, muitas vezes, atua como um instrumento de reprodução das desigualdades
sociais, mais do que como um meio de justiça ou reabilitação.
Nesse sentido, as alternativas penais representam uma
tentativa de desencarceramento racional,
com foco na responsabilização consciente, na reparação do dano e na prevenção
da reincidência, em conformidade com os princípios do Estado Democrático de
Direito.
Prevista na Lei nº 9.099/1995, consiste em um acordo entre o Ministério Público e o autor
do fato, homologado pelo juiz, que permite a aplicação imediata de pena
restritiva de direitos ou multa, nos casos de infrações de menor potencial
ofensivo. Evita-se, assim, a instauração do processo penal.
Também prevista na Lei dos Juizados Especiais, permite que
o processo seja suspenso por até quatro anos, mediante o cumprimento de
condições impostas pelo juiz, como comparecimento regular em juízo, proibição
de frequentar determinados lugares e outras medidas educativas.
É uma das penas restritivas de
direitos mais aplicadas.
Consiste na execução de tarefas
gratuitas em entidades públicas ou assistenciais, com a finalidade de
reparar o dano causado à coletividade e promover a reinserção social do
condenado.
A liberdade assistida é voltada especialmente para
adolescentes em conflito com a lei e envolve o acompanhamento de assistentes
sociais ou psicólogos. Já a monitoração eletrônica pode ser aplicada como
medida cautelar ou como condição da progressão de regime, evitando o
encarceramento desnecessário.
Embora não seja uma alternativa penal formal em todos os
sistemas jurídicos, a Justiça
Restaurativa é frequentemente aplicada como complemento ou substituição às
medidas punitivas, com foco na reparação
do dano e na responsabilização relacional do autor da infração. No Brasil,
projetos-piloto têm sido implementados com base nas diretrizes do CNJ
(Resolução nº 225/2016).
A reintegração
social de egressos do sistema prisional é um dos maiores desafios do
sistema penal. De acordo com dados do CNJ (2023), o índice de reincidência no
Brasil gira em torno de 40%, o que demonstra a fragilidade dos mecanismos de
reabilitação e acolhimento no pós-cárcere.
A ausência de políticas públicas eficazes, o estigma
social, a discriminação no mercado de trabalho e a fragilidade dos vínculos
familiares e comunitários dificultam a retomada de projetos de vida pelos
egressos. Nesse contexto, programas de reintegração são essenciais para romper o ciclo da violência e do
aprisionamento.
Um programa de reintegração social bem-sucedido deve
contemplar os seguintes eixos:
• Acolhimento psicossocial: apoio
emocional, escuta qualificada, acompanhamento terapêutico.
• Capacitação profissional: cursos,
oficinas, incentivo ao empreendedorismo e intermediação de mão de obra.
• Apoio jurídico: orientação sobre
direitos, certidões, cumprimento de penas alternativas.
• Fortalecimento familiar e comunitário:
mediação de conflitos, grupos de apoio, reinserção em espaços coletivos.
Segundo Batista (2011), a reintegração exige uma abordagem
intersetorial e contínua, com articulação entre poder público, terceiro setor e
redes de solidariedade.
Os Escritórios Sociais, criados
criados pelo CNJ em parceria com o PNUD, são equipamentos públicos
voltados ao atendimento de pessoas egressas e seus familiares. Presentes em
diversos estados, oferecem suporte multidisciplinar, articulação com políticas
públicas e acompanhamento no processo de reintegração.
A experiência tem demonstrado resultados positivos na redução da reincidência e na ampliação do
acesso a direitos, reforçando a importância de políticas públicas integradas.
Criado em 2009, o programa “Começar de Novo” tem como objetivo mobilizar o setor público e
privado para oferecer oportunidades de trabalho e capacitação profissional a
egressos e pessoas em cumprimento de pena. Empresas parceiras recebem incentivo
para incluir essas pessoas no mercado formal de trabalho.
Iniciativa que articula poder judiciário, sistema
penitenciário e organizações da sociedade civil para promover formação educacional, profissionalização e
apoio à reinserção familiar e comunitária. O programa busca romper o
estigma e promover uma nova perspectiva de vida para os egressos.
O sistema penal norueguês é reconhecido por seu foco na ressocialização, educação e dignidade do
apenado. As prisões funcionam como centros de reabilitação, com baixa
reincidência e programas que preparam o recluso para o retorno à sociedade
desde o início do cumprimento da pena.
O Canadá desenvolveu programas específicos para populações
indígenas, com base em práticas restaurativas ancestrais. As Healing Circles são conduzidas por
membros da comunidade e focam na cura coletiva, na responsabilização e no
fortalecimento dos laços sociais.
Alguns tribunais comunitários nos EUA aplicam penas alternativas personalizadas, com
foco em serviços comunitários, tratamento de dependência e reinserção social.
Tais tribunais buscam resolver os fatores subjacentes ao delito, em vez de
aplicar apenas punições.
As alternativas penais e os programas de reintegração
social representam caminhos promissores para uma justiça penal mais eficaz, humana e restaurativa. Eles desafiam o
modelo punitivista e propõem uma abordagem centrada na dignidade da pessoa, na
responsabilização consciente e na promoção da paz social.
No Brasil, embora avanços tenham sido
registrados nos
últimos anos, ainda há muito a ser feito em termos de ampliação do acesso,
sensibilização de operadores do direito, articulação intersetorial e superação
de preconceitos. É fundamental fortalecer políticas públicas consistentes,
investir na formação de profissionais, garantir financiamento contínuo e
promover a escuta das populações afetadas.
A transformação do sistema penal depende, em grande medida,
da nossa capacidade coletiva de substituir
o castigo pela reparação, a exclusão pela inclusão e o abandono pela
solidariedade. Alternativas penais e reintegração não são concessões: são
expressões de um Estado verdadeiramente democrático.
ARAUJO, Janice Lins de; SANTOS, Fabíola P. dos. Justiça Restaurativa nas Escolas: uma
proposta para a cultura de paz. São Paulo: Cortez, 2015.
