Fundamentos da Política de Humanização
O que é Humanização?
Introdução
O
conceito de humanização tornou-se, nas últimas décadas, um eixo fundamental das
políticas públicas no Brasil, especialmente no campo da saúde. Mais do que uma
diretriz administrativa ou técnica, a humanização se consolidou como uma
proposta ética, política e relacional que busca resgatar a centralidade do
sujeito — usuário, trabalhador e gestor — nos processos de cuidado e gestão. No
âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), ela surge como uma resposta às práticas
fragmentadas e despersonalizadas que historicamente marcaram a atenção à saúde,
propondo novas formas de relação entre os atores que compõem o sistema e entre
os próprios serviços e a comunidade.
A humanização, portanto, não é apenas um conjunto de ações pontuais, mas uma mudança cultural e institucional que visa transformar as práticas de cuidado e de gestão, aproximando-as de valores como solidariedade, empatia, escuta e corresponsabilidade. Sua compreensão implica analisar tanto os fundamentos teóricos quanto o contexto histórico e político de sua consolidação.
Conceito
de Humanização nas Políticas Públicas e na Saúde
O
termo “humanização” pode assumir múltiplos significados, dependendo do campo em
que é empregado. Nas políticas públicas, ele se refere ao esforço de colocar o
ser humano no centro das ações do Estado, reconhecendo-o como sujeito de
direitos e não como mero objeto de intervenção. Na saúde, esse conceito ganha
contornos ainda mais concretos, envolvendo o acolhimento, o respeito à
singularidade do usuário e a valorização dos profissionais que compõem a rede
de atenção.
Segundo
o Ministério da Saúde (BRASIL, 2013), humanizar é “oferecer um atendimento de
qualidade articulando os avanços tecnológicos com o acolhimento, o respeito
ético e a valorização das pessoas envolvidas no processo de produção de saúde”.
Assim, a humanização não nega a importância da técnica, mas propõe uma
integração entre o saber técnico e o saber relacional, reconhecendo que a
produção de saúde é, antes de tudo, uma produção de vínculos.
Do ponto de vista teórico, autores como Merhy (2002) e Campos (2000) destacam que a humanização envolve repensar o modelo de atenção centrado na doença e na hierarquia dos saberes. Ela propõe uma lógica de cuidado compartilhado, em que o usuário participa ativamente das decisões sobre seu tratamento e o trabalhador é reconhecido como sujeito que também necessita de
de vista teórico, autores como Merhy (2002) e Campos (2000) destacam que a humanização envolve repensar o modelo de atenção centrado na doença e na hierarquia dos saberes. Ela propõe uma lógica de cuidado compartilhado, em que o usuário participa ativamente das decisões sobre seu tratamento e o trabalhador é reconhecido como sujeito que também necessita de cuidado. A política de humanização, portanto, busca superar a fragmentação do trabalho e promover a integralidade das ações de saúde.
Diferença
entre Assistência Técnica e Cuidado Humanizado
Com
frequência, os serviços públicos e de saúde reduzem o atendimento à dimensão
técnica, priorizando protocolos e procedimentos padronizados. Embora essenciais
para garantir a segurança e a qualidade dos processos, essas práticas podem se
tornar desumanizadoras quando se desconectam do contexto subjetivo e social dos
usuários. A diferença fundamental entre assistência técnica e cuidado
humanizado está justamente na forma como se concebe o sujeito da ação.
A
assistência técnica se caracteriza pela execução de tarefas baseadas em saberes
especializados, nas quais o foco é o problema biológico ou social a ser
resolvido. Nessa lógica, o usuário é muitas vezes visto como portador de uma
demanda ou de uma doença, e não como um sujeito integral com histórias,
sentimentos e desejos. Já o cuidado humanizado envolve reconhecer a
singularidade de cada pessoa e promover uma relação horizontal, em que escuta,
diálogo e empatia são componentes do processo de atenção.
Cecílio
(2009) argumenta que o cuidado humanizado não se opõe à técnica, mas a
complementa e a ressignifica. Ele amplia a noção de cura para além da dimensão
biomédica, incorporando aspectos psicológicos, sociais e culturais. O
profissional humanizado é aquele que, mesmo diante de recursos limitados, é
capaz de oferecer uma escuta sensível e um olhar ético, acolhendo o sofrimento
do outro sem julgamentos.
