JUSTIÇA E PRÁTICAS RESTAURATIVAS
A Justiça Restaurativa tem ganhado crescente relevância
como uma abordagem alternativa à Justiça tradicional, especialmente em
contextos nos quais a resposta estatal a conflitos se mostra insatisfatória ou
incapaz de promover a pacificação social. Ao contrário da Justiça retributiva,
baseada na punição, a Justiça Restaurativa procura restaurar as relações
rompidas pelo delito por meio do diálogo, responsabilização ativa e reparação
dos danos causados. Neste texto, busca-se apresentar as definições fundamentais
da Justiça Restaurativa, seus principais elementos distintivos em relação ao
modelo penal tradicional e, sobretudo, traçar suas origens históricas e
culturais, tanto em contextos ocidentais quanto em práticas ancestrais de povos
originários.
A Justiça Restaurativa pode ser entendida como uma
filosofia e um conjunto de práticas voltadas à resolução de conflitos que
buscam reparar os danos causados a pessoas e relações, em vez de simplesmente
punir o infrator. De acordo com Zehr (2008), um dos principais teóricos da
área, "a Justiça Restaurativa é um processo no qual todas as partes
afetadas por um ato de injustiça se reúnem para resolver coletivamente como
lidar com as consequências do delito e suas implicações para o futuro".
A abordagem restaurativa parte de uma compreensão
relacional do crime. Ao invés de vê-lo apenas como uma violação da lei do
Estado, ela o enxerga como uma ruptura de relações humanas. Assim, a prioridade
passa a ser a reparação dos danos às vítimas, a responsabilização consciente do
infrator e a reintegração de todos os envolvidos à comunidade. Segundo Bazemore
e Umbreit (2001), o modelo restaurativo promove uma justiça centrada na vítima,
mas que também envolve ativamente o ofensor e a comunidade como elementos
indispensáveis à restauração do equilíbrio social.
Dentre os princípios que fundamentam essa abordagem,
destacam-se: a participação voluntária, a escuta ativa, o reconhecimento de
responsabilidades, o foco nas necessidades das vítimas e o objetivo de
restaurar relações. Os mecanismos mais conhecidos de operacionalização da
Justiça Restaurativa incluem os círculos restaurativos, as conferências
familiares, as mediações vítima-ofensor e os fóruns de diálogo.
Apesar de seu reconhecimento contemporâneo como uma inovação jurídica, as
raízes da Justiça Restaurativa remontam a práticas
ancestrais de resolução de conflitos utilizadas por diversos povos indígenas e
comunidades tradicionais. Em muitos desses contextos, os conflitos não eram
tratados por meio da punição estatal, mas sim por mecanismos coletivos de
reconciliação e reparação.
Um exemplo emblemático são os povos Māori, da Nova
Zelândia, que utilizavam o modelo whānau
conferencing, um tipo de conferência familiar em que a comunidade e os
envolvidos buscavam soluções restaurativas para o conflito. Essa prática
inspirou diretamente a implementação das conferências restaurativas no sistema
juvenil da Nova Zelândia a partir dos anos 1990 (MAXWELL; MORRIS, 2006).
Outros exemplos incluem as práticas de mediação comunitária
dos inuítes no Canadá, os conselhos de anciãos na África Subsaariana e os
círculos de fala dos povos nativos da América do Norte. Em todos esses casos, a
ênfase está em restaurar o equilíbrio social, promover o diálogo e fortalecer
os laços comunitários, ao invés de isolar e punir.
Essas práticas tradicionais foram muitas vezes ignoradas ou
reprimidas pelo sistema jurídico ocidental, que se baseou em princípios de
autoridade estatal e punição formal. No entanto, a partir do final do século
XX, pesquisadores, juristas e educadores passaram a reconhecer o valor desses
saberes ancestrais, incorporando seus elementos à concepção moderna de Justiça
Restaurativa.
O desenvolvimento moderno da Justiça Restaurativa começou a
tomar forma nas décadas de 1970 e 1980, principalmente em países como Canadá,
Estados Unidos e Nova Zelândia. O caso considerado pioneiro ocorreu em 1974, em
Kitchener, Ontário (Canadá), quando dois jovens envolvidos em vandalismo foram
encaminhados para um encontro com as vítimas, facilitado por um agente de
condicional e um membro da comunidade menonita. Esse caso originou o chamado Victim-Offender Reconciliation Program
(VORP), que viria a influenciar a criação de centenas de programas
semelhantes no mundo (ZEHR, 2002).
Nos Estados Unidos, o movimento de Justiça Restaurativa ganhou força com o apoio de organizações comunitárias, religiosas e acadêmicas, especialmente aquelas ligadas à promoção dos direitos das vítimas e à crítica ao encarceramento em massa. Já na Nova Zelândia, a incorporação das práticas indígenas ao sistema de justiça juvenil resultou em reformas significativas, com o uso obrigatório das conferências familiares
restaurativas antes da
imposição de medidas punitivas formais (MAXWELL; MORRIS, 2006).
Na Europa, países como Noruega, Finlândia e Reino Unido
também implementaram programas-piloto de Justiça Restaurativa, principalmente
voltados à mediação penal e à reintegração de jovens infratores. A União
Europeia passou a incentivar políticas públicas baseadas nessa abordagem a
partir dos anos 2000, considerando-a compatível com os princípios de cidadania,
inclusão social e participação democrática (EUROPEAN FORUM FOR RESTORATIVE
JUSTICE, 2011).
No Brasil, a Justiça Restaurativa começou a ser discutida
de forma mais estruturada nos anos 2000, com apoio do Conselho Nacional de
Justiça (CNJ) e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Em
2005, foram iniciados os primeiros projetos-piloto em estados como Rio Grande
do Sul, São Paulo e Distrito Federal, com foco no atendimento a adolescentes em
conflito com a lei e na mediação escolar (CNJ, 2022).
Desde então, diversas resoluções normativas foram
publicadas para institucionalizar e expandir a prática restaurativa, como a Resolução CNJ nº 225/2016, que
estabelece diretrizes para a implementação da Justiça Restaurativa no Poder
Judiciário. Essa resolução reconhece a importância de ações
interinstitucionais, da formação de facilitadores e da articulação com
políticas públicas de educação, assistência social e segurança.
A aplicação da Justiça Restaurativa no Brasil tem ocorrido
em diferentes esferas: no sistema de justiça juvenil, em escolas públicas, em
comunidades vulneráveis e até mesmo no sistema prisional. Diversas experiências
bemsucedidas têm sido documentadas, demonstrando o potencial transformador da
abordagem restaurativa, especialmente na prevenção de reincidência, na redução
da violência e na reconstrução de vínculos comunitários.
A Justiça Restaurativa representa uma mudança de paradigma
em relação ao modo tradicional de se lidar com o crime e os conflitos. Ao
deslocar o foco da punição para a reparação, e do Estado para a comunidade,
essa abordagem resgata práticas ancestrais e promove uma justiça mais humana,
participativa e inclusiva. Suas origens estão enraizadas em culturas diversas,
que sempre valorizaram o diálogo, a escuta e a reconciliação como formas
legítimas de resolução de problemas.
Embora os desafios para sua plena implementação ainda sejam grandes – incluindo resistências institucionais,
falta de recursos e
desconhecimento por parte da população – a Justiça Restaurativa tem se mostrado
uma ferramenta promissora para transformar não apenas o sistema de justiça, mas
também as relações sociais e a cultura da paz.
BAZEMORE, Gordon; UMBREIT, Mark. A comparison of four restorative conferencing models. Juvenile
Justice Bulletin, Office of Juvenile Justice and Delinquency Prevention, 2001.
CNJ – Conselho Nacional de Justiça. Justiça Restaurativa. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/justica-restaurativa/.
Acesso em: 05 mai. 2025.
EUROPEAN FORUM FOR RESTORATIVE JUSTICE. Restorative
Justice: An Overview.
Leuven: EFRJ, 2011.
MAXWELL, Gabrielle; MORRIS, Allison. Youth Justice in New Zealand: Restorative Justice in Practice?
Journal of Social Issues, v. 62, n. 2, p. 239– 258, 2006.
ZEHR, Howard. Trocando as lentes: um novo foco sobre a Justiça e seus conflitos.
São Paulo: Palas Athena, 2008.
ZEHR, Howard. The
Little Book of Restorative Justice. Intercourse, PA: Good Books, 2002.
A forma como uma sociedade lida com o crime e a violação de
normas reflete não apenas seu sistema jurídico, mas também sua concepção de
justiça, valores e prioridades sociais. Ao longo da história, diferentes
modelos de justiça foram adotados para lidar com a criminalidade. Entre os mais
discutidos na contemporaneidade estão os modelos de Justiça Retributiva e Justiça
Restaurativa. Embora ambos visem tratar as consequências de condutas
consideradas ilícitas, suas abordagens são substancialmente distintas, tanto em
relação à finalidade quanto aos meios utilizados. Este texto propõe-se a
apresentar e analisar essas duas formas de justiça, explorando suas
características, fundamentos filosóficos, práticas associadas e implicações
para as vítimas, ofensores e a comunidade.
A Justiça Retributiva é o modelo dominante nos sistemas
penais contemporâneos, sendo herdeira de uma longa tradição jurídico-filosófica
ocidental que remonta ao direito romano e às teorias filosóficas clássicas da
punição. Segundo essa abordagem, o crime é concebido como uma infração à lei do
Estado e, portanto, exige uma resposta proporcional que implique punição ao
infrator.
Autores como Immanuel Kant e G.W.F. Hegel defenderam a punição como uma exigência moral, entendendo que o infrator deve receber uma sanção
equivalente ao mal causado, como forma de restabelecer a ordem jurídica.
Esse princípio, conhecido como retribuição
moral, sustenta que punir é uma exigência da justiça, independentemente de
efeitos utilitários como prevenção ou ressocialização (KANT, 2003).