BATISTA,
Vera Malaguti. O medo na cidade do Rio de
Janeiro: dois tempos de uma história. Rio de Janeiro: Revan, 2011.
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perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal. Rio de Janeiro: Revan,
2007.
ZEHR,
Howard. Trocando as Lentes: Um Novo Foco
sobre Justiça e seus Conflitos. São Paulo: Palas Athena, 2008.
As desigualdades sociais, econômicas e culturais que marcam
a sociedade contemporânea afetam de forma mais intensa determinados grupos
populacionais, considerados vulneráveis
por sua maior exposição a riscos e pela limitação de acesso a direitos
fundamentais. Populações em situação de rua, moradores de periferias urbanas,
mulheres vítimas de violência, pessoas negras, indígenas, LGBTQIA+, pessoas com
deficiência, idosos e jovens em conflito com a lei são alguns exemplos de
grupos frequentemente marginalizados pelas estruturas institucionais.
Diante da insuficiência ou ineficácia das políticas públicas em responder a essas desigualdades de forma
integral, emergem, em
diversas partes do Brasil e do mundo, iniciativas
comunitárias autônomas e solidárias, construídas por e com esses grupos
sociais. Tais iniciativas assumem um papel central na defesa de direitos, no fortalecimento de vínculos, na promoção da
cidadania e na transformação da realidade local.
Este texto analisa o conceito e a relevância das
iniciativas comunitárias voltadas a grupos vulneráveis, discute seus
fundamentos teóricos e apresenta exemplos práticos que demonstram seu impacto
na construção de sociedades mais justas, equitativas e participativas.
A noção de vulnerabilidade social refere-se à condição de fragilidade estrutural e
relacional que limita o acesso de indivíduos ou grupos a bens, serviços,
oportunidades e garantias de direitos. A vulnerabilidade pode ser agravada por
fatores como pobreza, discriminação, violência, exclusão territorial, baixa
escolaridade, entre outros.
Segundo Castel (2005), a vulnerabilidade se expressa quando
os mecanismos de integração — trabalho, família, rede de proteção — se tornam
frágeis ou ausentes, colocando os sujeitos em situações de desfiliação social.
É fundamental considerar a perspectiva da interseccionalidade (CRENSHAW, 2002)
para compreender as vulnerabilidades. Essa abordagem analisa como diferentes
eixos de opressão (raça, classe, gênero, sexualidade, deficiência) se cruzam e
se potencializam, gerando desigualdades múltiplas e complexas.
Por exemplo, uma mulher negra periférica pode estar exposta
simultaneamente ao racismo estrutural, ao sexismo e à exclusão econômica, o que
exige respostas integradas e contextualizadas.
2.1 O que são iniciativas comunitárias?
As iniciativas comunitárias são ações coletivas protagonizadas por membros da comunidade, com ou
sem apoio institucional, voltadas para a melhoria das condições de vida locais
e para a promoção da justiça social. Elas podem assumir diferentes formas:
• Coletivos
culturais e educativos.
• Associações
de moradores.
• Grupos
de mulheres ou juventudes.
• Redes
de economia solidária.
• Cooperativas
populares.
• Projetos
de justiça restaurativa comunitária.
Tais iniciativas se baseiam na participação ativa dos sujeitos, no conhecimento do território, na
solidariedade e na autonomia política.
As experiências comunitárias geralmente compartilham alguns
princípios:
• Autogestão e protagonismo popular.
• Valorização dos saberes locais.
• Resistência às opressões estruturais.
• Fomento à cidadania ativa e à
corresponsabilidade.
• Promoção de direitos humanos e equidade
social.
De acordo com Sawaia (2009), essas ações têm potencial de
“produzir subjetividades resistentes, capazes de transformar a dor social em
potência coletiva”.
Nas periferias urbanas, jovens têm criado coletivos
culturais que integram arte, educação e ativismo. Exemplo disso é o Movimento Cultural das Periferias, que
promove saraus, oficinas de hip hop, poesia marginal e debates políticos em
comunidades carentes.
Essas ações combatem a criminalização da juventude negra e
fortalecem o senso de identidade e pertencimento. Segundo Silva (2017), tais
coletivos funcionam como “territórios de resistência e produção de vida”.
Grupos como o “Mulheres
da Quebrada”, em diversas cidades brasileiras, têm atuado como redes de
proteção e empoderamento para mulheres vítimas de violência doméstica. Por meio
de rodas de conversa, ações de acolhimento, formação em direitos e geração de
renda, esses coletivos preenchem lacunas deixadas pelo Estado.
Além de oferecer suporte prático, essas iniciativas
promovem transformações simbólicas,
fortalecendo a autoestima, a autonomia e a capacidade de agir das mulheres
envolvidas.
Comunidades tradicionais têm organizado ações próprias para
garantir seus direitos à terra, à educação diferenciada, à saúde e à
preservação cultural. A Articulação dos
Povos Indígenas do Brasil (APIB) e a Coordenação
Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ)
são exemplos de redes nacionais que integram centenas de comunidades locais.
Essas iniciativas desafiam o racismo institucional e
reafirmam a autodeterminação e
resistência histórica desses povos (ALMEIDA, 2019).
Projetos como o “Justiça Comunitária”, apoiado pelo Ministério da Justiça em diversas cidades, levam práticas restaurativas a comunidades marcadas por conflitos e violência. Facilitadores locais são capacitados para mediar conflitos, promover círculos de diálogo e
articular redes de apoio comunitário.
A proposta fortalece o protagonismo das próprias
comunidades na construção da paz, da
escuta e da reparação de danos, rompendo com a lógica de punição estatal e
exclusão social (ZEHR, 2008).
Apesar do grande potencial, as iniciativas comunitárias
enfrentam desafios significativos:
• Falta
de recursos financeiros e materiais.
• Ausência
de apoio técnico e institucional.
• Criminalização
de lideranças comunitárias.
• Dificuldade
de diálogo com políticas públicas tradicionais.
• Pressão
de grupos econômicos ou poderes locais.
Esses obstáculos reforçam a necessidade de políticas
públicas que reconheçam, valorizem e fortaleçam as experiências comunitárias,
por meio de apoio técnico,
financiamento, formação e articulação em rede.
