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Política de Humanização

 POLÍTICA DE HUMANIZAÇÃO

 

Ferramentas e Estratégias da PNH 

Dispositivos de humanização 

 

Introdução

A Política Nacional de Humanização (PNH), instituída em 2003 pelo Ministério da Saúde, representa um marco fundamental na consolidação dos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS). Seu propósito é transformar as práticas de atenção e de gestão, valorizando os sujeitos — trabalhadores, gestores e usuários — e reconhecendo o cuidado como um processo relacional, ético e político.

Para efetivar seus princípios, a PNH propõe uma série de dispositivos de humanização, entendidos como estratégias concretas para produzir mudanças nos modos de fazer saúde. Esses dispositivos são ferramentas que articulam teoria e prática, promovendo a escuta, a participação, o diálogo e a corresponsabilidade no cotidiano dos serviços.

Entre os principais dispositivos estão os Grupos de Trabalho de Humanização (GTH), o Acolhimento com Classificação de Risco, o Projeto Terapêutico Singular (PTS) e a Clínica Ampliada. Cada um deles expressa, de maneira singular, o compromisso da PNH com a valorização da vida, a integralidade do cuidado e a democratização da gestão.

Grupos de Trabalho de Humanização (GTH)

Os Grupos de Trabalho de Humanização (GTH) são instâncias coletivas criadas para fomentar, acompanhar e avaliar as ações de humanização dentro das instituições de saúde. São formados por trabalhadores de diferentes áreas, gestores e, em alguns casos, representantes de usuários, e têm como objetivo construir um espaço permanente de diálogo, reflexão e articulação de práticas humanizadoras.

De acordo com o Ministério da Saúde (BRASIL, 2013), os GTH constituem “dispositivos de cogestão que articulam trabalhadores e gestores na construção coletiva de processos de mudança, fortalecendo o protagonismo e a corresponsabilidade”. Essa definição reforça o caráter democrático e participativo desses grupos, que funcionam como catalisadores da cultura da humanização dentro das organizações.

Os GTH não se limitam à execução de projetos pontuais, mas atuam na disseminação de valores como solidariedade, respeito e valorização do trabalho em equipe. Entre suas funções estão a identificação de problemas institucionais, o estímulo à comunicação entre setores, o apoio a processos formativos e a promoção de espaços de escuta e acolhimento.

A atuação dos GTH tem se mostrado fundamental para o fortalecimento da cogestão, um dos princípios centrais da PNH. Ao promover o encontro entre

diferentes atores institucionais, os grupos de humanização possibilitam a construção de soluções compartilhadas, o que contribui para o aprimoramento da qualidade do cuidado e das relações de trabalho.

Como aponta Benevides e Passos (2005), os GTH operam como “dispositivos analisadores” das práticas institucionais, revelando tensões, desafios e potencialidades, e permitindo que as instituições de saúde se tornem espaços mais democráticos e acolhedores.

Acolhimento com Classificação de Risco

O Acolhimento com Classificação de Risco é outro dispositivo central da PNH, especialmente voltado para a reorganização dos serviços de urgência e emergência. Ele foi desenvolvido para substituir o modelo tradicional de triagem, que se baseava na ordem de chegada, por um processo de atendimento orientado pela gravidade clínica e pelas necessidades subjetivas do usuário.

Mais do que uma técnica de classificação, o acolhimento é um modo de relação entre profissionais e usuários. Significa receber, escutar, compreender e responder às demandas de cada pessoa, garantindo acesso qualificado e humanizado aos serviços de saúde.

Segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2004), o acolhimento com classificação de risco “tem como objetivo garantir a escuta qualificada de todos os usuários que procuram os serviços, acolhendo suas demandas e priorizando os casos de maior gravidade e vulnerabilidade”.

Esse dispositivo busca humanizar o acesso, reduzindo filas, hierarquias e desigualdades no atendimento. Ele também contribui para a redução da violência institucional e da sensação de abandono que muitas vezes permeia o ambiente hospitalar.

A classificação de risco, quando bem conduzida, envolve a observação técnica, mas também sensibilidade, empatia e ética. O profissional que acolhe deve ser capaz de escutar o sofrimento, compreender o contexto social e estabelecer vínculo, mesmo diante de limitações estruturais.