Desse
modo, a humanização não significa fazer “mais com menos” ou apenas ser gentil,
mas implica uma reorganização do processo de trabalho, em que as relações
interpessoais e institucionais são vistas como determinantes da qualidade da
atenção. A técnica, sem o componente humano, torna-se fria e ineficaz; o
cuidado humanizado, por sua vez, potencializa a eficácia técnica ao agregar
sentido e valor às práticas de saúde.
Histórico
da Humanização no SUS
A humanização como diretriz do Sistema Único de Saúde tem suas raízes nas transformações sociais e políticas
que marcaram o final do século XX no Brasil.
Com a Constituição Federal de 1988, a saúde foi reconhecida como direito de
todos e dever do Estado, e o SUS foi criado com base nos princípios da
universalidade, equidade e integralidade. Entretanto, o desafio de transformar
esses princípios em práticas concretas revelou a necessidade de repensar as
relações entre gestores, trabalhadores e usuários.
Nos
anos 1990, diversas iniciativas locais começaram a emergir, buscando melhorar o
acolhimento e a satisfação dos usuários. Entre elas, destacam-se os programas
de humanização do parto, da atenção hospitalar e da assistência ao paciente
grave. Essas experiências foram fundamentais para a construção de um movimento
nacional em prol da humanização, que culminou, em 2003, com a criação da Política
Nacional de Humanização (PNH), também conhecida como HumanizaSUS.
A
PNH surge como uma política transversal, isto é, que atravessa todos os níveis
e áreas do SUS, propondo a integração entre atenção e gestão. Seu objetivo
central é “efetivar os princípios do SUS no cotidiano dos serviços de saúde,
qualificando o atendimento e promovendo a corresponsabilidade entre os
sujeitos” (BRASIL, 2004). Para isso, a PNH adota estratégias como o
acolhimento, o apoio matricial, a escuta qualificada, os grupos de trabalho de
humanização e a valorização dos trabalhadores.
Um
aspecto inovador da PNH é o reconhecimento de que a humanização não se impõe
por decreto, mas se constrói coletivamente, no encontro entre sujeitos. Ela
propõe a cogestão como metodologia de trabalho, incentivando a participação
ativa dos diferentes atores na tomada de decisões.
Essa
perspectiva dialoga com os conceitos de “clínica ampliada” e “cuidado
compartilhado”, que valorizam a interdisciplinaridade e o protagonismo dos
usuários.
Desde sua implementação, a PNH tem enfrentado desafios, como a falta de recursos, a rotatividade de gestores e a resistência de alguns setores às mudanças culturais. No entanto, sua influência se mantém viva em diferentes programas e políticas de saúde, consolidando-se como uma referência ética e metodológica para o SUS.
Considerações
Finais
A humanização, entendida como política e prática, representa um compromisso com a vida e com o reconhecimento do outro em sua integralidade. No contexto do SUS, ela simboliza o esforço de transformar a saúde pública em um espaço de encontro, diálogo e corresponsabilidade. Ao diferenciar o cuidado humanizado da assistência puramente técnica,
reafirma-se a necessidade de unir ciência e
sensibilidade, razão e afeto, eficiência e empatia.
O desafio da humanização é permanente, pois envolve revisar continuamente as práticas e as relações que sustentam o sistema de saúde. Trata-se de um processo coletivo de construção e resistência, que reafirma a saúde como um direito e a dignidade humana como princípio inegociável. Nesse sentido, a Política Nacional de Humanização não é apenas uma política de governo, mas uma política de sociedade — um modo de produzir vida no cotidiano dos serviços públicos.
Referências
Bibliográficas
BRASIL.
Ministério da Saúde. Política Nacional de Humanização: Documento Base para
Gestores e Trabalhadores do SUS. Brasília: Ministério da Saúde, 2004.
BRASIL.
Ministério da Saúde. HumanizaSUS: Política Nacional de Humanização – PNH.
4. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2013.
CAMPOS,
Gastão Wagner de Sousa. Um método para análise e co-gestão de coletivos: a
constituição do sujeito, a produção de valor de uso e a democracia em
instituições. São Paulo: Hucitec, 2000.
CECÍLIO,
Luiz Carlos de Oliveira. As necessidades de saúde como conceito estruturante
na luta pela integralidade e equidade na atenção em saúde. In: PINHEIRO,
R.; MATTOS, R. A. (orgs.). Os sentidos da integralidade na atenção e no
cuidado à saúde. Rio de Janeiro: IMS/UERJ, 2009.