Mesmo diante de dificuldades, essas iniciativas têm
demonstrado grande capacidade de:
• Resgatar a autoestima e o pertencimento de
sujeitos excluídos.
• Reduzir violência e promover cultura de paz.
• Fortalecer a democracia participativa e os
direitos humanos.
• Produzir conhecimento e práticas
pedagógicas críticas.
• Reivindicar e influenciar políticas
públicas a partir das bases.
Para Santos (2007), trata-se de epistemologias do Sul, que desafiam o modelo eurocêntrico de
desenvolvimento e constroem formas de conhecimento e ação baseadas na
experiência e na luta dos povos oprimidos.
As iniciativas comunitárias voltadas para grupos
vulneráveis são expressões vivas de resistência, solidariedade e criatividade
social. Elas nascem nos territórios onde o Estado muitas vezes falha em
garantir direitos e demonstram que a
organização popular é capaz de transformar realidades complexas por meio da
cooperação, do cuidado e da participação.
Ao reconhecer e apoiar essas iniciativas, poder público e
sociedade civil têm a oportunidade de construir uma agenda política mais justa,
inclusiva e democrática. É necessário romper com modelos verticalizados e
paternalistas de intervenção e apostar em políticas co-construídas com os sujeitos dos territórios, respeitando suas
especificidades, saberes e modos de vida.
Fortalecer ações comunitárias é, portanto, fortalecer o
tecido social, ampliar a cidadania e promover
a justiça social de forma enraizada, plural e sustentável.
ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Territórios tradicionais e políticas públicas. Manaus: UEA Edições,
2019.
ARAUJO, Janice Lins de; SANTOS, Fabíola P. dos. Justiça Restaurativa nas Escolas: uma
proposta para a cultura de paz. São Paulo: Cortez, 2015.
CASTEL,
Robert. As metamorfoses da questão
social: uma crônica do salário. Petrópolis: Vozes, 2005.
CRENSHAW,
Kimberlé. Documento para o encontro de
especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. ONU,
2002.
SAWAIA,
Bader Burihan (Org.). As artimanhas da
exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade social. Petrópolis:
Vozes, 2009.
SANTOS, Boaventura de Sousa. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. São Paulo:
Cortez, 2006.
SILVA, Douglas Belchior. A juventude negra e a luta por reconhecimento. São Paulo: Revista
da Ação Educativa, v. 15, n. 1, 2017.
ZEHR,
Howard. Trocando as Lentes: Um Novo Foco
sobre Justiça e seus Conflitos. São Paulo: Palas Athena, 2008.
A complexidade dos desafios sociais contemporâneos — como
violência, exclusão, desigualdade e violações de direitos — exige respostas
articuladas, integradas e colaborativas. Isoladamente, nenhuma instituição
pública ou entidade social tem condições de resolver, de forma sustentável, os
múltiplos aspectos que envolvem esses problemas. Nesse contexto, ganham
destaque as parcerias
interinstitucionais, especialmente aquelas estabelecidas entre órgãos do sistema de justiça (Ministério
Público e Judiciário) e organizações
da sociedade civil (ONGs, movimentos sociais, fundações, institutos).
Essas parcerias, quando bem estruturadas, têm demonstrado
grande potencial para:
• Fortalecer
a promoção e defesa de direitos.
• Ampliar
o acesso à justiça e à cidadania.
• Apoiar
práticas de Justiça Restaurativa.
• Desenvolver
políticas públicas inovadoras.
• Atuar
de forma preventiva e comunitária na resolução de conflitos.
Este texto tem como objetivo explorar os fundamentos, os
formatos e os impactos dessas parcerias interinstitucionais, com base em marcos
normativos, referências teóricas e experiências práticas no Brasil,
especialmente no campo da Justiça Restaurativa, dos direitos humanos e da
inclusão social.
No
modelo de Estado
democrático de direito, a gestão pública se orienta por princípios como
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (CF, art. 37).
A complexidade das demandas sociais, no entanto, exige que o Estado atue também
com colaboração, diálogo e
corresponsabilidade com outros setores da sociedade.
As parcerias
interinstitucionais são instrumentos que viabilizam essa cooperação
intersetorial, conectando o poder público (especialmente o sistema de justiça)
com entidades não estatais, com vistas à promoção
do bem comum e à efetividade dos
direitos fundamentais.
A Constituição Federal de 1988 estabelece, em diversos
dispositivos, o papel das organizações
da sociedade civil como parceiras do Estado, especialmente nas áreas de
assistência social, saúde, educação, cultura e direitos humanos. O Marco
Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (Lei nº 13.019/2014) define
regras para termos de colaboração e fomento entre o poder público e entidades
privadas sem fins lucrativos.
No campo da Justiça Restaurativa, a Resolução CNJ nº 225/2016, que institui a Política Nacional de
Justiça Restaurativa no âmbito do Judiciário, reforça a necessidade de “articulação interinstitucional e
intersetorial, com participação da sociedade civil, do sistema de justiça e
das políticas públicas locais”.
O Ministério Público
(MP) tem a função constitucional de defesa
da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis (CF, art. 127). Com esse papel, o MP atua não apenas na
persecução penal, mas também na promoção de direitos humanos, infância,
juventude, meio ambiente, saúde, entre outros.
Nos últimos anos, o MP tem ampliado sua atuação
extrajudicial e dialogado com entidades
sociais para a construção de projetos e políticas públicas, inclusive com
enfoque restaurativo. Parcerias com ONGs, universidades e conselhos de direitos
são cada vez mais comuns.
O Judiciário,
tradicionalmente ligado à aplicação da lei e à solução de litígios, tem
progressivamente incorporado práticas de Justiça
Restaurativa, mediação comunitária, círculos de diálogo e resolução pacífica de
conflitos. Tais iniciativas requerem o envolvimento de diversos parceiros
institucionais, especialmente nas áreas de assistência social, saúde mental,
educação e proteção de vítimas.
Os Tribunais de Justiça, por
meio de Núcleos de Justiça Restaurativa, vêm formando facilitadores e
estabelecendo redes com ONGs e universidades para fortalecer a prática.