Para Cecílio (2009), o acolhimento representa uma mudança paradigmática no campo da saúde: ele desloca o foco do atendimento centrado na doença para uma prática centrada na pessoa.

Nesse sentido, o acolhimento não é apenas um procedimento organizacional, mas uma prática de cuidado e cidadania.

Projeto Terapêutico Singular (PTS)

O Projeto Terapêutico Singular (PTS) é um dispositivo da PNH que visa a construção de planos de cuidado individualizados para usuários ou grupos em situações de maior complexidade. Ele é elaborado de forma interdisciplinar e participativa,

considerando a singularidade de cada sujeito e a multiplicidade de fatores que influenciam seu processo de saúde e doença.

O PTS é composto por quatro etapas: diagnóstico situacional, definição de metas, divisão de responsabilidades e reavaliação periódica. O diferencial dessa metodologia está na inclusão ativa do usuário e de sua rede social na elaboração e acompanhamento do plano de cuidado, o que reforça o princípio da corresponsabilidade.

Segundo Campos e Amaral (2007), o PTS se sustenta em uma perspectiva de clínica ampliada, na qual o tratamento ultrapassa a dimensão biomédica e passa a considerar aspectos subjetivos, sociais e culturais da vida do usuário. Essa abordagem reconhece que cada sujeito é único e que a terapêutica deve ser construída de maneira compartilhada.

O PTS também promove a articulação entre os diferentes níveis de atenção, fortalecendo o trabalho em rede e a integralidade do cuidado. Além disso, ele estimula a reflexão crítica das equipes sobre suas próprias práticas, contribuindo para o aprendizado coletivo e a melhoria contínua do serviço.

Em resumo, o Projeto Terapêutico Singular é um instrumento ético e político que reafirma o compromisso do SUS com o cuidado centrado no sujeito e com a autonomia das pessoas no enfrentamento de seus processos de vida e saúde.

Clínica Ampliada

A Clínica Ampliada é um dos conceitos mais abrangentes e transformadores da Política Nacional de Humanização. Trata-se de uma proposta de ampliação do olhar clínico, que busca integrar diferentes saberes e dimensões da vida no processo de cuidado. Ela rompe com a concepção restrita de clínica como diagnóstico e prescrição, propondo uma visão integral do sujeito.

De acordo com o Ministério da Saúde (BRASIL, 2004), a clínica ampliada “tem por objetivo aumentar a capacidade das equipes de saúde em analisar e intervir nos problemas dos usuários, considerando não apenas o corpo biológico, mas também as condições subjetivas e sociais envolvidas no processo de adoecimento”.

A clínica ampliada valoriza o diálogo entre profissionais de diferentes áreas, estimulando a interdisciplinaridade e a construção coletiva de planos de cuidado. Ela propõe que o usuário seja protagonista do processo terapêutico, reconhecendo sua autonomia e seus saberes.

Essa proposta também introduz a noção de corresponsabilidade clínica, na qual o cuidado é compartilhado entre o profissional e o usuário. Assim, o ato clínico deixa de ser uma intervenção unilateral e passa a ser um

na qual o cuidado é compartilhado entre o profissional e o usuário. Assim, o ato clínico deixa de ser uma intervenção unilateral e passa a ser um espaço de escuta, negociação e aprendizado mútuo.

Merhy (2002) destaca que a clínica ampliada busca resgatar a dimensão afetiva e relacional do cuidado, integrando razão e sensibilidade. Para ele, a ampliação da clínica é também uma ampliação do conceito de saúde, que passa a incluir o bem-estar, a cidadania e o sentido de pertencimento social.

Portanto, a clínica ampliada é um dispositivo que concretiza a humanização na prática cotidiana, promovendo uma nova ética do cuidado e um compromisso efetivo com a vida em sua totalidade.

Considerações Finais

Os dispositivos de humanização constituem instrumentos fundamentais para a implementação concreta da PNH e para a efetivação dos princípios do SUS. Por meio dos GTH, do acolhimento com classificação de risco, do Projeto Terapêutico Singular e da Clínica Ampliada, é possível transformar o cotidiano dos serviços, tornando-os mais participativos, acolhedores e éticos.