MERHY,
Emerson Elias. Saúde: a cartografia do trabalho vivo. São Paulo:
Hucitec, 2002.
DESLANDES,
Suely Ferreira. Humanização: revisitando o conceito a partir das
contribuições da sociologia médica. Ciência & Saúde Coletiva, v.
9, n. 1, p. 7–16, 2004.
A Política Nacional de Humanização (PNH)
Introdução
A
Política Nacional de Humanização (PNH), também conhecida como HumanizaSUS,
é uma das mais significativas iniciativas do Ministério da Saúde no campo da
gestão e da atenção à saúde pública no Brasil. Criada oficialmente em 2003, a
PNH surge como uma proposta política e ética para transformar o modo como se
produz cuidado e gestão no Sistema Único de Saúde (SUS). Sua principal
finalidade é promover a valorização dos sujeitos — trabalhadores, gestores e
usuários — e garantir que os princípios constitucionais do SUS sejam
concretizados no cotidiano dos serviços.
A humanização, nesse contexto, não é entendida como uma simples ação de cortesia ou boa vontade, mas como uma mudança estrutural e cultural nas relações que permeiam os serviços públicos. A PNH propõe uma nova forma de pensar e fazer saúde, baseada na transversalidade, na
indissociabilidade entre atenção e gestão e no protagonismo dos sujeitos, princípios que norteiam todo o seu desenvolvimento.
Contexto
Histórico da Criação da PNH (2003)
A construção da Política Nacional de Humanização está diretamente relacionada à consolidação do Sistema Único de Saúde, instituído pela Constituição Federal de 1988. O SUS surgiu como uma conquista histórica dos movimentos sociais e sanitaristas que lutaram pela universalização e pela equidade no acesso à saúde.
Entretanto,
a implementação prática de seus princípios revelou uma série de desafios,
especialmente relacionados às condições de trabalho, à fragmentação das ações e
à precarização dos vínculos entre profissionais e usuários.
Durante
a década de 1990, diversas experiências locais e setoriais começaram a
introduzir práticas de humanização da assistência, ainda que de forma
isolada. Entre essas iniciativas, destacam-se programas voltados para o parto
humanizado, o acolhimento hospitalar e o cuidado ao paciente grave. Essas ações
demonstraram que era possível melhorar a qualidade do atendimento sem depender
apenas de grandes investimentos tecnológicos, mas por meio de mudanças nas
relações humanas e na gestão dos serviços.
Em
2003, a partir da articulação de diferentes experiências e da reflexão
acumulada por gestores e pesquisadores, o Ministério da Saúde instituiu
oficialmente a Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do SUS
(PNH). Seu lançamento representou um marco na tentativa de construir uma
política transversal, capaz de atravessar todos os níveis de atenção e todos os
espaços institucionais.
A
criação da PNH também coincidiu com um momento de expansão do debate sobre democratização
da gestão pública e valorização do trabalhador do SUS, temas
fortemente influenciados pelas ideias de autores como Gastão Wagner de Sousa
Campos e Emerson Merhy. Esses pensadores defendiam a necessidade de superar o
modelo burocrático e hierarquizado da gestão tradicional, propondo práticas
baseadas na cogestão, na escuta e na corresponsabilidade entre os sujeitos.
Assim,
a PNH nasceu como resposta às limitações das políticas de saúde fragmentadas e
verticalizadas, propondo uma nova forma de governar e cuidar — mais
participativa, democrática e ética.
Princípios
Norteadores da PNH
A PNH se estrutura a partir de três princípios fundamentais que orientam sua implementação e suas práticas em todo o território nacional: transversalidade, indissociabilidade entre atenção e gestão e
e protagonismo dos sujeitos.
Esses princípios formam o alicerce conceitual e metodológico da política e
buscam transformar o cotidiano dos serviços de saúde em espaços de construção
coletiva.
Transversalidade
A
transversalidade é o princípio que propõe romper com a fragmentação dos
processos de trabalho e das relações institucionais. Ela significa atravessar
os diferentes níveis de atenção, setores e hierarquias, promovendo a integração
entre áreas técnicas, administrativas e assistenciais.