As ONGs, por sua flexibilidade, capilaridade e vínculo com
as comunidades, desempenham um papel estratégico como pontes entre o Estado e os territórios. Elas atuam no enfrentamento
de desigualdades, na defesa de direitos e na implementação de práticas
inovadoras.
Em parcerias com o Judiciário e o Ministério Público, as
ONGs:
• Oferecem
capacitação em Justiça Restaurativa.
• Implementam
programas de acolhimento e mediação.
• Desenvolvem
projetos em escolas e comunidades vulneráveis.
• Conectam
os sujeitos às políticas públicas.
Iniciado em 2005, o projeto foi implementado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, em
parceria com o Instituto Terre des
Hommes e o Ministério da Justiça.
O objetivo era introduzir a Justiça Restaurativa em escolas, centros
socioeducativos e unidades judiciais.
As ações envolveram:
• Formação
de facilitadores entre servidores, educadores e ONGs.
• Realização
de círculos restaurativos em escolas públicas.
• Atendimento
de adolescentes em conflito com a lei.
A experiência se consolidou como modelo nacional de
integração entre Judiciário, poder executivo e sociedade civil, conforme relata
Araujo & Santos (2015).
O projeto Justiça
Comunitária, criado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e
Territórios (TJDFT), é uma parceria com a comunidade, ONGs e universidades,
para promover a mediação de conflitos e
práticas restaurativas em territórios vulneráveis.
Os próprios moradores são capacitados como agentes
comunitários de justiça, atuando em:
• Mediação
de conflitos familiares e de vizinhança.
• Orientação
jurídica e encaminhamentos.
• Facilitação
de círculos e oficinas de convivência.
A parceria com ONGs locais e com o Ministério Público
garante a sustentabilidade e a
legitimidade social da iniciativa (CNJ, 2020).
Os Escritórios Sociais, política coordenada pelo Conselho Nacional de Justiça, são implementados por Tribunais de Justiça em parceria com governos estaduais, municípios e organizações sociais. O foco é o acolhimento e a
reintegração de pessoas
egressas do sistema prisional, com oferta de apoio psicossocial, orientação
jurídica e inclusão social.
Esses espaços demonstram como a gestão compartilhada e a articulação entre poderes e sociedade civil
podem gerar alternativas reais ao encarceramento e contribuir para a redução da
reincidência (CNJ, 2023).
As parcerias interinstitucionais promovem:
• Acesso ampliado a direitos e serviços,
especialmente para populações em situação de vulnerabilidade.
• Efetividade das políticas públicas, com
base no conhecimento prático das ONGs e no poder institucional do Judiciário e
do MP.
• Inovação social, por meio da construção
de soluções colaborativas.
• Aproximação entre instituições públicas e
comunidades.
• Fortalecimento das redes de proteção social
e justiça comunitária.
Segundo Pranis (2005), é por meio das redes colaborativas
que se constrói uma “teia restaurativa de cuidado, responsabilização e
empatia”.
Apesar dos avanços, as parcerias também enfrentam
obstáculos:
•
Burocracias
administrativas e dificuldades legais na formalização de termos de
cooperação.
• Falta de continuidade e financiamento
público.
•
Assimetria
de poder entre Estado e sociedade civil.
• Mudanças de gestão e agendas políticas
instáveis.
• Desconfiança mútua entre instituições
formais e movimentos sociais.
Esses desafios exigem o fortalecimento de ambientes de governança horizontal,
participação popular e transparência, para que as parcerias sejam
duradouras, legítimas e eficazes.
As parcerias interinstitucionais entre o Ministério
Público, o Judiciário e as organizações da sociedade civil representam um instrumento poderoso para enfrentar os
desafios sociais com justiça, inclusão e eficácia. Quando construídas com
base no diálogo, na horizontalidade e na escuta das comunidades, essas
parcerias geram impactos profundos na democratização da justiça, na redução das
desigualdades e na transformação dos conflitos.
A construção de políticas públicas mais restaurativas,
participativas e intersetoriais depende da superação
das barreiras institucionais e culturais que separam o Estado da sociedade,
e do reconhecimento mútuo das competências e saberes de cada ator. Fortalecer
essas parcerias é investir em um futuro mais justo, colaborativo e sustentável.
ARAUJO, Janice Lins de; SANTOS, Fabíola P. dos. Justiça Restaurativa nas Escolas: uma
proposta para a cultura de paz. São Paulo: Cortez, 2015.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de
1988.
BRASIL.
Lei nº 13.019, de 31 de julho de 2014. Marco
Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC).
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução CNJ nº 225/2016. Institui a Política Nacional de Justiça
Restaurativa no âmbito do Poder Judiciário.
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Escritórios Sociais: avaliação e perspectivas. Brasília: CNJ, 2023.
CNMP – Conselho Nacional do Ministério Público. Guia de boas práticas em Justiça
Restaurativa. Brasília, 2019.
PRANIS,
Kay. The Little Book of Circle Processes:
A New/Old Approach to Peacemaking. Intercourse, PA: Good Books, 2005.
ZEHR,
Howard. Trocando as Lentes: Um Novo Foco
sobre Justiça e seus Conflitos. São Paulo: Palas Athena, 2008.
A Justiça Restaurativa vem ganhando destaque no cenário
jurídico, educacional e comunitário como uma abordagem promissora para a
transformação de conflitos e a construção de uma cultura de paz. Fundamentada
em princípios como o diálogo, a escuta ativa, a
responsabilização consciente e a reparação de danos, a
Justiça Restaurativa busca restabelecer relações rompidas por meio de processos
participativos, voluntários e inclusivos.
Apesar dos avanços normativos e do aumento de experiências
práticas no Brasil e em outros países, a implementação efetiva dessa abordagem
ainda encontra obstáculos significativos.
Tais dificuldades estão relacionadas a fatores culturais, institucionais,
estruturais e formativos, que limitam a consolidação da Justiça Restaurativa
como política pública consistente, sustentável e acessível.