No contexto contemporâneo, a Justiça Retributiva
estrutura-se em torno de três eixos principais:
• Identificação do culpado, com base na
investigação e no julgamento.
• Aplicação de uma pena proporcional,
fundamentada na gravidade do crime.
• Execução da sanção, geralmente
privativa de liberdade.
Nesse modelo, o papel central é desempenhado pelo Estado,
que representa a sociedade e decide sobre a culpa e a pena. A vítima ocupa um
papel secundário, muitas vezes restrito ao de testemunha, sendo seu sofrimento
e necessidades frequentemente ignorados pelo processo (ZEHR, 2008).
A Justiça Restaurativa, por sua vez, propõe uma abordagem
alternativa, na qual o crime não é visto apenas como uma violação da lei, mas
como uma ruptura de relações humanas.
O foco desloca-se da punição para a reparação dos danos causados, promovendo a
responsabilização ativa do infrator, o acolhimento da vítima e a participação
da comunidade na construção de soluções.
Para Zehr (2002), considerado o "pai da Justiça
Restaurativa", esta abordagem busca responder a três perguntas centrais:
1. Quem
foi prejudicado?
2. Quais
são as necessidades desses envolvidos?
3. Quem
tem a responsabilidade de reparar esse dano?
A Justiça Restaurativa parte de princípios como o respeito à dignidade de todas as partes, a centralidade das vítimas, a escuta ativa, o diálogo e o voluntariado. Ela utiliza práticas como círculos de justiça, conferências restaurativas e mediações vítima-ofensor para promover o encontro entre as partes e a busca coletiva por soluções restauradoras (BRAITHWAITE, 2002).
Essa forma de justiça tem raízes em práticas ancestrais de
povos indígenas e comunidades tradicionais, como os Māori da Nova Zelândia e os
nativos norte-americanos, cujos modelos de resolução de conflitos sempre
priorizaram a reconciliação e o equilíbrio comunitário.
Embora ambos os modelos busquem respostas para o crime,
eles se diferenciam radicalmente em vários aspectos:
• Justiça Retributiva: considera o crime
como uma violação da lei do Estado.
• Justiça Restaurativa:
considera o crime
como uma violação de pessoas e relações.
• Retributiva: foco na punição e na
proporcionalidade da pena ao delito cometido.
• Restaurativa: foco na reparação do dano
e na restauração dos laços sociais.
• Retributiva: o Estado assume o
protagonismo, a vítima é marginalizada, e o infrator é passivo.
• Restaurativa: vítima, ofensor e
comunidade participam ativamente do processo.
• Retributiva: responsabilização é
imposta, com sanção unilateral.
• Restaurativa: responsabilização é
assumida, com compreensão das consequências e busca por reparação.
• Retributiva: restabelecer a ordem
jurídica e dissuadir futuras infrações.
• Restaurativa: promover justiça
relacional, sanar feridas, evitar reincidência e restaurar a paz social.
Essa diferença de perspectiva impacta diretamente os
resultados e a eficácia das intervenções. Estudos têm demonstrado que a Justiça
Restaurativa pode ser mais eficaz na redução da reincidência, no aumento da
satisfação das vítimas e na responsabilização consciente do infrator (SHAPLAND
et al., 2008).
Ambos os modelos estão sujeitos a críticas e apresentam
limitações. A Justiça Retributiva é frequentemente criticada por:
• Produzir
encarceramento em massa.
• Desconsiderar
as necessidades da vítima.
• Falhar
na prevenção da reincidência.
• Reforçar
desigualdades estruturais.
Por outro lado, a Justiça Restaurativa enfrenta desafios
como:
• Resistência
cultural e institucional à mudança de paradigma.
• Falta
de formação de facilitadores qualificados.
• Dificuldades
em casos de crimes graves ou com vítimas indispostas a participar.
• Risco
de coação ou instrumentalização da participação do ofensor.
Apesar disso, a Justiça Restaurativa tem sido reconhecida
por organismos internacionais, como a ONU, como um instrumento valioso para a
pacificação social e a transformação das dinâmicas penais. Segundo o Manual
sobre Programas de Justiça Restaurativa da ONU (2006), "as práticas
restaurativas podem ser adaptadas a diferentes culturas jurídicas, desde que
respeitem os direitos humanos fundamentais".
A oposição entre Justiça Retributiva e Restaurativa não precisa ser vista como absoluta. Em muitos
contextos, há experiências de justiças híbridas, nas quais elementos
restaurativos são incorporados ao sistema penal tradicional. No Brasil, por
exemplo, a Resolução CNJ nº 225/2016 incentiva práticas restaurativas dentro do
Judiciário, sem necessariamente substituir as normas penais vigentes.
Esse caminho integrativo tem sido chamado por alguns
autores de justiça transformadora,
por visar não apenas a resolução do caso concreto, mas a mudança cultural das
instituições e da sociedade em direção à não violência, à corresponsabilidade e
à dignidade humana (WALGRAVE, 2008).
O futuro da justiça, portanto, parece apontar para modelos
mais participativos, empáticos e sensíveis às necessidades reais das pessoas
afetadas pelo crime. Isso requer investimento em formação, mudança de
mentalidade e apoio político, mas oferece a promessa de um sistema mais justo,
inclusivo e eficaz.
A comparação entre Justiça Retributiva e Justiça
Restaurativa revela muito mais do que duas metodologias diferentes para lidar
com o crime. Trata-se, na verdade, de duas visões de mundo distintas: uma
baseada na punição e no controle social; a outra, na reparação, na escuta e na
reconstrução dos vínculos rompidos. Embora a Justiça Retributiva ainda
predomine nos sistemas jurídicos, a crescente valorização da abordagem
restaurativa demonstra a necessidade de repensar a forma como lidamos com
conflitos e transgressões.
A construção de uma cultura restaurativa não significa
abandonar a legalidade ou a autoridade estatal, mas sim complementá-las com
práticas que humanizam a justiça e promovem transformações reais. Em um mundo
marcado por violências sistêmicas, desigualdades e rupturas sociais, a Justiça
Restaurativa oferece uma resposta promissora e necessária para o nosso tempo.
BRAITHWAITE, John. Restorative
Justice and Responsive Regulation. Oxford: Oxford University Press, 2002.
KANT, Immanuel. A
Metafísica dos Costumes. Trad. Edson Bini. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
SHAPLAND, Joanna et al. Does Restorative Justice Affect
Reconviction? The Fourth Report from the Evaluation of Three Schemes.
Ministry of Justice Research Series 10/08, 2008.
WALGRAVE, Luc. Restorative Justice, Self-interest and Responsible Citizenship.
Willan Publishing, 2008.
ZEHR, Howard. The
Little Book of Restorative Justice. Intercourse, PA: Good Books, 2002.
ZEHR, Howard. Trocando as Lentes: Um Novo Foco sobre Justiça e seus Conflitos. São
Paulo: Palas Athena, 2008.
ONU – Organização das Nações Unidas. Manual sobre Programas de Justiça Restaurativa. Nova Iorque: UNODC,
2006.
A Justiça Restaurativa é frequentemente considerada uma
inovação no campo jurídico, embora suas raízes estejam fincadas em práticas
ancestrais de comunidades tradicionais ao redor do mundo. A retomada e
sistematização contemporânea dessas práticas ocorreram a partir de experiências
concretas, pioneiras e exitosas em diferentes países. Esses casos iniciais não
apenas demonstraram a viabilidade da abordagem restaurativa, mas também
influenciaram políticas públicas, reformas legislativas e novas perspectivas no
tratamento dos conflitos. Este texto tem como objetivo apresentar e analisar
alguns dos principais casos e exemplos
iniciais de aplicação da Justiça Restaurativa no mundo, destacando seus
contextos, metodologias e resultados, bem como o papel que desempenharam na
difusão do modelo restaurativo globalmente.
O exemplo mais citado na literatura como marco fundador da
Justiça Restaurativa contemporânea ocorreu em 1974, na cidade de Kitchener, na
província de Ontário, no Canadá. Dois jovens foram detidos após cometerem uma
série de atos de vandalismo contra propriedades privadas. Em vez de seguir o
caminho convencional da Justiça juvenil, um oficial de condicional, Jim
Consedine, e um membro da Igreja Menonita, Mark Yantzi, propuseram uma
alternativa: os jovens se encontrariam diretamente com as vítimas, admitiriam
suas responsabilidades e ofereceriam reparações pelos danos causados.
O encontro foi realizado com sucesso. As vítimas relataram
os prejuízos sofridos, os jovens expressaram remorso e um plano de compensação
foi acordado. Esse episódio originou o Victim-Offender
Reconciliation Program (VORP), considerado o primeiro programa formal de
Justiça Restaurativa no mundo (ZEHR, 2002).
O sucesso do VORP de Kitchener levou à multiplicação de
iniciativas semelhantes em outras províncias canadenses e nos Estados Unidos.
Além disso, serviu de base teórica e prática para a institucionalização de
programas restaurativos em contextos escolares, comunitários e penitenciários.
Outro marco histórico da Justiça Restaurativa contemporânea foi a introdução das Family Group Conferences (FGC) no sistema juvenil da Nova Zelândia, a partir da aprovação
da Nova Zelândia, a partir da
aprovação da Children, Young Persons,
and Their Families Act, em 1989. Essa legislação inovadora incorporou
práticas tradicionais do povo Māori, que já utilizava reuniões familiares e
comunitárias para lidar com transgressões e restaurar a harmonia social.
A Conferência Familiar Restaurativa é um encontro
estruturado entre o jovem infrator, sua família, a vítima e seus apoiadores,
conduzido por um facilitador treinado. O objetivo é que as partes, juntas,
compreendam o que aconteceu, expressem seus sentimentos e necessidades, e
construam coletivamente um plano de reparação (MAXWELL; MORRIS, 2006).