Na
prática, ser transversal é reconhecer que as ações de humanização não pertencem
a um único setor ou programa, mas devem permear toda a rede de atenção à saúde.
Isso implica articular o cuidado clínico com a gestão, o planejamento e a
formação profissional.
Segundo
o Ministério da Saúde (BRASIL, 2013), a transversalidade é o movimento que
“favorece a comunicação entre os sujeitos e grupos, promovendo o diálogo e a
troca de saberes, de forma a romper com o isolamento entre as práticas”. Assim,
a humanização deixa de ser uma tarefa exclusiva de determinados profissionais
ou núcleos e passa a ser uma responsabilidade compartilhada por todos os
envolvidos no processo de produção de saúde.
Indissociabilidade
entre Atenção e Gestão
A
indissociabilidade entre atenção e gestão constitui o segundo princípio
estruturante da PNH. Essa diretriz reconhece que a forma como se organiza e se
gere o trabalho influencia diretamente a qualidade do cuidado oferecido.
Historicamente,
a gestão e a atenção foram tratadas como dimensões separadas: de um lado, o
gestor planeja e decide; de outro, o trabalhador executa. A PNH rompe com essa
lógica hierarquizada e propõe a cogestão, ou seja, a gestão
compartilhada entre diferentes atores.
A
cogestão se baseia na ideia de que todos os sujeitos — usuários, trabalhadores
e gestores — têm saberes e experiências legítimos que devem ser considerados na
tomada de decisões. Essa integração entre gestão e atenção permite que os
serviços se tornem mais flexíveis, criativos e alinhados às reais necessidades
das pessoas.
Merhy
(2002) ressalta que a indissociabilidade é essencial para que o trabalho em
saúde deixe de ser uma mera execução de tarefas e se torne um espaço de
invenção e de autonomia. A humanização, portanto, não é apenas um ideal, mas
uma prática que se concretiza na forma como se organiza o cotidiano do serviço.
Protagonismo
dos Sujeitos
O terceiro princípio da PNH é o protagonismo dos sujeitos, entendido como a valorização da
capacidade de cada pessoa de intervir, decidir e transformar
sua realidade. Esse princípio se aplica tanto aos usuários quanto aos
trabalhadores e gestores do sistema.
A
PNH reconhece que a humanização só é possível quando os sujeitos são colocados
no centro das decisões e das práticas. O protagonismo implica a participação
ativa nas instâncias de gestão, nos colegiados, nas rodas de conversa e nos
grupos de trabalho de humanização (GTH).
Para
Campos (2000), a construção de sujeitos autônomos e corresponsáveis é uma das
principais condições para a democratização das instituições públicas.
Quando
trabalhadores e usuários assumem o papel de protagonistas, o cuidado se torna
mais ético, mais participativo e mais efetivo.
O protagonismo, portanto, transforma a relação vertical entre profissional e paciente em um encontro horizontal, baseado no diálogo e na corresponsabilidade. Esse é um dos grandes avanços trazidos pela PNH ao campo da saúde coletiva.
O
Papel da PNH na Melhoria da Qualidade do Cuidado
A
implementação da PNH trouxe uma profunda reflexão sobre o que significa
oferecer cuidado de qualidade no SUS. Durante muito tempo, a qualidade
foi associada apenas à eficiência técnica, à rapidez no atendimento e ao uso de
tecnologias avançadas. A PNH amplia essa visão, afirmando que a qualidade do
cuidado também depende da qualidade das relações humanas.
A
humanização propõe integrar a dimensão técnica e a dimensão relacional,
reconhecendo que o cuidado é sempre um encontro entre sujeitos. Dessa forma, a
PNH incentiva práticas que promovam o acolhimento, a escuta qualificada, o
vínculo e a corresponsabilidade.
Um
dos dispositivos mais conhecidos da política é o acolhimento com
classificação de risco, que reorganiza o fluxo de atendimento nos serviços
de urgência e emergência, priorizando não apenas a gravidade clínica, mas
também o sofrimento e a vulnerabilidade do usuário. Esse dispositivo representa
uma mudança concreta na forma de pensar o acesso e o cuidado.
Outro
aspecto importante é a valorização do trabalhador da saúde. A PNH
entende que não há cuidado humanizado sem condições dignas de trabalho e sem a
escuta das necessidades dos profissionais.