Este texto analisa as principais barreiras à implementação
da Justiça Restaurativa, com base em literatura especializada, documentos
institucionais e experiências práticas. O objetivo é refletir sobre os entraves
que precisam ser superados para que essa abordagem cumpra seu potencial
transformador.
Um dos principais desafios na implementação da Justiça Restaurativa é a falta de clareza conceitual. Muitas vezes, ela é confundida com práticas tradicionais de mediação, conciliação ou negociação, ou ainda vista como uma alternativa
“brandura” à justiça punitiva.
Segundo Zehr (2008), a Justiça Restaurativa representa uma
mudança de paradigma em relação à justiça tradicional, e não apenas uma nova
técnica de resolução de conflitos. Essa mudança implica reconhecer que o crime
ou o conflito não é apenas uma violação à norma legal, mas uma quebra de vínculos entre pessoas.
Quando o conceito é mal compreendido, as práticas se tornam superficiais ou
instrumentalizadas.
Em muitas instituições e comunidades, persiste uma cultura autoritária e hierárquica, que
valoriza o controle, o castigo e a imposição de normas sobre o diálogo e a
escuta. Isso dificulta a aceitação da Justiça Restaurativa, que exige mudanças de postura, de linguagem e de
visão de mundo.
Kay Pranis (2005) aponta que o sucesso da Justiça
Restaurativa depende da criação de uma “cultura restaurativa”, pautada por
valores como empatia, pertencimento, colaboração e respeito mútuo. Tal cultura
não se impõe por decreto: ela precisa ser cultivada lentamente, por meio de
práticas regulares, formações contínuas e experiências de participação
coletiva.
A institucionalização da Justiça Restaurativa requer comprometimento dos gestores públicos,
alocação de recursos, formação de equipes, adequação de fluxos e integração com
políticas públicas. Na ausência de apoio político, as experiências
restaurativas tendem a ser pontuais, desarticuladas e dependentes do esforço de
poucos indivíduos.
Conforme Araujo e Santos (2015), muitos projetos de Justiça
Restaurativa em escolas ou no sistema de justiça falham por falta de
continuidade, seja por mudanças na gestão, ausência de políticas de Estado ou
desvalorização das práticas pela cultura institucional vigente.
A estrutura burocrática do Estado, com seus trâmites
formais, organogramas rígidos e lógica de padronização, entra em choque com a flexibilidade e a horizontalidade da Justiça
Restaurativa. Processos restaurativos requerem tempo, escuta, adaptação e
sensibilidade — elementos muitas vezes incompatíveis com prazos judiciais,
metas de produtividade e exigências cartoriais.
Esse conflito entre lógica restaurativa e lógica
burocrática pode levar à descaracterização das práticas ou à sua exclusão do
fluxo institucional.
A formação
de facilitadores e operadores da Justiça
Restaurativa é uma etapa crucial, mas frequentemente negligenciada. Muitos
cursos são oferecidos de forma rápida, técnica e descontextualizada, sem
aprofundar os fundamentos éticos, filosóficos e relacionais da abordagem.
A Justiça Restaurativa não é apenas uma técnica a ser
ensinada, mas um caminho de
transformação pessoal e institucional. Facilitadores mal formados ou que
não passaram por um processo reflexivo profundo podem aplicar práticas de forma
mecânica, gerando frustração ou até mesmo revitimização (ZEHR, 2008).
Além da formação inicial, é essencial que os facilitadores
tenham acesso a acompanhamento contínuo,
grupos de estudo, supervisão e apoio emocional. Lidar com conflitos humanos
intensos exige preparo e cuidado com os próprios limites. A ausência desse
suporte pode levar ao esgotamento dos profissionais e ao abandono das práticas.
Paradoxalmente, os territórios mais afetados pela violência
e pelos conflitos são muitas vezes os que menos
têm acesso a práticas restaurativas. A ausência de políticas públicas
efetivas, a falta de investimento em periferias e zonas rurais e a dificuldade
de articulação intersetorial fazem com que a Justiça Restaurativa se concentre
em nichos urbanos, escolas modelo ou instituições com mais recursos.
Isso reforça desigualdades históricas e limita o impacto da
abordagem justamente onde ela poderia gerar maior transformação.
As práticas restaurativas muitas vezes são conduzidas com linguagem técnica, normativa ou pouco
acessível às populações mais vulnerabilizadas. Isso gera distanciamento,
insegurança e dificuldades de adesão. Para serem eficazes, os processos
restaurativos precisam ser culturalmente sensíveis, respeitar os saberes locais
e adotar formas simples, acolhedoras e
inclusivas de comunicação (SANTOS, 2007).
Outra barreira relevante é a dificuldade de mensurar o impacto da Justiça Restaurativa com os
instrumentos tradicionalmente utilizados por políticas públicas. Muitos de seus
resultados são subjetivos, relacionais e de longo prazo, o que desafia a
criação de indicadores quantificáveis.
A ausência de dados sistematizados dificulta a justificativa de investimentos, a avaliação de impacto e a
replicabilidade dos projetos em outras realidades.
Diversas experiências restaurativas bem-sucedidas acabam se
perdendo por falta de registro, sistematização ou difusão. Isso reduz a
possibilidade de intercâmbio entre
projetos, de aprendizado coletivo e de fortalecimento em rede.
Iniciativas como as promovidas pelo CNJ, CNMP e movimentos
da sociedade civil têm buscado enfrentar esse problema por meio da criação de plataformas colaborativas de registro e
compartilhamento, mas o desafio ainda é grande (CNJ, 2023).
A implementação da Justiça Restaurativa é um processo
desafiador que exige mudanças profundas nos modos de pensar, agir e organizar
as instituições e as relações sociais. As dificuldades não estão apenas no
plano técnico ou logístico, mas sobretudo nos
paradigmas culturais, nos modelos institucionais e nas estruturas de poder
que ainda predominam.
Superar esses desafios requer:
• Compromisso político e institucional
duradouro.
• Formação ética, crítica e continuada de
facilitadores.
• Acesso equitativo aos territórios mais
vulneráveis.
• Valorização das experiências locais e dos
saberes comunitários.
• Sistematização e avaliação participativa
das práticas.