Esses dispositivos demonstram que a humanização não é uma prática abstrata, mas uma política pública concreta, que se realiza nas relações cotidianas entre trabalhadores, gestores e usuários. Eles promovem o diálogo, a corresponsabilidade e o reconhecimento da singularidade de cada pessoa, reafirmando o compromisso do SUS com a dignidade humana e a inclusão social.

A efetividade desses dispositivos depende, contudo, do envolvimento coletivo e da disposição institucional para a mudança. Humanizar é um processo contínuo, que exige reflexão, sensibilidade e compromisso político. É, em última instância, a busca por um sistema de saúde que valorize a vida em todas as suas formas e reconheça o cuidado como expressão máxima da solidariedade humana.

Referências Bibliográficas

BENEVIDES, Regina; PASSOS, Eduardo. Humanização na saúde: um novo modismo? Interface – Comunicação, Saúde, Educação, v. 9, n. 17, p. 389–406, 2005.

BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Humanização: Documento Base para Gestores e Trabalhadores do SUS. Brasília: Ministério da Saúde, 2004.

BRASIL. Ministério da Saúde. HumanizaSUS: Política Nacional de Humanização – PNH. 4. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2013.

CAMPOS, Gastão Wagner de Sousa; AMARAL, Márcia Aparecida. Clínica ampliada e compartilhada, equipe de referência e projeto terapêutico singular. 2. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2007.

CECÍLIO, Luiz Carlos

de Oliveira. As necessidades de saúde como conceito estruturante na luta pela integralidade e equidade na atenção em saúde. In: PINHEIRO, R.; MATTOS, R. A. (orgs.). Os sentidos da integralidade na atenção e no cuidado à saúde. Rio de Janeiro: IMS/UERJ, 2009.

MERHY, Emerson Elias. Saúde: a cartografia do trabalho vivo. São Paulo: Hucitec, 2002.


Gestão Participativa e Cogestão

 

Introdução

A gestão participativa e a cogestão representam dimensões fundamentais da Política Nacional de Humanização (PNH) do Sistema Único de Saúde (SUS), instituída em 2003. Ambas se articulam ao propósito central da PNH: democratizar as relações institucionais, promover a corresponsabilidade entre os sujeitos e qualificar o cuidado e a gestão dos serviços de saúde.

O modelo tradicional de gestão, historicamente marcado pela hierarquia, centralização das decisões e fragmentação das ações, mostrou-se insuficiente para lidar com a complexidade dos processos de trabalho em saúde. Diante disso, a PNH propõe a adoção da gestão participativa e da cogestão como formas de transformar o modo de produzir saúde, aproximando gestores, trabalhadores e usuários em um processo coletivo de reflexão e tomada de decisões.

Essas práticas não se limitam a mecanismos administrativos, mas configuram uma mudança ética, política e cultural. A gestão participativa pressupõe o reconhecimento de que o conhecimento e a experiência de cada sujeito — seja ele usuário, profissional ou gestor — são essenciais para a construção de políticas e práticas mais justas, eficientes e humanizadas.

A Importância da Participação dos Trabalhadores e Usuários

A participação é um dos princípios fundadores do SUS, assegurada pela Constituição Federal de 1988 e reafirmada pela Lei Orgânica da Saúde (Lei nº 8.142/1990), que instituiu os Conselhos e Conferências de Saúde como instâncias de controle social.

No entanto, a PNH amplia essa concepção, propondo que a participação se dê não apenas em espaços formais, mas também no cotidiano dos serviços, como parte do processo de gestão e cuidado.

A gestão participativa valoriza o saber dos trabalhadores e dos usuários, reconhecendo que a produção de saúde é uma construção coletiva. Ao envolver diferentes sujeitos na tomada de decisões, promove-se a corresponsabilidade e fortalece-se o vínculo entre gestão e atenção.

Segundo Campos (2000), a gestão democrática exige o deslocamento do poder decisório, tradicionalmente concentrado nas instâncias superiores, para os espaços

onde o trabalho acontece. Essa mudança permite que os problemas sejam enfrentados de forma contextualizada e que as soluções sejam construídas de maneira compartilhada.

A participação dos trabalhadores é essencial para o fortalecimento da autonomia e da criatividade no trabalho. Quando os profissionais têm espaço para expressar suas opiniões, compartilhar dificuldades e propor melhorias, aumenta-se o sentimento de pertencimento e a motivação coletiva. Isso contribui diretamente para a qualidade do cuidado e para a redução do adoecimento ocupacional.