Por
isso, ela promove ações voltadas à saúde do trabalhador, ao fortalecimento dos
vínculos e à criação de espaços coletivos de reflexão sobre o processo de
trabalho.
A PNH também contribui para a melhoria da gestão ao introduzir metodologias participativas, como as rodas de conversa, os colegiados
gestores
e os grupos de apoio institucional. Essas estratégias estimulam o diálogo e a
corresponsabilidade, reduzindo conflitos e fortalecendo o sentimento de
pertencimento e compromisso com o serviço público.
Dessa forma, o papel da PNH na melhoria da qualidade do cuidado vai além da adoção de protocolos: ela propõe uma mudança cultural, em que o respeito, a escuta e o diálogo são elementos tão essenciais quanto o conhecimento técnico.
Considerações
Finais
A
Política Nacional de Humanização constitui uma das experiências mais
relevantes da história recente das políticas públicas de saúde no Brasil. Ela
reafirma que a humanização não é um adorno ou uma prática complementar, mas uma
condição essencial para a efetivação dos princípios do SUS.
Ao
propor a transversalidade, a indissociabilidade entre atenção e gestão e o
protagonismo dos sujeitos, a PNH desafia as estruturas tradicionais e convoca
todos os envolvidos no sistema a assumirem um papel ativo na transformação das
práticas de cuidado e de gestão.
Mais
do que um conjunto de diretrizes, a PNH é uma ética de trabalho e de
convivência que reconhece a dignidade e a singularidade de cada pessoa. Seu
legado permanece vivo sempre que o atendimento à saúde se transforma em um
encontro genuíno entre pessoas, mediado pelo respeito, pela escuta e pela
solidariedade.
Referências
Bibliográficas
BRASIL.
Ministério da Saúde. Política Nacional de Humanização: Documento Base para
Gestores e Trabalhadores do SUS. Brasília: Ministério da Saúde, 2004.
BRASIL.
Ministério da Saúde. HumanizaSUS: Política Nacional de Humanização – PNH.
4. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2013.
CAMPOS,
Gastão Wagner de Sousa. Um método para análise e co-gestão de coletivos: a
constituição do sujeito, a produção de valor de uso e a democracia em
instituições. São Paulo: Hucitec, 2000.
MERHY,
Emerson Elias. Saúde: a cartografia do trabalho vivo. São Paulo:
Hucitec, 2002.
DESLANDES,
Suely Ferreira. Humanização: revisitando o conceito a partir das
contribuições da sociologia médica. Ciência & Saúde Coletiva, v.
9, n. 1, p. 7–16, 2004.
PASINI,
Valéria L. Humanização no SUS: desafios e perspectivas. Revista
Brasileira de Enfermagem, v. 69, n. 6, p. 1124–1131, 2016.
Valores e Princípios Éticos da Humanização
Introdução
A humanização, no contexto das políticas públicas e, especialmente, na saúde, constitui-se como uma proposta ética e política que visa transformar as relações entre os sujeitos, os modos de gestão e as práticas
de,
constitui-se como uma proposta ética e política que visa transformar as
relações entre os sujeitos, os modos de gestão e as práticas de cuidado. Ela se
fundamenta em valores universais — como a dignidade humana, o respeito, a
solidariedade, a corresponsabilidade e a escuta qualificada — que orientam
a construção de um sistema mais justo, equitativo e sensível às diferenças.
A
Política Nacional de Humanização (PNH), criada em 2003 pelo Ministério da
Saúde, propõe a humanização como eixo transversal de toda a rede do Sistema
Único de Saúde (SUS), integrando dimensões técnicas e subjetivas do cuidado.
Assim, falar sobre humanização é também falar sobre ética, já que implica um
compromisso com o reconhecimento da alteridade e com a construção de práticas
pautadas no respeito à vida, à diversidade e à autonomia dos sujeitos.
A seguir, serão discutidos os principais valores e princípios éticos que fundamentam a política de humanização, com ênfase na dignidade, escuta qualificada e corresponsabilidade, na ética do cuidado e respeito à diversidade, e na humanização como política de inclusão social.
Dignidade,
Escuta Qualificada e Corresponsabilidade
A
dignidade humana é o valor central da humanização e o fundamento ético
de todas as ações que se pretendem emancipatórias. Derivada de um princípio
constitucional, ela reconhece que toda pessoa possui valor intrínseco,
independentemente de sua condição social, física ou psíquica. No contexto da
saúde, a dignidade implica tratar o usuário não como objeto de intervenção
técnica, mas como sujeito de direitos, portador de saberes, desejos e
histórias.