Os resultados da implementação das FGCs foram amplamente
positivos, com taxas de satisfação elevadas entre vítimas e ofensores, redução
de reincidência e fortalecimento dos vínculos familiares. Essa experiência
inspirou outros países, como Austrália, Reino Unido, África do Sul e Irlanda, a
adotarem modelos semelhantes de conferência restaurativa em seus sistemas de
justiça juvenil.
No Canadá, além do VORP, desenvolveram-se experiências
específicas com círculos restaurativos
inspirados nas práticas indígenas de resolução de conflitos, especialmente
entre os povos Cree, Inuit e Dene. Essas comunidades valorizam os círculos de fala, encontros em que
todos os envolvidos são convidados a falar em igualdade de condições,
promovendo a escuta ativa, o respeito mútuo e a busca por soluções consensuais.
Nos anos 1990, a cidade de Hollow Water, em Manitoba,
tornou-se referência internacional com a aplicação de círculos restaurativos em
casos de abuso sexual dentro da comunidade. O projeto, chamado de Hollow Water First Nation Community
Holistic Healing Circle, integrou vítimas, ofensores, familiares, líderes
espirituais e facilitadores em um processo longo, mas eficaz, de cura coletiva
(ROSS, 1996).
Essas práticas demonstraram que a Justiça Restaurativa é
viável mesmo em casos graves, desde que haja preparo, voluntariedade e apoio
comunitário. Além disso, desafiaram o paradigma punitivo predominante e
trouxeram à tona o valor dos saberes tradicionais.
No Brasil, os primeiros casos formais de Justiça Restaurativa ocorreram no contexto de projetos-piloto organizados com o apoio do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do Ministério da Justiça e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). O principal
deles foi
implementado no Rio Grande do Sul, em 2005, no Fórum Central de Porto Alegre,
sob a coordenação da juíza Leoberto Brancher.
Um dos casos paradigmáticos envolveu adolescentes acusados
de furto em uma escola pública. A Justiça Restaurativa foi aplicada por meio de
círculos de construção de paz com a participação dos estudantes, professores,
familiares e vítimas. O processo possibilitou não apenas a reparação material,
mas também a restauração dos vínculos escolares e a prevenção de novas
ocorrências.
Outras
iniciativas surgiram em São Paulo, Distrito Federal, Pernambuco e Paraná,
envolvendo casos escolares, familiares e de violência doméstica. Em 2016, o CNJ
publicou a Resolução nº 225,
estabelecendo diretrizes para a implementação da
Justiça Restaurativa no Judiciário, ampliando significativamente o alcance das práticas restaurativas
no país (CNJ, 2016).
Um dos ambientes mais férteis para a aplicação inicial da
Justiça Restaurativa tem sido a escola. Casos de bullying, agressões verbais e
conflitos entre estudantes e professores são frequentemente mal resolvidos por
meio de punições suspensivas ou expulsões, que não abordam as causas profundas
dos comportamentos nem contribuem para a responsabilização consciente.
Nos Estados Unidos, escolas públicas em Oakland
(Califórnia) implementaram com sucesso o modelo de círculos restaurativos a
partir de 2007, com foco em alunos em risco de evasão e exclusão. Um dos casos
emblemáticos envolveu um aluno prestes a ser expulso por repetidas infrações
disciplinares. Após a realização de diversos círculos com ele, colegas,
familiares e equipe escolar, o aluno não apenas evitou a expulsão, mas
tornou-se facilitador de círculos em sua escola (KARP; SULLIVAN, 2016).
O impacto dessas ações foi mensurado em termos de redução
de suspensões, melhoria no desempenho escolar e aumento da participação dos
pais. Esses exemplos reforçam a potencialidade transformadora da Justiça
Restaurativa para além do sistema jurídico, alcançando também os espaços
educativos.
Os casos e exemplos iniciais de Justiça Restaurativa foram fundamentais para demonstrar a viabilidade e a eficácia dessa abordagem alternativa em contextos variados, desde o sistema penal até o ambiente escolar. A experiência de Kitchener no Canadá, as conferências familiares na Nova Zelândia, os círculos indígenas e os projetos brasileiros mostraram que é
possível lidar com o conflito de maneira mais humana, relacional e inclusiva.
Esses casos pavimentaram o caminho para a expansão do
modelo restaurativo no mundo inteiro, legitimando sua adoção por políticas
públicas e instituições. Eles também nos ensinam que o sucesso da Justiça
Restaurativa depende não apenas de técnicas específicas,
mas de uma mudança de mentalidade que reconheça o poder do diálogo, da escuta e
da corresponsabilidade na construção da justiça.
CNJ – Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 225/2016. Disponível em:
https://www.cnj.jus.br. Acesso em: 05 mai. 2025.
KARP, David R.; SULLIVAN, Kate. Restorative Justice in the Classroom: A
Practical Guide for Educators. Boulder: First Edition, 2016.
MAXWELL, Gabrielle; MORRIS, Allison. Youth Justice in New Zealand: Restorative Justice in Practice?
Journal of Social Issues, v. 62, n. 2, p. 239– 258, 2006.
ROSS, Rupert. Returning to the Teachings: Exploring Aboriginal Justice. Toronto:
Penguin Books, 1996.
ZEHR, Howard. The
Little Book of Restorative Justice. Intercourse, PA: Good Books, 2002.
A Justiça Restaurativa vem ganhando destaque mundial como
uma alternativa viável ao modelo punitivo da Justiça criminal tradicional. Essa
abordagem propõe uma mudança profunda na maneira como se compreende e se
responde aos conflitos e crimes, deslocando o foco da violação da norma estatal
para os impactos humanos e sociais do dano causado. Em vez de buscar apenas
punição, a Justiça Restaurativa valoriza três pilares fundamentais: responsabilidade, reparação e reintegração.
Esses princípios estão interligados e constituem o núcleo das práticas
restaurativas. O presente texto tem como objetivo analisar detalhadamente esses
três elementos, discutindo seus fundamentos teóricos, aplicações práticas e
implicações para vítimas, ofensores e comunidades.
Diferente da concepção tradicional, que vincula
responsabilidade à culpabilidade jurídica e à aplicação de uma sanção, a
Justiça Restaurativa propõe uma responsabilização ativa, voluntária e
consciente por parte daquele que causou o dano. Isso implica reconhecer o
impacto de suas ações, escutar as vítimas e assumir um compromisso com a
reparação.
Howard Zehr (2002), um dos principais teóricos da área, afirma que
"responsabilidade verdadeira não pode ser imposta, deve ser
assumida". Para tanto, é necessário criar espaços seguros e acolhedores,
onde o ofensor possa compreender o sofrimento gerado e, a partir daí, assumir
uma postura de transformação pessoal e social.
A responsabilização, no modelo restaurativo, está associada
a três dimensões principais:
• Reconhecimento do ato: O ofensor admite
ter causado o dano e reconhece a gravidade do ocorrido.
• Empatia com a vítima: Desenvolve-se a
capacidade de escutar e compreender o sofrimento do outro.
• Compromisso com a mudança: O
responsável compromete-se com ações concretas para reparar o dano e não repetir
o comportamento.
Esse
tipo de responsabilização exige tempo, acompanhamento e sensibilidade cultural.
Não se trata apenas de confessar a culpa, mas de entender os impactos e buscar
restabelecer as relações afetadas.
No modelo retributivo, a responsabilidade é juridicamente
imposta e frequentemente desvinculada de qualquer reflexão ética. O processo
criminal muitas vezes exclui o ofensor do debate moral, substituindo-o por
procedimentos técnicos e decisões judiciais. Na Justiça Restaurativa, por outro
lado, a responsabilização é dialógica e envolve um processo educativo, onde o
ofensor é convidado a refletir, aprender e crescer a partir do conflito
(BRAITHWAITE, 2002).
A reparação é o eixo central da Justiça Restaurativa. Ao
contrário da pena retributiva, que se centra na punição abstrata, a reparação
visa atender diretamente às necessidades das vítimas e restaurar os danos
causados, de maneira concreta e significativa.
Segundo o Manual da ONU sobre Programas de Justiça Restaurativa (2006), a reparação pode assumir diferentes formas, tais como:
• Reparação material: compensação
financeira, reposição de bens ou serviços comunitários.
• Reparação simbólica: pedido de
desculpas, atos de reconhecimento público ou cerimônias de reconciliação.
• Reparação emocional: escuta empática,
reconstrução de vínculos e resgate da dignidade.
Cada caso exige uma forma de reparação personalizada, que
respeite as necessidades das vítimas, a capacidade do ofensor e a realidade
cultural da comunidade envolvida.
A reparação somente é
possível se a vítima for ouvida e
colocada no centro do processo. No sistema penal tradicional, a vítima é
frequentemente excluída e tratada como mera fonte de prova. Já no modelo
restaurativo, ela é considerada parte ativa, com voz, sentimentos e
necessidades específicas que precisam ser acolhidas (WALGRAVE, 2008).
Muitas vítimas afirmam que o simples fato de serem ouvidas
com respeito e empatia já representa um passo significativo no processo de
cura. Em alguns casos, a reparação simbólica tem mais impacto emocional do que
a compensação financeira, pois promove o reconhecimento do sofrimento
vivenciado.
Além de atender aos indivíduos diretamente afetados, a reparação tem um efeito transformador mais amplo. Quando realizada com autenticidade, ela contribui para fortalecer laços sociais, prevenir novas infrações e construir uma cultura de paz. A comunidade deixa de ser mero espectador do conflito e passa a atuar como agente restaurador, promovendo valores como solidariedade, corresponsabilidade e justiça relacional (PRANIS, 2005).