Por outro lado, a participação dos usuários é igualmente importante, pois humaniza as relações institucionais e rompe com a visão do paciente como mero receptor de serviços. O usuário, ao ser reconhecido como sujeito de direitos, torna-se parceiro ativo na construção e avaliação das políticas de saúde. Esse envolvimento fortalece o controle social e amplia a legitimidade das decisões.

De acordo com o Ministério da Saúde (BRASIL, 2013), a cogestão é um “modo de gerir que reconhece e valoriza a capacidade de todos os sujeitos de interferir nos processos de trabalho, ampliando a democracia institucional e fortalecendo a corresponsabilidade”. Portanto, a gestão participativa é também um processo educativo, que transforma os modos de agir e pensar dentro das instituições.

Rodas de Conversa e Colegiados Gestores

Entre os dispositivos utilizados pela PNH para promover a gestão participativa e a cogestão, destacam-se as rodas de conversa e os colegiados gestores. Ambos funcionam como espaços de diálogo, reflexão e tomada de decisões coletivas, nos quais se exercita a escuta, a negociação e o compartilhamento de saberes.

Rodas de Conversa

As rodas de conversa são encontros horizontais entre profissionais, gestores e, muitas vezes, usuários, criados para discutir questões do cotidiano do trabalho e do cuidado. Elas têm como característica central a horizontalidade das relações, ou seja, a ausência de hierarquia rígida entre os participantes.

Nesse espaço, cada pessoa tem o direito à palavra e à escuta. As rodas constituem uma prática pedagógica e política, pois possibilitam o exercício da democracia e da corresponsabilidade. Além disso, funcionam como instrumentos de cuidado coletivo, uma vez que favorecem a expressão de emoções, o enfrentamento de conflitos e a construção conjunta de soluções.

De acordo com Benevides e Passos (2005), as rodas de conversa criam um “campo de encontro” onde se produzem sentidos e

vínculos. Elas permitem que o trabalho em saúde seja visto como uma produção coletiva, permeada pela subjetividade, pela ética e pela afetividade. Assim, as rodas são tanto espaços de gestão quanto de cuidado, integrando atenção e reflexão crítica.

Colegiados Gestores

Os colegiados gestores são instâncias de cogestão institucional, compostos por representantes de diferentes categorias profissionais e níveis hierárquicos. Sua função é discutir, deliberar e acompanhar as decisões relacionadas à organização do trabalho, à gestão de recursos e à melhoria da qualidade dos serviços.

Esses colegiados substituem o modelo verticalizado de comando e controle por uma lógica participativa e compartilhada, na qual o poder é distribuído e a responsabilidade é coletiva. A partir do diálogo entre diferentes olhares e experiências, os colegiados constroem estratégias mais coerentes com as necessidades reais do serviço e dos usuários.

Para Campos e Domitti (2007), os colegiados gestores são uma das expressões mais concretas da cogestão, pois traduzem na prática o princípio da indissociabilidade entre atenção e gestão. Ao permitir que trabalhadores e gestores planejem e avaliem conjuntamente as ações, esses espaços produzem maior transparência, corresponsabilidade e envolvimento com os resultados.

Além disso, os colegiados gestores funcionam como espaços formativos, nos quais os participantes aprendem a lidar com a diversidade de opiniões, com o conflito e com o exercício da negociação. A democracia, nesses espaços, é vivida como prática cotidiana, e não apenas como ideal abstrato

Experiências Exitosas em Cogestão

Desde a criação da PNH, diversas experiências de cogestão têm sido implementadas em unidades de saúde por todo o país, demonstrando que é possível combinar eficiência, participação e humanização. Esses casos evidenciam que a gestão participativa não é apenas uma diretriz política, mas uma estratégia concreta de transformação das práticas institucionais.

Um exemplo emblemático é o das comissões de cogestão implantadas em hospitais públicos e unidades básicas de saúde. Em muitas dessas experiências, a criação de espaços de escuta e decisão coletiva resultou em melhorias significativas nas relações de trabalho e na satisfação dos usuários.