A Justiça Restaurativa não é uma solução mágica, mas uma
proposta ética e relacional que, se levada a sério, tem o potencial de transformar as formas de convivência, de
resolução de conflitos e de exercício da justiça em nossa sociedade. Para
isso, é preciso coragem institucional, humildade política e paciência
pedagógica.
ARAUJO, Janice Lins de; SANTOS, Fabíola P. dos. Justiça Restaurativa nas Escolas: uma
proposta para a cultura de paz. São Paulo: Cortez, 2015.
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução CNJ nº 225/2016. Institui a Política Nacional de Justiça
Restaurativa no âmbito do Poder Judiciário.
BRASIL.
Conselho Nacional de Justiça. Práticas
Restaurativas no Brasil: diagnóstico e perspectivas. Brasília: CNJ, 2023.
PRANIS,
Kay. The Little Book of Circle Processes:
A New/Old Approach to Peacemaking. Intercourse, PA: Good Books, 2005.
SANTOS, Boaventura de Sousa. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. São Paulo:
Cortez, 2006.
ZEHR,
Howard. Trocando as Lentes: Um Novo Foco
sobre Justiça e seus Conflitos. São Paulo: Palas Athena, 2008.
A Justiça Restaurativa vem sendo reconhecida como uma
abordagem transformadora na forma de lidar com conflitos, crimes e violações.
Fundamentada na escuta, na responsabilização voluntária, na reparação do dano e
no fortalecimento de vínculos, ela propõe uma ruptura com o modelo punitivista
tradicional, que se baseia na retribuição, na exclusão e na centralidade do
Estado no processo judicial. Contudo, apesar de seu avanço em discursos
institucionais, marcos legais e iniciativas pontuais, sua efetiva implementação
encontra fortes resistências culturais e
institucionais.
Tais resistências não são casuais. Elas refletem concepções
enraizadas sobre justiça, punição, autoridade, poder e controle social. Ao
desafiar estruturas consolidadas do sistema penal e da administração pública, a
Justiça Restaurativa confronta hábitos, normas e práticas que foram moldadas
historicamente para manter a ordem a partir da coerção e da disciplina. Este
texto analisa os fatores que alimentam essas resistências, seus impactos e as
possíveis estratégias para enfrentá-las, à luz de experiências nacionais e
internacionais.
A Justiça Restaurativa compreende o crime como uma violação de pessoas e relacionamentos,
e não apenas como uma ofensa à norma legal. Seu foco está nas necessidades das vítimas, na responsabilidade ativa do ofensor e na reparação dos danos, com a participação
de todos os envolvidos.
Howard Zehr (2008), um dos principais teóricos da área,
afirma que a Justiça Restaurativa representa uma mudança de lentes: enquanto a
justiça retributiva pergunta “quem cometeu o crime, qual lei foi violada e qual
punição será aplicada?”, a justiça restaurativa pergunta “quem foi afetado,
quais são suas necessidades e quem tem a responsabilidade de atendê-las?”.
No entanto, essa mudança de paradigma não se dá de forma
linear ou consensual. Ao propor uma lógica baseada em diálogo, empatia e
corresponsabilidade, a Justiça Restaurativa colide com concepções arraigadas
que associam justiça à punição e autoridade à imposição.
A sociedade ocidental, especialmente em contextos coloniais como o brasileiro, foi historicamente moldada por uma cultura punitiva, na qual o castigo é visto como única forma de “fazer justiça”. Essa visão é alimentada por uma tradição penal retributivista, que entende
na qual o castigo é visto como única forma de
“fazer justiça”. Essa visão é alimentada por uma tradição penal retributivista,
que entende o infrator como alguém que deve sofrer pelo mal causado, e não como
um sujeito em potencial processo de responsabilização e reintegração.
Essa concepção de justiça — baseada em medo, punição e
exemplo — se reproduz em instituições, discursos midiáticos e até mesmo nas
expectativas das vítimas, que muitas vezes são levadas a crer que só
encontrarão paz por meio da punição do agressor.
Segundo Wacquant (2001), a expansão do encarceramento e da
lógica penal nos últimos anos se dá em grande parte por conta da construção do
“Estado penal”, que responde a questões sociais com medidas repressivas e
securitárias.
A cultura jurídica e social dominante tende a desconfiar da
capacidade das pessoas de resolver seus
próprios conflitos de maneira autônoma, dialógica e pacífica. Persiste a
crença de que apenas o Estado, por meio do Judiciário e de suas estruturas
coercitivas, pode garantir a justiça.
Essa visão reduz a Justiça Restaurativa a uma técnica de
negociação, desvalorizando sua dimensão ética e relacional. Como observa Pranis
(2005), uma cultura verdadeiramente restaurativa exige o cultivo de valores
como empatia, confiança, humildade e abertura, o que representa um enorme
desafio em sociedades marcadas por relações autoritárias e desiguais.
O sistema de justiça criminal, especialmente no Brasil, foi
historicamente estruturado para manter uma lógica adversarial, formalista e
centrada no Estado. Promotores, juízes e defensores operam dentro de marcos
legais que valorizam a produção de provas, a tipificação penal e o julgamento
técnico, deixando pouco espaço para abordagens restaurativas, que priorizam a
subjetividade, o contexto e o diálogo entre as partes.
Além disso, como destaca Batista (2011), a burocracia
judicial e a pressão por produtividade dificultam a adoção de práticas que
exigem tempo, escuta e processos horizontais de decisão.
Outro fator de resistência institucional é a ausência de formação crítica e reflexiva sobre a Justiça Restaurativa nos cursos de Direito, nas escolas de magistratura e nas academias policiais. Quando a temática é tratada, muitas vezes ocorre de maneira superficial, técnica ou descolada da realidade dos
territórios.
Essa lacuna formativa gera desconhecimento, insegurança e
até hostilidade por parte dos operadores do direito, que não reconhecem a
legitimidade das práticas restaurativas nem compreendem seus fundamentos
filosóficos.