O
respeito à dignidade se expressa, portanto, na maneira como se dá o encontro
entre profissionais e usuários. Essa relação deve ser marcada pela escuta
qualificada, que é mais do que simplesmente ouvir: trata-se de acolher o
outro em sua singularidade, compreendendo suas necessidades e sofrimentos
dentro de seu contexto de vida. A escuta qualificada é um instrumento essencial
do cuidado humanizado, pois rompe com a lógica mecanicista e autoritária que
reduz o atendimento à execução de protocolos.
Segundo
Merhy (2002), o trabalho em saúde é um “trabalho vivo em ato”, que se produz no
encontro entre sujeitos. Nessa perspectiva, a escuta é o espaço onde o cuidado
se concretiza e onde o técnico se torna humano. Ao escutar de forma atenta e
empática, o profissional reconhece o outro como legítimo em sua diferença e
coautor das decisões sobre seu próprio cuidado.
A
corresponsabilidade, por sua vez, é o princípio que orienta a partilha
de deveres e decisões entre os diferentes atores do sistema: gestores,
trabalhadores e usuários. Ela rompe com o modelo verticalizado e centralizador
da gestão tradicional, substituindo-o por práticas de cogestão e de participação
ativa. A corresponsabilidade implica reconhecer que o cuidado não é
resultado de uma ação unilateral, mas de uma construção coletiva.
Desse modo, o profissional humanizado é aquele que assume uma postura ética e solidária, capaz de articular saber técnico e sensibilidade, promovendo o protagonismo do usuário e fortalecendo vínculos baseados na confiança e no respeito mútuo. A dignidade, a escuta e a corresponsabilidade formam, portanto, o tripé ético que sustenta a humanização como prática cotidiana e política pública.
Ética
do Cuidado e Respeito à Diversidade
A
ética do cuidado surge como um referencial importante na compreensão da
humanização. Diferente da ética normativa, centrada em regras e obrigações, a
ética do cuidado baseia-se na responsabilidade e na atenção ao outro,
reconhecendo a vulnerabilidade como condição humana universal. O cuidado, nesse
sentido, não é apenas uma técnica, mas um modo de ser e de se relacionar.
Para
Boff (1999), cuidar é “mais do que um ato; é uma atitude de ocupação, de
preocupação, de responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro e com o
mundo”. Essa visão amplia o conceito de cuidado para além do campo da saúde,
transformando-o em princípio existencial e ético. No contexto da humanização,
cuidar significa acolher o outro sem julgamentos, respeitando suas crenças,
seus limites e suas possibilidades.
A
ética do cuidado, ao ser incorporada à política pública, resgata a dimensão
humana da assistência, frequentemente obscurecida pela tecnificação das
relações. No ambiente hospitalar, por exemplo, cuidar eticamente implica não
apenas aplicar um procedimento correto, mas garantir o conforto, a segurança e
o reconhecimento do paciente como pessoa. Assim, a ética do cuidado exige
sensibilidade e compromisso político com a dignidade humana.
Outro
valor inseparável da humanização é o respeito à diversidade. Em um país
marcado por desigualdades sociais, étnicas, culturais e de gênero, a
humanização se torna um instrumento de democratização do cuidado. O respeito à
diversidade significa reconhecer e valorizar as diferenças como componentes
essenciais da identidade e não como barreiras ao atendimento.
A PNH propõe que o
propõe que o SUS seja um espaço de inclusão, onde todas as formas de vida
sejam acolhidas. Isso implica combater práticas discriminatórias e construir
relações baseadas na equidade. O respeito à diversidade, portanto, não é apenas
uma questão moral, mas um imperativo ético e político que garante a efetividade
do direito à saúde.
Autores como Deslandes (2004) destacam que a humanização só se concretiza quando se reconhece o outro como sujeito legítimo, cuja voz tem valor no processo de produção de saúde. O cuidado ético pressupõe diálogo intercultural, sensibilidade às diferenças e compromisso com a justiça social.