A reintegração diz respeito ao retorno do infrator ao
convívio social, de forma digna e responsável, e também à recuperação da vítima
como sujeito pleno de direitos. Trata-se de um processo contínuo que busca
reconstruir os laços rompidos e restaurar o sentimento de pertencimento, tanto
para quem causou quanto para quem sofreu o dano.
Muitas vezes, o crime gera estigmatização, isolamento e
exclusão. O sistema penal tradicional reforça esse ciclo ao rotular o infrator
e deixá-lo à margem da sociedade. A vítima, por sua vez, pode se sentir
abandonada, revitimizada e silenciada. A Justiça Restaurativa propõe caminhos
para superar essa lógica de exclusão por meio de práticas de acolhimento,
diálogo e reconexão.
Para que a reintegração do ofensor seja possível, é
necessário que ele passe por um processo genuíno de responsabilização e
reparação. Apenas quando há reconhecimento do dano e esforço para repará-lo é
que o retorno à comunidade pode ocorrer com autenticidade e aceitação.
Programas restaurativos com egressos do sistema prisional, por exemplo, têm demonstrado eficácia na redução da reincidência e no fortalecimento de projetos de vida. A criação de espaços de escuta, acompanhamento psicossocial e envolvimento comunitário são elementos essenciais desse
processo (KARP; SULLIVAN, 2016).
A reintegração da vítima é igualmente importante. Muitas
vítimas relatam sentimentos de medo, desconfiança e insegurança após a
infração. A experiência restaurativa, quando bem conduzida, pode ajudá-las a
recuperar o senso de controle, autonomia e dignidade.
A reintegração da vítima envolve validar seu sofrimento,
reconhecer sua história e proporcionar espaços seguros de expressão. Além
disso, o apoio da comunidade e dos facilitadores é fundamental para que ela não
se sinta isolada ou revitimizada.
Responsabilidade, reparação e reintegração não são etapas
separadas, mas elementos interdependentes e complementares. Um processo
restaurativo bem-sucedido exige que esses três componentes estejam presentes e
articulados.
A responsabilização sem reparação pode se tornar vazia. A
reparação sem responsabilização pode ser superficial. A reintegração sem esses
dois processos pode ser forçada ou ineficaz. Portanto, o grande desafio da
Justiça Restaurativa está em construir experiências que envolvam
verdadeiramente todas as partes e promovam transformação real.
Essa visão integrada está presente em diversas práticas
restaurativas, como os círculos de justiça, as conferências familiares e as
mediações vítimaofensor. Esses modelos criam oportunidades para que vítimas,
ofensores e membros da comunidade se encontrem, compartilhem suas experiências
e cocriem soluções justas e sustentáveis (BRAITHWAITE, 2002; ZEHR, 2008).
A Justiça Restaurativa oferece uma nova maneira de
compreender e lidar com os conflitos e as infrações. Seus pilares – responsabilidade, reparação e reintegração
– refletem um compromisso com a dignidade humana, a escuta sensível e a
reconstrução de vínculos.
Ao promover a responsabilização ativa, a reparação
personalizada e a reintegração plena, a Justiça Restaurativa rompe com a lógica
excludente do sistema penal e propõe uma justiça verdadeiramente relacional.
Trata-se de um caminho que exige coragem, empatia e disposição para o diálogo,
mas que oferece recompensas duradouras em termos de paz social e transformação
pessoal.
Para avançar nessa direção, é necessário investir na
formação de facilitadores, criar políticas públicas de fomento à Justiça
Restaurativa e
fortalecer a cultura da não violência em todos os espaços sociais. Somente assim será possível construir uma sociedade mais justa, inclusiva
a cultura da não violência em todos os espaços
sociais. Somente assim será possível construir uma sociedade mais justa,
inclusiva e restaurativa.
BRAITHWAITE, John. Restorative
Justice and Responsive Regulation. Oxford: Oxford University Press, 2002.
KARP, David R.; SULLIVAN, Kate. Restorative Justice in the Classroom: A
Practical Guide for Educators. Boulder: First Edition, 2016.
ONU – Organização das Nações Unidas. Manual sobre Programas de Justiça Restaurativa. UNODC, Nova Iorque,
2006.
PRANIS, Kay. The Little Book of Circle Processes: A New/Old Approach to Peacemaking.
Intercourse, PA: Good Books, 2005.
WALGRAVE, Luc. Restorative Justice, Self-interest and Responsible Citizenship.
Willan Publishing, 2008.
ZEHR, Howard. The
Little Book of Restorative Justice. Intercourse, PA: Good Books, 2002.
ZEHR, Howard. Trocando as Lentes: Um Novo Foco sobre Justiça e seus Conflitos.
São Paulo: Palas Athena, 2008.
A Justiça Restaurativa propõe uma nova forma de lidar com
os conflitos, crimes e violações sociais, deslocando o foco da punição formal
para a reparação de danos, responsabilização consciente e restauração de
vínculos. Mais do que uma simples alternativa ao sistema penal retributivo, ela
oferece uma abordagem profundamente humana, que reconhece o papel das emoções,
da empatia e da escuta ativa como elementos centrais para a construção de um
processo verdadeiramente transformador. Este texto explora como esses três
componentes – emoções, empatia e escuta ativa – são fundamentais para o sucesso
das práticas restaurativas, promovendo compreensão mútua, cura emocional e
reconexão social entre as partes envolvidas no conflito.
Todo conflito, seja ele interpessoal, comunitário ou
criminal, envolve emoções. Quando uma pessoa sofre um dano, não experimenta
apenas uma violação objetiva de um direito, mas um abalo emocional profundo,
que pode incluir dor, raiva, medo, tristeza ou humilhação. Da mesma forma, o
autor do dano também pode experimentar sentimentos de culpa, vergonha ou
arrependimento. Essas emoções, quando ignoradas, reprimidas ou
instrumentalizadas, tendem a se cristalizar em ressentimentos ou comportamentos
defensivos que impedem a restauração das relações.
A Justiça Restaurativa reconhece que os
conflitos têm uma
dimensão emocional que precisa ser abordada com cuidado e respeito. Segundo
Zehr (2002), o processo restaurativo não se limita à resolução racional de
problemas, mas envolve uma experiência
emocional de escuta, reconhecimento e reconciliação. Ao criar um espaço
seguro para a expressão das emoções, as práticas restaurativas permitem que as
partes se sintam vistas, ouvidas e validadas em sua dor.
Validar as emoções não significa concordar com elas, mas
reconhecê-las como legítimas. Esse reconhecimento é fundamental para que a
vítima sinta que sua dor foi ouvida, e para que o ofensor compreenda o impacto
de seus atos. Ao contrário do processo judicial convencional, que geralmente
reprime ou ignora as emoções, a Justiça Restaurativa as coloca no centro do
processo.
Segundo Pranis (2005), “as emoções não são obstáculos à
justiça – são o caminho para ela”. Quando as emoções são acolhidas com
sensibilidade, elas se tornam um recurso para o diálogo, e não uma ameaça à sua
racionalidade.
Empatia é a capacidade de compreender e compartilhar os
sentimentos do outro. Mais do que simpatia ou compaixão, a empatia implica
colocar-se no lugar do outro de maneira ativa, escutando sem julgar e
procurando ver o mundo a partir da perspectiva alheia. Na Justiça Restaurativa,
a empatia é vista como uma ponte que conecta as experiências das vítimas e dos
infratores, mesmo em situações marcadas por dor e conflito.
Segundo Marshall Rosenberg (2006), criador da Comunicação
Não-Violenta (CNV), a empatia não é um processo de convencimento, mas de presença e conexão emocional. Em
círculos restaurativos, por exemplo, os participantes são convidados a escutar
com empatia, o que significa suspender julgamentos e oferecer atenção genuína
às experiências compartilhadas.
A responsabilização restaurativa não é baseada na imposição
de culpa, mas na compreensão do impacto dos próprios atos. Esse entendimento só
é possível quando há empatia. Ao ouvir a dor da vítima, o ofensor pode
desenvolver um senso de responsabilidade mais profundo e autêntico, que o
motiva a reparar o dano não por medo da punição, mas por um compromisso ético e
humano.
Braithwaite (2002) ressalta que o processo restaurativo é mais eficaz quando promove o que ele chama de “shaming reintegrativo”, ou seja, um reconhecimento do erro que
não isola ou humilha o infrator, mas o convida a
reencontrar seu lugar na comunidade por meio da empatia e do reparo.
Para as vítimas, ser ouvida com empatia é um passo
fundamental no processo de cura. Muitas vezes, o sistema penal convencional
falha em proporcionar esse espaço de escuta. A Justiça Restaurativa oferece uma
oportunidade para que as vítimas compartilhem suas histórias, sejam
reconhecidas e comecem a reconstruir seu senso de dignidade e segurança.
Pesquisas demonstram que vítimas que participaram de
processos restaurativos relataram níveis mais altos de satisfação e menor
desejo de vingança (SHAPLAND et al., 2008). Isso se deve, em grande parte, à
presença da empatia no processo, algo frequentemente ausente nos tribunais
tradicionais.
3.1 O que é escuta
ativa?
A escuta ativa é uma técnica de comunicação que vai além de
simplesmente “ouvir”. Trata-se de um processo consciente de atenção,
acolhimento e resposta empática ao que está sendo dito. Envolve observar não
apenas as palavras, mas também os sentimentos, emoções e significados
implícitos. Na Justiça Restaurativa, a escuta ativa é fundamental para que o
diálogo seja autêntico e transformador.
Segundo Rogers (1961), a escuta ativa é um dos pilares da
relação terapêutica, e pode ser aplicada em qualquer contexto de escuta
genuína. Envolve técnicas como:
• Parafrasear
o que o outro disse para demonstrar compreensão.
• Fazer
perguntas abertas que aprofundem o relato.
• Manter
contato visual, postura aberta e atenção plena.