Em alguns contextos, a implementação da Justiça
Restaurativa é vista como ameaça à
autoridade das instituições tradicionais, gerando resistências corporativas
e disputa por protagonismo. Tribunais, Ministérios Públicos e Defensorias nem
sempre cooperam de forma articulada com organizações da sociedade civil ou com
redes comunitárias, dificultando a construção de políticas restaurativas
interinstitucionais (ARAUJO & SANTOS, 2015).
A superação das resistências passa necessariamente por um
processo contínuo de formação ética,
política e técnica dos operadores do sistema de justiça, educadores,
gestores públicos e facilitadores comunitários. Essa formação deve:
• Resgatar
os fundamentos históricos, filosóficos e culturais da Justiça Restaurativa.
• Promover
espaços de escuta, diálogo e autorreflexão.
• Valorizar
a pluralidade de experiências e saberes, especialmente os populares e
ancestrais.
Experiências como os cursos interinstitucionais promovidos
por Tribunais de Justiça em parceria com universidades e ONGs têm mostrado
resultados positivos na mudança de
mentalidade e no engajamento de profissionais do sistema de justiça.
A criação de redes
interinstitucionais e intersetoriais, com a participação ativa das
comunidades, é essencial para legitimar as práticas restaurativas e romper com
a lógica verticalizada do sistema penal.
Projetos como os Escritórios Sociais, apoiados pelo CNJ, e
os Núcleos de Justiça Restaurativa com atuação em escolas e territórios
vulneráveis mostram que é possível
integrar políticas públicas, práticas comunitárias e ações do sistema de
justiça em prol de um modelo restaurativo plural e democrático (CNJ, 2023).
Por fim, é fundamental envolver
a sociedade civil na construção de uma nova cultura de justiça, por meio de
campanhas, formações populares, ações educativas em escolas, espaços religiosos
e centros comunitários.
É preciso desconstruir o imaginário punitivista que associa justiça à vingança e construir, coletivamente, uma nova narrativa
baseada na empatia, na responsabilização consciente e na
reparação dos danos.
As resistências culturais e institucionais à Justiça
Restaurativa não são apenas obstáculos técnicos, mas expressões de valores, estruturas e práticas
historicamente construídas que privilegiam o controle social, a punição e a
exclusão. Superá-las exige muito mais do que boa vontade: requer uma profunda
transformação cultural, política e institucional.
Essa transformação só será possível por meio da formação crítica, da cooperação interinstitucional, da valorização dos saberes comunitários e
da ampliação do diálogo com a sociedade
civil. A Justiça Restaurativa não deve ser apenas uma alternativa em casos
específicos, mas um princípio orientador
de como queremos viver juntos, resolver nossos conflitos e construir
relações mais humanas, justas e solidárias.
ARAUJO, Janice Lins de; SANTOS, Fabíola P. dos. Justiça Restaurativa nas Escolas: uma
proposta para a cultura de paz. São Paulo: Cortez, 2015.
BATISTA,
Vera Malaguti. O medo na cidade do Rio de
Janeiro: dois tempos de uma história. Rio de Janeiro: Revan, 2011.
BRASIL.
Conselho Nacional de Justiça. Resolução
CNJ nº 225/2016 – Política Nacional de Justiça Restaurativa. Brasília: CNJ,
2016.
BRASIL.
Conselho Nacional de Justiça. Práticas
Restaurativas no Brasil: diagnóstico e perspectivas. Brasília: CNJ, 2023.
PRANIS,
Kay. The Little Book of Circle Processes:
A New/Old Approach to Peacemaking. Intercourse, PA: Good Books, 2005.
WACQUANT, Loïc. As
Prisões da Miséria. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
ZEHR,
Howard. Trocando as Lentes: Um Novo Foco
sobre Justiça e seus Conflitos. São Paulo: Palas Athena, 2008.
A Justiça Restaurativa, ao propor uma abordagem dialógica,
participativa e relacional para lidar com conflitos, não se limita à resolução
pontual de casos. Ela propõe uma mudança de paradigma nas formas de pensar e
praticar a justiça, a convivência e a responsabilização social. Com base em
valores como empatia, escuta, reparação de danos e restauração de vínculos, seu
impacto mais profundo e duradouro não se encontra apenas no desfecho de
processos restaurativos, mas na transformação das estruturas e das culturas que
sustentam a violência, a exclusão e a punição.
Neste texto, propomos refletir sobre o potencial transformador da Justiça Restaurativa a longo prazo, explorando suas
implicações em diferentes esferas — comunitária, escolar,
institucional e sistêmica —, bem como os desafios para sua consolidação como
prática social e política. O foco será nos efeitos acumulativos dessa abordagem
ao longo do tempo, especialmente quando ela é incorporada de forma transversal
às políticas públicas, à cultura institucional e às práticas sociais
cotidianas.
Tradicionalmente, o sistema de justiça criminal opera com
base em um modelo retributivo: o crime é visto como uma violação da lei, e o
Estado responde punindo o infrator. A Justiça Restaurativa, por outro lado,
entende o crime ou conflito como uma quebra
de relações entre indivíduos e comunidades, e propõe que as partes
envolvidas assumam, juntas, a responsabilidade por reparar os danos causados
(ZEHR, 2008).
Essa mudança de foco — do castigo para a reparação, da
exclusão para a reintegração — tem efeitos transformadores não apenas sobre os
indivíduos diretamente envolvidos, mas sobre a cultura de justiça de uma sociedade. Com o tempo, essa mudança pode
levar a uma redefinição coletiva dos
sentidos de justiça, autoridade, empoderamento e pertencimento.
A longo prazo, a consolidação da Justiça Restaurativa
contribui para democratizar o acesso à
justiça, transformando-a de um processo técnico e hierárquico para um
espaço de escuta mútua, reconhecimento e diálogo. Trata-se de um processo no
qual as pessoas deixam de ser apenas objetos da justiça (acusados, vítimas,
testemunhas) e passam a ser sujeitos do
processo restaurativo.
Essa transformação implica deslocar a justiça de um modelo
centrado no Estado para um modelo centrado na comunidade e nas relações
humanas, o que pode gerar impactos profundos nas estruturas de poder e no
tecido social.