Humanização
como Política de Inclusão
A
humanização como política de inclusão representa a materialização
prática dos valores éticos discutidos anteriormente. Ela se fundamenta na ideia
de que o acesso e a qualidade do cuidado só se realizam plenamente quando todos
os sujeitos têm condições de participar, decidir e usufruir dos benefícios do
sistema de saúde em igualdade de oportunidades.
A
inclusão, no âmbito da PNH, não se limita à ampliação do acesso aos serviços,
mas envolve também o reconhecimento simbólico e social das pessoas
historicamente marginalizadas. Trata-se de criar condições para que diferentes
vozes — usuários, trabalhadores, gestores e comunidades — possam ser ouvidas e
consideradas nas decisões que afetam suas vidas.
Nesse
sentido, a humanização assume um papel político transformador: ela desafia as
estruturas excludentes e hierárquicas que ainda persistem nas instituições
públicas, promovendo práticas participativas e democráticas. A inclusão se dá
quando o serviço público se torna um espaço de diálogo e de valorização da
diferença, onde cada sujeito é convidado a contribuir com sua experiência e seu
saber.
A
PNH, ao adotar metodologias como rodas de conversa, grupos de trabalho de
humanização e colegiados gestores, estimula a criação de espaços coletivos
de decisão e reflexão. Esses dispositivos possibilitam a expressão de demandas
e afetos, fortalecendo a cidadania e a corresponsabilidade.
A
humanização como política de inclusão também se expressa no compromisso com a acessibilidade
física, comunicacional e atitudinal, garantindo que pessoas com
deficiência, minorias étnicas e grupos vulneráveis sejam plenamente
reconhecidos e respeitados. Desse modo, a inclusão se torna um componente ético
fundamental do cuidado humanizado, articulando direitos individuais e coletivos.
Cecílio (2009) ressalta que a humanização é,
antes de tudo, um processo de ampliação do espaço de cidadania, onde o sujeito passa de destinatário a participante ativo das políticas públicas. Incluir é reconhecer que cada pessoa, em sua singularidade, é parte constitutiva do sistema, e que a diversidade é uma fonte de aprendizado e fortalecimento coletivo.
Considerações
Finais
Os
valores e princípios éticos da humanização constituem o alicerce sobre o
qual se sustenta a proposta da PNH e a própria consolidação do SUS como
política de Estado. A dignidade, a escuta qualificada e a corresponsabilidade
refletem uma nova forma de compreender o cuidado, que ultrapassa o campo técnico
e alcança a dimensão humana e relacional das práticas de saúde.
A
ética do cuidado e o respeito à diversidade reafirmam o
compromisso do SUS com a vida em todas as suas expressões, reconhecendo que o
encontro entre sujeitos é sempre um espaço de criação, afeto e transformação.
Finalmente, a humanização como política de inclusão revela que cuidar é
também incluir, ouvir e compartilhar poder, garantindo que todos tenham voz e
vez na construção de um sistema mais justo e solidário.
A humanização, portanto, não é apenas uma política pública, mas um projeto ético de sociedade, que busca restituir à vida pública sua dimensão sensível e relacional. Ela convida gestores, trabalhadores e usuários a repensarem o modo como se relacionam e como produzem saúde, transformando o cotidiano institucional em um espaço de cuidado, diálogo e emancipação.
Referências
Bibliográficas
BOFF,
Leonardo. Saber cuidar: ética do humano – compaixão pela terra. 14. ed.
Petrópolis: Vozes, 1999.
BRASIL.
Ministério da Saúde. Política Nacional de Humanização: Documento Base para
Gestores e Trabalhadores do SUS. Brasília: Ministério da Saúde, 2004.
BRASIL.
Ministério da Saúde. HumanizaSUS: Política Nacional de Humanização – PNH.
4. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2013.
CECÍLIO,
Luiz Carlos de Oliveira. As necessidades de saúde como conceito estruturante
na luta pela integralidade e equidade na atenção em saúde. In: PINHEIRO,
R.; MATTOS, R. A. (orgs.). Os sentidos da integralidade na atenção e no
cuidado à saúde. Rio de Janeiro: IMS/UERJ, 2009.
DESLANDES,
Suely Ferreira. Humanização: revisitando o conceito a partir das
contribuições da sociologia médica. Ciência & Saúde Coletiva, v.
9, n. 1, p. 7–16, 2004.
MERHY, Emerson Elias. Saúde: a cartografia do trabalho vivo. São Paulo: Hucitec, 2002.
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