• Evitar
interrupções, julgamentos ou conselhos prematuros.
Em práticas restaurativas como os círculos de diálogo,
todos os participantes têm a oportunidade de falar e ser escutados de maneira
equitativa. A escuta ativa rompe com hierarquias tradicionais e oferece um
espaço horizontal, onde cada voz tem valor. Isso é especialmente importante em
contextos de desigualdade, onde certas vozes tendem a ser marginalizadas ou
silenciadas.
A escuta ativa também favorece o reconhecimento mútuo. Ao se sentir ouvido, o participante tende a
se abrir mais, criando um ciclo positivo de confiança e cooperação. Esse tipo
de escuta não é apenas uma técnica, mas uma atitude ética de presença e
respeito.
O facilitador em um processo restaurativo tem o
papel
crucial de garantir a qualidade da escuta. Ele cria o ambiente emocional e
simbólico adequado, ajuda a manter o foco, intervém quando necessário e
assegura que todos tenham a oportunidade de se expressar.
Formações em Justiça Restaurativa incluem treinamentos
intensivos em escuta ativa, justamente porque essa habilidade é indispensável
para a eficácia do processo. Sem escuta, não há diálogo; sem diálogo, não há
restauração.
A Justiça Restaurativa propõe uma visão relacional da justiça, onde os vínculos e as interações entre
as pessoas são tão importantes quanto os atos em si. Emoções, empatia e escuta
ativa não são aspectos acessórios, mas constitutivos dessa abordagem. Eles não
apenas tornam possível o encontro entre as partes, mas também promovem transformações subjetivas e sociais
profundas.
Como destaca Walgrave (2008), a Justiça Restaurativa não se
limita a “resolver casos”, mas visa transformar
pessoas e relações. Esse processo de transformação só é possível quando as
emoções são reconhecidas, a empatia é cultivada e a escuta ativa é praticada de
forma autêntica.
A ênfase na dimensão emocional e relacional também aproxima
a Justiça Restaurativa de abordagens terapêuticas e educativas. Por isso, ela
tem sido amplamente utilizada em escolas, comunidades, instituições de saúde e
programas de justiça juvenil. Em todos esses contextos, o tripé emoções–
empatia–escuta revela-se como um instrumento
poderoso de reconstrução da confiança e da convivência.
A Justiça Restaurativa se diferencia radicalmente da
Justiça tradicional por valorizar não apenas os atos cometidos, mas as pessoas
envolvidas, suas histórias, suas emoções e sua dignidade. Nesse sentido, o
papel das emoções, da empatia e da escuta ativa é central e insubstituível.
Ao reconhecer a dor da vítima, promover a responsabilização
empática do ofensor e restabelecer os laços por meio do diálogo, a Justiça
Restaurativa oferece um caminho de cura, reconciliação e prevenção. Mais do que
uma técnica, trata-se de uma cultura baseada no respeito, na escuta e na
compaixão.
Para consolidar essa abordagem, é necessário que os
profissionais da Justiça, da educação e das políticas públicas estejam
capacitados para lidar com o mundo emocional dos conflitos. Isso exige
formação, sensibilidade e uma mudança de paradigma que valorize o humano no
centro da Justiça.
BRAITHWAITE, John.
Restorative
Justice and Responsive Regulation. Oxford: Oxford University Press, 2002.
PRANIS, Kay. The Little Book of Circle Processes: A New/Old Approach to Peacemaking.
Intercourse, PA: Good Books, 2005.
ROGERS, Carl. On Becoming a Person: A Therapist’s View of
Psychotherapy.
Boston: Houghton Mifflin, 1961.
ROSENBERG, Marshall. Comunicação Não-Violenta: Técnicas para aprimorar relacionamentos
pessoais e profissionais. São Paulo: Ágora, 2006.
SHAPLAND, Joanna et al. Does Restorative Justice Affect
Reconviction? The Fourth Report from the Evaluation of Three Schemes.
Ministry of Justice Research Series 10/08, 2008.
WALGRAVE, Luc. Restorative Justice, Self-interest and Responsible Citizenship.
Willan Publishing, 2008.
ZEHR, Howard. The
Little Book of Restorative Justice. Intercourse, PA: Good Books, 2002.
A Justiça Restaurativa propõe uma transformação profunda na
forma como os conflitos e crimes são compreendidos e tratados. Em vez de focar
apenas na punição do infrator, como faz o modelo retributivo, a Justiça
Restaurativa busca restaurar os laços sociais rompidos, reparar os danos
causados e reintegrar todos os envolvidos na comunidade. Nesse processo, as relações comunitárias e o envolvimento dos afetados — incluindo
vítimas, ofensores, familiares, vizinhança e instituições locais — são
elementos fundamentais.
Diferente da Justiça tradicional, que tende a excluir a
comunidade do processo e delegar ao Estado a resolução dos conflitos, a Justiça
Restaurativa promove uma abordagem participativa,
onde as partes afetadas desempenham papel ativo na busca por soluções. Este
texto discute o papel das relações comunitárias e do envolvimento direto dos
afetados nas práticas restaurativas, com base em fundamentos teóricos,
experiências práticas e referências bibliográficas relevantes.
Na visão da Justiça Restaurativa, o crime não é apenas uma
infração legal ou uma afronta ao Estado, mas uma violação de pessoas e de suas relações. Ele causa danos não só à
vítima direta, mas também aos laços familiares, à confiança social e ao tecido
comunitário como um todo. Portanto, o processo restaurativo deve ir além da
sanção legal e buscar restaurar as conexões afetadas.
Howard Zehr (2002), um dos principais expoentes da Justiça Restaurativa, afirma que a
pergunta central dessa abordagem não é “que lei foi
violada e qual a pena apropriada?”, mas sim “quem foi afetado, quais são suas
necessidades e quem é responsável por atendê-las?”. A partir dessa lógica,
torna-se evidente que o envolvimento das partes afetadas é indispensável à
eficácia e à legitimidade do processo.
A
Justiça Restaurativa reconhece a comunidade não como um observador passivo, mas
como coautora da resposta ao crime.
Isso se manifesta por meio da participação de representantes comunitários em
círculos restaurativos, conferências familiares, fóruns de diálogo e outras
práticas.
Essa concepção encontra respaldo em Braithwaite (2002), que
destaca a importância do que chama de “shaming reintegrativo” — uma forma de
responsabilização que não exclui o infrator, mas o acolhe de volta à comunidade
após o reconhecimento e reparação do dano. Nesse modelo, a comunidade
desempenha papel tanto de apoio à vítima quanto de acolhimento ao infrator,
promovendo reintegração e coesão social.
Na Justiça Restaurativa, a vítima deixa de ser mera
testemunha para se tornar sujeito ativo do processo. Isso significa que suas
necessidades, sentimentos e expectativas são levados em consideração desde o
início. Muitas vítimas relatam frustração com o sistema penal convencional por
não serem ouvidas nem consideradas em suas reais demandas (ZEHR, 2008).
Nos processos restaurativos, as vítimas podem expressar
diretamente seus sentimentos, fazer perguntas ao ofensor, relatar os impactos
do ocorrido em sua vida e propor formas de reparação. Esse protagonismo
favorece a reconstrução da dignidade e
da segurança.
O infrator, por sua vez, é convidado a refletir sobre seus
atos, reconhecer os danos causados e assumir a responsabilidade por repará-los.
Essa responsabilização não é imposta por uma autoridade externa, mas construída
em diálogo com as partes envolvidas.
Ao contrário da lógica punitiva, que isola o infrator da
sociedade, a Justiça Restaurativa o envolve em um processo de reconexão com a
vítima, com a comunidade e consigo mesmo. Isso contribui para reduzir a reincidência e
favorecer processos
de mudança pessoal (SHAPLAND et al., 2008).
Além da vítima e do ofensor, outros membros da comunidade também podem participar
do ofensor, outros membros da comunidade
também podem participar do processo restaurativo. Isso inclui familiares,
vizinhos, professores, líderes religiosos, assistentes sociais e outros que
tenham sido afetados ou que possam oferecer apoio às partes.
A presença dessas pessoas enriquece o processo, pois traz
diferentes perspectivas, fortalece redes de apoio e demonstra que o conflito
não se resume aos indivíduos diretamente envolvidos, mas tem implicações
coletivas. A comunidade passa a ser responsável
pela reparação e pela prevenção de novos conflitos.
Uma das práticas mais utilizadas para promover o
envolvimento comunitário são os círculos
restaurativos, também chamados de círculos
de construção de paz. Inspirados em tradições indígenas, esses encontros
seguem uma metodologia baseada na escuta ativa, na fala com o “objeto da
palavra” e na igualdade entre os participantes.
Segundo Pranis (2005), os círculos promovem um espaço
seguro onde todas as vozes são ouvidas e respeitadas, e onde as decisões são
tomadas de forma consensual. Eles podem ser utilizados tanto para responder a
um conflito específico quanto para fortalecer vínculos comunitários e prevenir
a violência.
Outra prática comum são as conferências restaurativas, nas quais a vítima, o ofensor e seus
respectivos grupos de apoio (família, amigos, colegas) se reúnem para discutir
o ocorrido e construir um plano de reparação. Essa metodologia foi formalmente
adotada na Nova Zelândia em 1989 e tornouse um modelo amplamente replicado
(MAXWELL; MORRIS, 2006).
As conferências favorecem o envolvimento direto dos afetados, promovendo um processo de escuta
mútua, reconhecimento de responsabilidades e construção conjunta de soluções.
As
mediações comunitárias são outra expressão da Justiça Restaurativa, com ênfase
na resolução de conflitos cotidianos — como desentendimentos entre vizinhos,
familiares ou colegas de trabalho — por meio do diálogo mediado. Em muitas
cidades brasileiras, centros de justiça comunitária vêm utilizando essas
práticas como forma de desjudicializar
conflitos e fortalecer o tecido social.