A incorporação da Justiça Restaurativa no sistema
judiciário, ainda que inicialmente limitada, tem o potencial de transformar a cultura institucional das
práticas jurídicas. Juízes, promotores e defensores que passam a atuar com
base em princípios restaurativos desenvolvem uma nova compreensão sobre o papel
da justiça, o sentido da responsabilização e a importância do diálogo.
Em experiências como a dos Núcleos de Justiça Restaurativa dos Tribunais de Justiça estaduais, há indícios de que o engajamento em
práticas restaurativas altera não apenas a
conduta dos operadores jurídicos, mas também os valores que orientam sua atuação profissional (ARAUJO &
SANTOS, 2015).
A longo prazo, a adoção da Justiça Restaurativa como
política pública pode inspirar a criação de modelos integrados de justiça, educação, saúde mental e assistência
social, nos quais o foco deixa de ser apenas a repressão ou o atendimento
técnico, e passa a ser a reconstrução de
vínculos e a prevenção de rupturas sociais.
Experiências como os Escritórios
Sociais (CNJ, 2023) mostram como é possível desenvolver práticas
restaurativas no apoio à reintegração de egressos do sistema prisional, com
impacto direto na redução da reincidência, na ampliação da cidadania e na
inclusão social.
A Justiça Restaurativa, ao promover espaços seguros de
diálogo em comunidades marcadas por conflitos, tem o potencial de fortalecer o capital social, restaurar
a confiança entre vizinhos, reduzir a violência cotidiana e ampliar o senso de
pertencimento.
Quando implementada de forma contínua, em parceria com
escolas, organizações comunitárias e lideranças locais, essa abordagem transforma a maneira como os conflitos são
percebidos e geridos no cotidiano. Isso pode reduzir a dependência do
sistema de justiça formal e criar uma cultura comunitária de prevenção e
cuidado mútuo.
Outro impacto transformador da Justiça Restaurativa é sua
capacidade de incluir no processo de justiça vozes historicamente marginalizadas — como mulheres vítimas de
violência, jovens em conflito com a lei, comunidades periféricas e populações
racializadas. Por meio do diálogo restaurativo, esses sujeitos deixam de ser
apenas objetos de intervenção estatal e se tornam protagonistas na reconstrução
de suas histórias.
Essa mudança, a longo prazo, pode contribuir para a superação da cultura de silenciamento e
exclusão, dando lugar a formas mais participativas, justas e equitativas de
convivência.
As práticas restaurativas aplicadas no ambiente escolar têm mostrado grande eficácia na redução de conflitos, na melhoria do clima escolar e no fortalecimento das competências socioemocionais. Círculos de diálogo, mediação de conflitos e rodas de escuta criam uma nova cultura
relacional entre alunos, professores e
comunidade.
Quando tais práticas são mantidas ao longo do tempo, seus
efeitos ultrapassam os muros da escola, contribuindo para formar novas gerações com maior capacidade de empatia, escuta ativa,
cooperação e resolução não violenta de conflitos (PRANIS, 2005).
Mais do que resolver conflitos pontuais, a implementação
sistemática da Justiça Restaurativa nas escolas pode contribuir para prevenir a reprodução de violências
estruturais, como o racismo, o machismo, a LGBTfobia e o autoritarismo. Ao
valorizar a diversidade, promover a inclusão e estimular a escuta entre
diferentes, a Justiça Restaurativa transforma a escola em espaço de formação ética e cidadã.
Um dos fatores que garantem a continuidade e o impacto da
Justiça Restaurativa é a formação de
redes locais e regionais, compostas por facilitadores, gestores, operadores
do direito, educadores e lideranças comunitárias. Essas redes funcionam como
espaços de apoio mútuo, troca de experiências, formação continuada e incidência
política.
Segundo Santos (2007), tais redes constituem
“epistemologias do Sul”, capazes de criar formas de conhecimento e ação
baseadas na experiência dos povos e territórios, e não apenas nos modelos
hegemônicos de justiça.
Para que os efeitos da Justiça Restaurativa se consolidem a
longo prazo, é necessário também investir em sistematização das práticas, avaliação
participativa dos resultados e produção
de conhecimento a partir da prática. Esses processos permitem o
aprimoramento das metodologias, a visibilidade dos impactos e a legitimação
social e institucional da abordagem.
O potencial transformador da Justiça Restaurativa a longo
prazo reside na sua capacidade de reconfigurar
valores, práticas e relações em diversas esferas da vida social. Mais do
que uma técnica de resolução de conflitos, trata-se de um projeto ético e político de convivência democrática, que visa
reparar os danos, restaurar os vínculos e reconstruir os sentidos de justiça
com base na escuta, no diálogo e na corresponsabilidade.
Para que essa transformação se realize de forma consistente
e sustentável, é necessário:
• Comprometimento
político e institucional.
• Formação
contínua e crítica de facilitadores.
• Integração
com políticas públicas.
•
Enraizamento
nas comunidades e territórios.
• Sistematização
e produção de conhecimento.
Como afirma Howard Zehr (2008), a Justiça Restaurativa não
é um destino, mas um caminho. Um
caminho que, se trilhado coletivamente, pode nos levar a uma sociedade mais
justa, humana e solidária.
ARAUJO, Janice Lins de; SANTOS, Fabíola P. dos. Justiça Restaurativa nas Escolas: uma
proposta para a cultura de paz. São Paulo: Cortez, 2015.
BRASIL.
Conselho Nacional de Justiça. Práticas
Restaurativas no Brasil: diagnóstico e perspectivas. Brasília: CNJ, 2023.
CNJ – Conselho Nacional de
Justiça. Resolução nº 225/2016 – Política
Nacional de Justiça Restaurativa no âmbito do Poder Judiciário. Brasília:
CNJ, 2016.
PRANIS,
Kay. The Little Book of Circle Processes:
A New/Old Approach to Peacemaking. Intercourse, PA: Good Books, 2005.
SANTOS, Boaventura de Sousa. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. São Paulo:
Cortez, 2006.
ZEHR, Howard. Trocando as Lentes: Um Novo Foco sobre Justiça e seus Conflitos. São Paulo: Palas Athena, 2008.
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