Em hospitais como o Hospital de Clínicas de Porto Alegre (RS) e o Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão, projetos baseados na PNH e nos dispositivos de cogestão levaram à redução de conflitos internos,

maior integração entre equipes e melhor comunicação entre setores. A formação de colegiados e rodas de conversa regulares contribuiu para o aprimoramento da gestão e do cuidado.

Na atenção básica, as experiências de cogestão também se mostraram exitosas. Em municípios como Campinas (SP) e Fortaleza (CE), a implantação de colegiados locais de saúde e grupos de cogestão possibilitou maior envolvimento dos trabalhadores no planejamento e na avaliação das ações. Esses espaços fortaleceram a autonomia das equipes, promoveram o aprendizado coletivo e consolidaram uma cultura de corresponsabilidade.

De acordo com Pasini (2016), as experiências de cogestão têm impacto direto na qualidade do cuidado, pois geram ambientes mais saudáveis, colaborativos e democráticos.

Quando os sujeitos se reconhecem como parte de um mesmo projeto, o trabalho ganha sentido e o serviço se torna mais resolutivo e acolhedor.

Essas experiências demonstram que a cogestão é viável e necessária, especialmente em um contexto em que a complexidade das demandas sociais exige respostas integradas e sensíveis. Ela não elimina as hierarquias institucionais, mas as redefine, tornando-as mais permeáveis, dialogadas e orientadas pelo princípio da coletividade.

Considerações Finais

A gestão participativa e a cogestão são pilares da Política Nacional de Humanização e expressam um compromisso ético com a democratização das relações institucionais no SUS. Elas representam uma ruptura com o modelo tradicional de gestão vertical e tecnicista, introduzindo uma nova racionalidade baseada no diálogo, na corresponsabilidade e na valorização dos sujeitos.

Ao promover a participação ativa de trabalhadores e usuários, as práticas de cogestão fortalecem a autonomia, a criatividade e o compromisso com o cuidado. Dispositivos como rodas de conversa e colegiados gestores mostram que é possível construir um sistema de saúde mais participativo, transparente e acolhedor.

As experiências exitosas em diferentes regiões do Brasil confirmam que a cogestão não é uma utopia, mas uma prática transformadora que qualifica o trabalho e melhora a qualidade do atendimento. Ela convida cada sujeito a sair da posição de espectador e assumir-se como protagonista da mudança.

Humanizar a gestão é, portanto, um ato político e ético. É reconhecer que o poder de governar e cuidar deve ser compartilhado, que a escuta é um instrumento de transformação e que a democracia se constrói no cotidiano, nas pequenas decisões e nos

encontros entre as pessoas que fazem o SUS acontecer.

Referências Bibliográficas

BENEVIDES, Regina; PASSOS, Eduardo. Humanização na saúde: um novo modismo? Interface – Comunicação, Saúde, Educação, v. 9, n. 17, p. 389–406, 2005.

BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Humanização: Documento Base para Gestores e Trabalhadores do SUS. Brasília: Ministério da Saúde, 2004.

BRASIL. Ministério da Saúde. HumanizaSUS: Política Nacional de Humanização – PNH. 4. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2013.

CAMPOS, Gastão Wagner de Sousa. Um método para análise e co-gestão de coletivos: a constituição do sujeito, a produção de valor de uso e a democracia em instituições. São Paulo: Hucitec, 2000.

CAMPOS, Gastão Wagner de Sousa; DOMITTI, Ana Carla. Clínica ampliada e compartilhada, equipe de referência e projeto terapêutico singular. 2. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2007.

PASINI, Valéria L. Humanização no SUS: desafios e perspectivas. Revista Brasileira de Enfermagem, v. 69, n. 6, p. 1124–1131, 2016.


Educação Permanente e Formação Humanizadora

 

Introdução

A educação permanente em saúde e a formação humanizadora são pilares fundamentais para a consolidação de práticas éticas, solidárias e integradas no Sistema Único de Saúde (SUS). A Política Nacional de Humanização (PNH), lançada em 2003, reconhece que a transformação dos modos de cuidar e gerir depende, em grande medida, da formação crítica e reflexiva dos sujeitos que compõem o sistema.