Apesar de seus inúmeros benefícios, o envolvimento comunitário enfrenta desafios significativos. Um deles é a
cultura de delegação da Justiça ao Estado, que ainda predomina em
muitas sociedades. As pessoas estão acostumadas a terceirizar os conflitos às
instituições formais, como o
Judiciário ou a polícia, em vez de buscar soluções
coletivas e participativas.
Outro desafio é a falta
de preparo e de recursos para a formação de facilitadores e para a criação
de espaços restaurativos adequados. Sem apoio institucional, muitas iniciativas
acabam sendo pontuais e não sustentáveis a longo prazo.
Por outro lado, as experiências de Justiça Restaurativa
demonstram que o envolvimento dos afetados pode ter efeitos profundamente transformadores. Quando a comunidade
participa da resolução dos conflitos, ocorrem ganhos em termos de:
• Fortalecimento
da coesão social.
• Prevenção
de novos conflitos.
• Aumento
da confiança nas instituições.
• Empoderamento
das vítimas.
• Reintegração
dos ofensores.
Esses efeitos são cumulativos e duradouros, especialmente
quando inseridos em políticas públicas consistentes e intersetoriais.
A Justiça Restaurativa oferece uma abordagem centrada nas
pessoas, nas relações e na comunidade. Ao colocar vítimas, ofensores e demais
afetados no centro do processo, ela promove uma Justiça mais humana,
participativa e eficaz. As relações comunitárias e o envolvimento direto dos
afetados não são apenas estratégias operacionais, mas princípios éticos que
orientam toda a lógica restaurativa.
Essa forma de Justiça reconhece que o crime é uma ruptura
de vínculos, e que a restauração desses vínculos só é possível quando todos os
envolvidos têm a oportunidade de serem ouvidos, responsabilizados e
reintegrados. Para que isso ocorra, é necessário investir na formação de
facilitadores, no fortalecimento das redes comunitárias e na construção de uma
cultura de diálogo e corresponsabilidade.
O desafio está em superar os modelos hierárquicos e
punitivos de resolução de conflitos e criar espaços onde a Justiça seja, de
fato, uma construção coletiva. A experiência internacional e nacional mostra
que isso é possível — e urgente.
BRAITHWAITE, John. Restorative
Justice and Responsive Regulation. Oxford: Oxford University Press, 2002.
MAXWELL, Gabrielle; MORRIS, Allison. Youth Justice in New Zealand: Restorative Justice in Practice?
Journal of Social Issues, v. 62, n. 2, p. 239– 258, 2006.
PRANIS, Kay. The Little Book of
Circle Processes: A New/Old Approach to Peacemaking.
Intercourse, PA: Good Books, 2005.
SHAPLAND, Joanna et al. Does Restorative Justice Affect
Reconviction? The Fourth Report from the Evaluation of Three Schemes.
Ministry of Justice Research Series 10/08, 2008.
ZEHR, Howard. The
Little Book of Restorative Justice. Intercourse, PA: Good Books, 2002.
ZEHR, Howard. Trocando as Lentes: Um Novo Foco sobre Justiça e seus Conflitos.
São Paulo: Palas Athena, 2008.
Nas últimas décadas, a Justiça Restaurativa emergiu como
uma resposta inovadora aos limites do sistema penal tradicional, encontrando
eco em diversas nações interessadas em desenvolver formas mais humanas,
participativas e eficazes de resolução de conflitos. Entre os países que mais
se destacam na institucionalização e difusão de práticas restaurativas estão a Nova Zelândia e o Canadá. Ambos adotaram modelos próprios, ancorados tanto em
tradições culturais quanto em marcos legais modernos, que influenciaram
diretamente outras nações e contribuíram para a consolidação de um campo
internacional da Justiça Restaurativa. Este texto analisa as iniciativas
restaurativas nesses dois países, destacando os contextos históricos,
fundamentos jurídicos, práticas implementadas, resultados alcançados e lições
aprendidas.
A Nova Zelândia é frequentemente citada como um dos
exemplos mais bemsucedidos de institucionalização da Justiça Restaurativa,
especialmente no que se refere ao sistema
de justiça juvenil. O diferencial neozelandês reside na incorporação de
práticas tradicionais do povo indígena Māori — como o “whānau conferencing” —
ao sistema legal estatal. Essas práticas comunitárias de resolução de conflitos
sempre valorizaram a restauração de vínculos, o diálogo e a reparação dos danos
como pilares da convivência social (MAXWELL; MORRIS, 2006).
Em 1989, foi promulgada a Children, Young Persons, and Their Families Act, legislação que
reformulou o sistema de justiça juvenil do país, introduzindo como peça central
a Family Group Conference (FGC) — ou
Conferência de Grupo Familiar. Este modelo inspirou diretamente reformas em
outros países e se tornou referência internacional em Justiça Restaurativa
aplicada à infância e juventude.
As FGCs são reuniões
formalizadas que envolvem o jovem
infrator, seus familiares, a vítima e seus apoiadores, além de representantes
legais e facilitadores treinados. O processo ocorre em quatro etapas
principais:
1. Apresentação
do caso e escuta da vítima.
2. Reflexão
coletiva sobre o impacto da infração.
3. Deliberação
entre o grupo familiar do jovem sobre a melhor forma de reparação.
4. Elaboração
de um plano restaurativo, com medidas específicas, prazos e responsabilidades.
Esse modelo valoriza a autonomia das famílias, reconhece a
centralidade da vítima e busca reintegrar o jovem à comunidade, evitando a
institucionalização precoce (MAXWELL; MORRIS, 2006).
Estudos longitudinais indicam que a aplicação das FGCs
reduziu significativamente os índices de reincidência juvenil, aumentou a
satisfação das vítimas e fortaleceu os vínculos familiares. As práticas
restaurativas passaram a ser utilizadas não apenas na justiça juvenil, mas
também em escolas, comunidades e instituições de saúde mental (ZEHR, 2002).
Organizações internacionais, como a ONU e o Fórum Europeu para Justiça Restaurativa, apontam a Nova Zelândia como exemplo de boas práticas em políticas públicas baseadas em Justiça Restaurativa. O sucesso das FGCs evidencia a importância de valorizar saberes locais e integrar atores institucionais e comunitários na resposta ao crime.
O Canadá é considerado um dos berços da Justiça
Restaurativa contemporânea. O caso inicial e mais conhecido ocorreu em 1974, em Kitchener, Ontário, quando
dois adolescentes foram condenados por vandalismo. Em vez de seguir o trâmite
judicial tradicional, um oficial de condicional e um membro da Igreja Menonita
propuseram que os jovens se encontrassem com as vítimas para ouvir seus relatos
e acordar formas de reparação. Esse processo foi bem-sucedido e deu origem ao VictimOffender Reconciliation Program (VORP),
reconhecido como o primeiro programa restaurativo formalizado da era moderna
(ZEHR, 2008).
O movimento menonita, com forte presença no Canadá, foi
decisivo na disseminação do modelo restaurativo, por seu enfoque na
reconciliação, não violência e resolução pacífica de conflitos. A partir desse
núcleo religioso e comunitário, programas semelhantes se espalharam por
diversas províncias canadenses, incluindo Colúmbia Britânica, Manitoba, Alberta
e Quebec.
A partir da década de 1990, o governo canadense começou a
incorporar oficialmente elementos da Justiça Restaurativa em suas políticas
públicas. Em 1996, a nova legislação criminal (Bill C-41) incluiu o princípio
da reparação como objetivo da sentença penal, reconhecendo explicitamente a
importância das vítimas no processo.
Hoje, o Canadá conta com uma ampla rede de programas
restaurativos, que atuam em diversas fases do processo judicial:
• Pré-judiciais, como alternativa à
acusação formal.
• Durante o julgamento, como condição
para suspensão do processo.
• Pós-condenatórios, em articulação com
serviços de apoio e reintegração social.
Há também forte presença de práticas restaurativas em
escolas, universidades, comunidades indígenas e até no sistema prisional.
O Canadá tem promovido programas restaurativos específicos
para comunidades indígenas, como forma de respeitar sua autonomia cultural e
reparar injustiças históricas provocadas pelo colonialismo e pela
criminalização de práticas tradicionais. Um exemplo emblemático é o programa de
círculos restaurativos em Hollow Water,
uma comunidade da etnia Ojibwa, em Manitoba. Lá, casos graves, como abuso
sexual, são tratados com a participação direta de vítimas, ofensores, curadores
espirituais, conselheiros e familiares, em um processo de cura coletiva e
reintegração (ROSS, 1996).
Essa abordagem exige tempo, diálogo e apoio institucional,
mas tem mostrado resultados promissores, tanto em termos de prevenção da
reincidência quanto de fortalecimento da cultura indígena e da autonomia local.
Apesar das diferenças contextuais e culturais, as
experiências da Nova Zelândia e do Canadá compartilham uma visão comum da
Justiça Restaurativa como processo
relacional, centrado na escuta, no diálogo e na corresponsabilidade. Em
ambos os países, há valorização da participação comunitária, da centralidade
das vítimas e da responsabilização ética dos ofensores.
Enquanto a Nova Zelândia priorizou a institucionalização das conferências familiares como política nacional, especialmente na justiça juvenil, o Canadá desenvolveu uma rede diversificada de programas, com forte presença de organizações da sociedade civil, em diferentes estágios do processo penal. Além disso, o Canadá tem investido mais intensamente
em diferentes estágios do
processo penal. Além disso, o Canadá tem investido mais intensamente em
programas voltados às comunidades indígenas, com base em uma abordagem
intercultural.
As experiências desses países oferecem lições valiosas para
outras nações que desejam implementar ou fortalecer políticas de Justiça
Restaurativa:
• Participação comunitária é essencial: a
eficácia dos programas depende do envolvimento real das vítimas, ofensores,
famílias e comunidade.
• Formação e apoio institucional:
facilitadores precisam de preparo técnico e suporte para atuar com qualidade e
segurança.
• Flexibilidade e adaptação cultural: os
modelos restaurativos devem respeitar as especificidades culturais e históricas
de cada contexto.
A Justiça Restaurativa, como paradigma relacional e
transformador, tem se consolidado internacionalmente por meio de experiências
exitosas como as da Nova Zelândia e do Canadá. Ambos os países demonstraram que
é possível construir sistemas de justiça mais inclusivos, sensíveis e eficazes,
baseados no diálogo, na reparação e na participação comunitária.
A Nova Zelândia destacou-se por integrar saberes ancestrais
ao sistema jurídico formal, promovendo reformas estruturais no tratamento da
justiça juvenil. O Canadá, por sua vez, contribuiu com a criação e disseminação
de programas baseados em princípios éticos de reconciliação, responsabilização
e respeito à diversidade cultural.
Essas experiências mostram que a Justiça Restaurativa não é
uma utopia, mas uma realidade concreta e promissora. Seu êxito depende, no
entanto, de vontade política, investimento público, articulação
interinstitucional e, sobretudo, da disposição das sociedades para repensar as
formas tradicionais de administrar a justiça e resolver os conflitos humanos.
BRAITHWAITE, John. Restorative
Justice and Responsive Regulation. Oxford: Oxford University Press, 2002.
MAXWELL, Gabrielle; MORRIS, Allison. Youth Justice in New Zealand: Restorative Justice in Practice?
Journal of Social Issues, v. 62, n. 2, p. 239– 258, 2006.
ROSS, Rupert. Returning to the Teachings: Exploring Aboriginal Justice. Toronto:
Penguin Books, 1996.
SHAPLAND, Joanna et al. Does Restorative Justice Affect
Reconviction? The Fourth Report from the Evaluation of Three Schemes.
Ministry of Justice Research Series 10/08, 2008.
ZEHR, Howard. The Little Book of Restorative
Book of Restorative Justice. Intercourse, PA: Good Books, 2002.
ZEHR, Howard. Trocando as Lentes: Um Novo Foco sobre Justiça e seus Conflitos.
São Paulo: Palas Athena, 2008.
Implantação da Justiça Restaurativa no Brasil: CNJ, Escolas e Comunidades
A Justiça Restaurativa é uma abordagem alternativa de
resolução de conflitos que visa promover a responsabilização ativa, a reparação
dos danos causados e a restauração das relações afetadas. No Brasil, esse
paradigma tem ganhado destaque desde o início dos anos 2000, a partir de
iniciativas pioneiras em diversas regiões do país. Seu desenvolvimento tem
contado com o apoio institucional do Conselho
Nacional de Justiça (CNJ), o engajamento de escolas públicas e a atuação de projetos comunitários, que juntos têm construído um novo caminho
para a gestão de conflitos e o fortalecimento do tecido social.
Este texto apresenta um panorama da implantação da Justiça
Restaurativa no Brasil, com ênfase nos marcos institucionais do CNJ, nas
práticas educativas adotadas em escolas e nas ações desenvolvidas em
comunidades vulneráveis. O objetivo é compreender os avanços, os desafios e os
impactos dessa abordagem no contexto brasileiro.
A institucionalização da Justiça Restaurativa no Brasil
teve início em meados dos anos 2000, com apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e do
Ministério da Justiça. Em 2005, foram lançados os primeiros projetos-piloto no Rio Grande do Sul,
São Paulo e Distrito Federal, voltados à aplicação da Justiça Restaurativa em
casos envolvendo adolescentes em conflito com a lei.
A partir dessas experiências iniciais, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ)
passou a articular uma política nacional de Justiça Restaurativa, reconhecendo
seu potencial transformador para o sistema judiciário. Em
2016, foi publicada a Resolução
CNJ nº 225, um marco normativo que estabelece
as diretrizes para a implementação e difusão da Justiça Restaurativa no âmbito
do Poder Judiciário (CNJ, 2016).
Essa resolução define a Justiça Restaurativa como “um
conjunto ordenado e sistêmico de princípios, métodos, técnicas e atividades
próprias, que visam à conscientização acerca dos fatores relacionais,
institucionais e sociais motivadores de conflitos e violências” (CNJ, 2016).
Entre seus principais objetivos, destacam-se:
•
Fomentar
a formação de facilitadores e núcleos de práticas restaurativas.
• Estimular
a articulação interinstitucional com órgãos públicos e sociedade civil.
• Incorporar
a Justiça Restaurativa nos tribunais de todo o país.
• Promover
ações de prevenção da violência e cultura de paz.
A partir da Resolução 225, diversos tribunais criaram centros ou núcleos de Justiça Restaurativa,
capacitaram profissionais e passaram a encaminhar casos de forma voluntária a
processos restaurativos.
Em 2021, o CNJ lançou a Política Nacional de Justiça Restaurativa no âmbito do Poder Judiciário
(Portaria CNJ nº 299/2020), que ampliou e consolidou as ações já em curso.
A política orienta os tribunais a desenvolverem programas permanentes, com estrutura própria, orçamento definido e
integração com políticas sociais.
Esse movimento representa um avanço na consolidação da
Justiça Restaurativa como política pública, e não apenas como prática pontual.
Além disso, reforça o compromisso do Estado brasileiro com formas mais humanas,
participativas e inclusivas de fazer justiça.
O ambiente escolar é um dos espaços mais promissores para a
aplicação da Justiça Restaurativa. Conflitos entre estudantes, professores e
famílias são frequentes e, quando não bem geridos, podem levar à exclusão,
evasão escolar e violência. A Justiça Restaurativa oferece uma alternativa
educativa, que promove o diálogo, a escuta ativa e a responsabilização sem
punição autoritária.
No Brasil, diversas experiências vêm sendo desenvolvidas
desde os anos 2000. Um exemplo pioneiro é o Projeto Justiça Restaurativa nas Escolas, iniciado em São Caetano
do Sul (SP), com apoio do Tribunal de Justiça e da Secretaria Municipal de
Educação. O projeto envolveu formação de professores, círculos de diálogo com
estudantes e resolução de conflitos por meio de práticas restaurativas (ARAUJO;
SANTOS, 2015).
As principais práticas restaurativas utilizadas nas escolas
incluem:
• Círculos de construção de paz:
encontros periódicos com turmas escolares para fortalecimento dos vínculos e
prevenção de conflitos.
• Mediação de conflitos: processos
conduzidos por facilitadores capacitados (às vezes, alunos mediadores), com o
objetivo de restaurar relações danificadas.
•
Círculos de responsabilização: reuniões
que envolvem os estudantes infratores, seus colegas e adultos de confiança para
refletir sobre o impacto de suas ações.
Essas práticas promovem o desenvolvimento de competências
socioemocionais, como empatia, respeito mútuo, autorregulação e comunicação não
violenta. Além disso, criam uma cultura de pertencimento e corresponsabilidade
entre os membros da comunidade escolar (PRANIS, 2005).
Diversos estudos e relatórios apontam impactos positivos da
Justiça Restaurativa nas escolas brasileiras:
• Redução
de casos de violência e bullying.
• Diminuição
de suspensões e expulsões.
• Melhora
na convivência e no clima escolar.
• Aumento
da participação estudantil e do engajamento pedagógico (BRANDÃO; PEREIRA,
2017).
Esses resultados demonstram que a Justiça Restaurativa não
apenas resolve conflitos, mas transforma
a cultura institucional da escola, tornando-a mais inclusiva, democrática e
promotora de direitos.
Fora do sistema de justiça e das escolas, a Justiça
Restaurativa também tem sido aplicada em comunidades
vulneráveis, com foco na promoção da paz, da convivência e da justiça
social. A atuação comunitária da Justiça Restaurativa é especialmente
importante em contextos de violência urbana, exclusão social e conflitos
intergeracionais.
Em muitos bairros periféricos de grandes cidades
brasileiras, organizações da sociedade civil, igrejas e coletivos populares têm
implantado círculos restaurativos,
fóruns comunitários e rodas de diálogo, buscando mediar conflitos de
vizinhança, familiares ou ligados à convivência com o tráfico e as forças de
segurança.
Um exemplo relevante foi o projeto “Territórios da Paz”, realizado em Belém (PA), que articulou
práticas restaurativas com políticas públicas de segurança, saúde e educação. O
projeto promoveu a formação de facilitadores comunitários, círculos
restaurativos em escolas e mediação de conflitos familiares, com significativa
redução de violências e aumento da confiança nas instituições públicas
(MARTINS, 2019).
3.3
Justiça Restaurativa e fortalecimento comunitário A Justiça Restaurativa
nas comunidades promove:
• Reconhecimento da dignidade de cada morador.
• Criação de redes de apoio e solidariedade.
•
Fortalecimento do senso de pertencimento e
identidade comunitária.
• Empoderamento local para a resolução de
conflitos.
Ao valorizar o protagonismo comunitário, a Justiça
Restaurativa se mostra uma ferramenta potente de transformação social, em
especial em territórios marcados por vulnerabilidades e ausência do Estado.
A implantação da Justiça Restaurativa no Brasil tem se dado
de forma progressiva, envolvendo diferentes atores e contextos sociais. A
atuação do CNJ foi decisiva para institucionalizar a abordagem no sistema de
justiça e orientar os tribunais a adotarem políticas restaurativas. Nas
escolas, a Justiça Restaurativa revelou-se uma poderosa ferramenta pedagógica e
relacional, capaz de melhorar a convivência, prevenir violências e promover
cidadania. Nas comunidades, atua como instrumento de resistência, reconciliação
e
fortalecimento dos vínculos sociais.