Mais do que um processo técnico de capacitação, a educação permanente é compreendida como uma estratégia política e pedagógica voltada à construção coletiva de saberes e à produção de autonomia. Trata-se de um movimento contínuo de reflexão e aprendizado no próprio contexto de trabalho, que busca articular teoria e prática, conhecimento e experiência.

Nesse sentido, a formação humanizadora tem como meta promover sujeitos sensíveis, éticos e comprometidos com a dignidade humana. A aprendizagem significativa, os processos reflexivos e a construção coletiva de saberes são dimensões centrais dessa proposta, pois permitem que o cotidiano do trabalho se transforme em espaço de formação e emancipação.

O Papel da Educação Permanente em Saúde

A Educação Permanente em Saúde (EPS) é uma política pública que ganhou força a partir da década de 2000, especialmente com a publicação da Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (PNEPS), em 2004.

Inspirada nos princípios da educação popular e da pedagogia crítica

de Paulo Freire, a EPS propõe que o processo educativo aconteça de forma contínua, inserido no cotidiano das práticas e orientado pelas necessidades reais dos trabalhadores e dos serviços.

Segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2004), a EPS se diferencia das capacitações pontuais e tradicionais por compreender o aprendizado como “processo coletivo, baseado na problematização do trabalho e na reflexão sobre a prática”. Assim, ela rompe com o modelo de educação vertical, no qual o conhecimento é transmitido de forma unidirecional, e propõe uma dinâmica horizontal, participativa e contextualizada.

A educação permanente em saúde tem como objetivo principal fortalecer a autonomia e a corresponsabilidade dos trabalhadores, estimulando o pensamento crítico e a criatividade para resolver problemas do cotidiano. Nesse sentido, a aprendizagem não é algo externo ao trabalho, mas parte integrante dele.

De acordo com Ceccim e Feuerwerker (2004), a EPS deve ser entendida como um “modo de fazer saúde”, pois contribui para a transformação dos processos de trabalho e das relações entre os sujeitos. Ela propõe uma pedagogia do encontro, na qual cada experiência é valorizada e cada sujeito é visto como portador de saberes.

A EPS é, portanto, um dispositivo de humanização, na medida em que articula o conhecimento técnico com o compromisso ético-político de produzir cuidados que respeitem a dignidade, a singularidade e a autonomia das pessoas.

A Aprendizagem Significativa no Trabalho

A aprendizagem significativa é um conceito central na educação permanente e na formação humanizadora. Inspirada nas teorias de David Ausubel (1976) e nas práticas pedagógicas freirianas, ela propõe que o aprendizado ocorre de forma efetiva quando o novo conhecimento se relaciona de maneira coerente e afetiva com as experiências prévias do sujeito.

No contexto do SUS, a aprendizagem significativa acontece quando o trabalhador é convidado a refletir sobre sua prática, identificar os desafios do cotidiano e construir coletivamente novas formas de agir. Essa metodologia privilegia o diálogo, a problematização e a troca de experiências entre os diferentes membros da equipe.

A PNH reforça que o aprendizado no trabalho deve ser um processo emancipador, e não apenas instrumental. A formação humanizadora busca desenvolver capacidades críticas e éticas, estimulando o compromisso com o outro e com o bem comum.

Para Merhy (2002), o trabalho em saúde é um “trabalho vivo em ato”, ou seja, uma produção

que se realiza no encontro entre sujeitos. Por isso, a aprendizagem que ocorre nesse contexto deve ser também viva, relacional e coletiva. A experiência prática, quando acompanhada da reflexão, torna-se um poderoso instrumento de formação.

A aprendizagem significativa no trabalho implica, portanto, uma pedagogia do envolvimento, em que o trabalhador aprende com a realidade, com o outro e com o próprio fazer. Essa forma de aprendizado não se dá por imposição, mas pela construção compartilhada de sentidos e pela valorização do protagonismo de cada sujeito.

Além disso, a aprendizagem significativa promove o vínculo entre conhecimento e afetividade. O aprendizado que toca emocionalmente o sujeito tende a ser mais duradouro e transformador. Assim, as práticas educativas que valorizam o diálogo e o acolhimento contribuem não apenas para o aprimoramento técnico, mas para a formação de profissionais mais empáticos e humanizados.

Processos Reflexivos e Construção Coletiva de Saberes

A reflexão sobre a prática é um componente essencial da educação permanente e um dos principais caminhos para a transformação dos serviços de saúde. Refletir é atribuir sentido à experiência, é analisar criticamente as ações e compreender suas implicações éticas, políticas e humanas.

Os processos reflexivos possibilitam que o trabalhador se reconheça como sujeito de sua própria formação e se responsabilize pelo cuidado e pela gestão. Ao refletir coletivamente sobre o cotidiano, as equipes identificam desafios, elaboram estratégias e constroem soluções criativas para os problemas que enfrentam.

Segundo Schön (2000), a prática reflexiva é o ponto de encontro entre a ação e o pensamento. O profissional que reflete sobre seu trabalho aprende continuamente com a experiência e desenvolve a capacidade de inovar. No SUS, isso significa aprender a lidar com a complexidade, a imprevisibilidade e a diversidade das situações de cuidado.

A construção coletiva de saberes é outro princípio fundamental da educação permanente. O conhecimento não é monopólio de especialistas, mas um processo social que se produz no diálogo entre diferentes sujeitos e saberes.

O encontro entre trabalhadores de diferentes áreas, gestores e usuários permite a integração de perspectivas e a produção de soluções mais integradas e solidárias.

A PNH propõe metodologias participativas — como rodas de conversa, oficinas e grupos de trabalho — justamente para criar espaços de escuta, diálogo e troca de experiências.

Esses espaços formativos contribuem para fortalecer vínculos, promover o sentimento de pertencimento e desenvolver práticas colaborativas.

Para Feuerwerker (2014), a educação permanente deve ser entendida como “um movimento de redes vivas”, no qual o conhecimento circula, se renova e se transforma a partir da interação entre os sujeitos. Essa perspectiva rompe com a ideia de que a formação acontece em momentos isolados e destaca que o aprendizado é contínuo, cotidiano e relacional.

Os processos reflexivos e a construção coletiva de saberes também são instrumentos de democratização da gestão, pois fortalecem a autonomia das equipes e estimulam a cogestão. Ao envolver todos os atores na análise e no planejamento das ações, a educação permanente se torna uma ferramenta de mudança institucional e de humanização das relações de trabalho.

Considerações Finais

A educação permanente e a formação humanizadora são dimensões inseparáveis do projeto político do SUS e da Política Nacional de Humanização. Elas expressam o compromisso com a transformação das práticas e das relações no campo da saúde, valorizando o sujeito como protagonista do cuidado e do conhecimento.

O papel da educação permanente é promover o aprendizado no próprio trabalho, tornando o cotidiano um espaço de reflexão, criação e solidariedade. A aprendizagem significativa, ao integrar razão e afeto, teoria e prática, potencializa o desenvolvimento humano e profissional.

Os processos reflexivos e a construção coletiva de saberes reforçam o caráter democrático e participativo das instituições de saúde, fortalecendo a autonomia dos sujeitos e a corresponsabilidade no cuidado.

A formação humanizadora, portanto, vai além da capacitação técnica: é um exercício ético e político de escuta, diálogo e transformação. Ela possibilita que o SUS cumpra seu papel não apenas como sistema de saúde, mas como espaço de produção de cidadania, inclusão e dignidade.

Humanizar a formação é reconhecer que aprender e cuidar são atos inseparáveis e que, em ambos, o que está em jogo é o respeito à vida em sua complexidade e diversidade.

Referências Bibliográficas

AUSUBEL, David P. Aquisição e retenção de conhecimentos: uma perspectiva cognitiva. Lisboa: Plátano, 1976.

BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Educação Permanente em Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2004.

BRASIL. Ministério da Saúde. HumanizaSUS: Política Nacional de Humanização – PNH. 4. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2013.

CECCIM,

Ricardo Burg; FEUERWERKER, Laura Camargo Macruz. O quadrilátero da formação para a área da saúde: ensino, gestão, atenção e controle social. Physis: Revista de Saúde Coletiva, v. 14, n. 1, p. 41–65, 2004.

FEUERWERKER, Laura C. M. Micropolítica e saúde: produção do cuidado, gestão e formação. Porto Alegre: Rede Unida, 2014.

MERHY, Emerson Elias. Saúde: a cartografia do trabalho vivo. São Paulo: Hucitec, 2002.

SCHÖN, Donald A. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2000.

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