Embora os desafios sejam muitos — como a escassez de
recursos, a necessidade de formação contínua e as resistências culturais ao
paradigma restaurativo —, as experiências brasileiras demonstram que a Justiça
Restaurativa é não apenas possível, mas necessária para a construção de uma
sociedade mais justa, democrática e humana.
ARAUJO, Janice Lins de; SANTOS, Fabíola P. dos. Justiça Restaurativa nas Escolas: uma
proposta para a cultura de paz. São Paulo: Cortez, 2015.
BRANDÃO, Claudia A.; PEREIRA, Márcia S. Educação para a Paz: experiências
restaurativas nas escolas públicas do Brasil. Revista Brasileira de
Educação, v. 22, n. 69, p. 671–690, 2017.
CNJ – Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 225, de 31 de maio de 2016. Estabelece diretrizes para
a Justiça Restaurativa no âmbito do Poder Judiciário. Disponível em: https://www.cnj.jus.br. Acesso em: 5 maio 2025.
MARTINS, Luana A. Justiça Restaurativa em territórios periféricos: práticas, saberes e
desafios. Belém: UFPA, 2019.
PRANIS, Kay. The Little Book of Circle Processes: A New/Old Approach to Peacemaking.
Intercourse, PA: Good Books, 2005.
ZEHR, Howard. Trocando as Lentes: um novo foco sobre Justiça e seus conflitos.
São Paulo: Palas Athena, 2008.
A Justiça Restaurativa consolidou-se, nas últimas décadas, como um paradigma inovador e complementar aos sistemas tradicionais de justiça. Sua aplicação no Brasil e no mundo foi gradativamente respaldada por normativas legais, resoluções
judiciais e instrumentos internacionais de direitos humanos.
Os marcos legais e institucionais conferem legitimidade, estabilidade e
coerência à implementação da Justiça Restaurativa, permitindo sua integração às
políticas públicas e ao cotidiano do sistema judiciário, educacional e
comunitário.
Este texto tem por objetivo analisar os principais marcos
legais e institucionais que sustentam a Justiça Restaurativa, tanto no plano
internacional quanto no contexto brasileiro, evidenciando suas diretrizes
normativas, seus princípios jurídicos e suas articulações com os direitos
fundamentais.
A Organização das Nações Unidas (ONU) foi uma das primeiras
instituições internacionais a reconhecer oficialmente a Justiça Restaurativa
como ferramenta legítima de resolução de conflitos penais. Em 2002, o Conselho
Econômico e Social das Nações Unidas aprovou a Resolução 2002/12, que contém os Princípios Básicos sobre o Uso de Programas de Justiça Restaurativa em
Matéria Criminal.
Esse documento recomenda aos Estados membros:
• O
uso de práticas restaurativas em todas as etapas do processo penal.
• A
voluntariedade da participação de vítimas e ofensores.
• A
existência de facilitadores qualificados.
• A
atenção à segurança, à dignidade e aos direitos humanos dos envolvidos.
Posteriormente, a ONU publicou o Manual sobre Programas de Justiça Restaurativa (UNODC, 2006),
detalhando diretrizes técnicas e boas práticas para a implementação de tais
programas em contextos diversos, com destaque para populações vulneráveis e
justiça juvenil.
Além da Resolução 2002/12, a Justiça Restaurativa é
referenciada em outros instrumentos internacionais, como:
• Regras de Bangkok (2010): destacam o
uso da Justiça Restaurativa como alternativa ao encarceramento de mulheres.
• Regra 60 das Regras de Mandela (2015):
recomenda práticas restaurativas na reintegração de pessoas privadas de
liberdade.
• Convenção dos Direitos da Criança (1989):
embora anterior à popularização do termo, defende abordagens socioeducativas e
participativas, compatíveis com os princípios restaurativos.
Esses documentos ajudam a moldar as políticas públicas
nacionais em consonância com padrões internacionais de direitos humanos.
A trajetória normativa da Justiça Restaurativa no Brasil
começou a ganhar força a partir de 2005,
com projetos-piloto apoiados pelo Ministério da Justiça, pelo Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e por tribunais de justiça
estaduais.
A grande virada institucional ocorreu com a atuação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ),
órgão responsável pelo planejamento e controle da atividade administrativa e
financeira do Judiciário brasileiro. Em 2016,
foi publicada a Resolução CNJ nº 225,
que representa o principal marco normativo da Justiça Restaurativa no país.
A Resolução nº 225/2016 estabelece as diretrizes para a implantação e disseminação da Justiça Restaurativa no
âmbito do Poder Judiciário. Entre seus principais dispositivos,
destacam-se:
• Definição
da Justiça Restaurativa como “conjunto ordenado e sistêmico de princípios,
métodos, técnicas e atividades próprias”.
• Reconhecimento
de sua natureza interdisciplinar e relacional.
• Fomento
à criação de Núcleos de Justiça
Restaurativa nos tribunais.
• Estímulo
à formação de facilitadores e
equipes técnicas capacitadas.
• Valorização
da escuta das vítimas, da
responsabilização dos ofensores e da participação comunitária.
A Resolução enfatiza que a Justiça Restaurativa deve
articular-se com políticas públicas, especialmente nas áreas da infância e
juventude, educação, assistência social e segurança.
Em continuidade à Resolução 225, o CNJ publicou, em 2020, a
Portaria nº 299, que instituiu a Política Nacional de Justiça Restaurativa
no âmbito do Poder Judiciário. Essa política tem como princípios
orientadores:
• Cultura
da paz e da não violência.
• Centralidade
das relações humanas.
• Participação
ativa dos afetados pelos conflitos.
• Promoção
da equidade, justiça social e inclusão.
A Portaria prevê o fortalecimento das estruturas
administrativas, técnicas e pedagógicas dos tribunais para implementação de
programas restaurativos e estimula a produção de dados e indicadores para
avaliação dos resultados.
O Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA), promulgado em 1990, já apresentava
princípios compatíveis com a Justiça Restaurativa, mesmo antes de sua
sistematização como política pública. O ECA estabelece:
• A
responsabilização pedagógica e não
punitiva do adolescente.
• A
prioridade da reintegração familiar e
comunitária.
• A
escuta e participação dos sujeitos
envolvidos.
Esses princípios foram reafirmados pelo Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo (SINASE), instituído pela Lei nº 12.594/2012, que incentiva medidas socioeducativas pautadas
na reparação do dano, no diálogo e no protagonismo juvenil.
O artigo 35 do SINASE prevê expressamente a possibilidade
de “mediação, círculos restaurativos e
outras formas de composição entre autor e vítima”, o que confere base legal
para a aplicação da Justiça Restaurativa no sistema de justiça juvenil.
Nos últimos anos, o Ministério
da Educação (MEC) e o Ministério da
Justiça e Segurança Pública (MJSP) também editaram normativas que fazem
menção à Justiça Restaurativa como parte de políticas públicas integradas.
Destacam-se:
• A
Portaria MEC nº 1.579/2018, que
inclui práticas restaurativas na política nacional de combate à violência
escolar.
• A
Portaria MJSP nº 511/2022, que
institui a Rede Nacional de Justiça Restaurativa, com foco na articulação entre
órgãos públicos, universidades e organizações da sociedade civil.
Esses instrumentos demonstram o reconhecimento crescente da
Justiça Restaurativa como ferramenta transversal, capaz de contribuir com a
educação, a segurança e a inclusão social.
Embora não haja menção expressa à Justiça Restaurativa na
Constituição de 1988, seus princípios dialogam profundamente com os fundamentos constitucionais do Estado
Democrático de Direito, tais como:
• Dignidade da pessoa humana (art. 1º,
III).
• Prevalência dos direitos humanos (art.
4º, II).
• Devido processo legal, contraditório e
ampla defesa (art. 5º, LIV e LV).
• Proteção integral de crianças e
adolescentes (art. 227).
A Justiça Restaurativa também reforça o princípio da eficiência da administração pública
(art. 37), na medida em que oferece soluções eficazes e menos onerosas para a
resolução de conflitos. Nesse sentido, sua expansão fortalece o sistema de
Justiça ao torná-lo mais ágil, acessível e humanizado.
A consolidação da Justiça Restaurativa como política pública e prática institucional depende de marcos legais sólidos, que lhe confiram segurança jurídica, coerência normativa e articulação
intersetorial.
No Brasil, esse processo tem avançado significativamente nas últimas duas
décadas, com destaque para a atuação do CNJ, a incorporação de princípios
restaurativos em legislações como o ECA e o SINASE, e o reconhecimento
crescente da Justiça Restaurativa por diferentes esferas do Estado.
No plano internacional, a ONU e outros organismos têm
promovido recomendações que orientam os países a adotarem abordagens
restaurativas em consonância com os direitos humanos. A interação entre esses
marcos globais e nacionais fortalece a legitimidade da Justiça Restaurativa e
amplia suas possibilidades de impacto social.
Ainda que haja desafios a enfrentar — como a resistência
institucional, a necessidade de capacitação continuada e a carência de recursos
—, os avanços legais e normativos demonstram que a Justiça Restaurativa está
deixando de ser uma inovação marginal para tornar-se uma política pública
estruturante, capaz de contribuir para a construção de uma sociedade mais
justa, pacífica e solidária.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de
1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br.
BRASIL.
Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012. Institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo
(SINASE). Disponível em: https://www.planalto.gov.br.
CNJ – Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 225, de 31 de maio de 2016. Estabelece diretrizes para
a Justiça Restaurativa no âmbito do Poder Judiciário. Disponível em: https://www.cnj.jus.br.
CNJ – Conselho Nacional de Justiça. Portaria nº 299/2020. Institui a Política Nacional de Justiça
Restaurativa. Disponível em: https://www.cnj.jus.br.
ONU – Organização das Nações Unidas. Manual sobre Programas de Justiça Restaurativa. UNODC, Nova Iorque,
2006.
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